O whistleblowing como uma estratégia de compliance: o caso de uma multinacional francesa a operar em Portugal

AuthorPatrick de Pitta Simões y Luís Fonseca
ProfessionDoutorando em Direito e Segurança, pela Universidade Nova de Lisboa (UNL)/Colaborador do Nova Compliance Lab.
Pages369-386
O WHISTLEBLOWING COMO UMA ESTRATÉGIA DE
COMPLIANCE: O CASO DE UMA MULTINACIONAL
FRANCESA A OPERAR EM PORTUGAL
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INTRODUÇÃO
O Compliance, também conhecido em Portugal por cumprimento normativo
voluntário ou conformidade legal voluntária3, é essencialmente uma cultura de
integridade organizacional de cada indivíduo (trabalhador, colaborador4, stakeholder5).
A a rmação anterior é a síntese da convicção dos autores deste texto, fruto de mais
de uma década de experiência enquanto auditores, que a fazem a título pessoal e não
em representação das entidades onde trabalham.
1 Doutorando em Direito e Segurança, pela Universidade Nova de Lisboa (UNL); mestre em
Auditoria, pelo Instituto Politécnico de Lisboa (IPL); pós-graduado em diversas áreas do Direito e
licenciado em Direito, pela Universidade de Lisboa; licenciado em Geografia e Planeamento Regional,
pela UNL; investigador no Centro de Investigação e Desenvolvimento sobre Direito e Sociedade (CEDIS),
formador nas áreas de Compliance, Direito Administrativo e Laboral, árbitro pelo Centro de Arbitragem
Administrativa e auditor no IPL.
2 Colaborador do Nova Compliance Lab; mestre em Auditoria; pós graduado em Gestão e Direção de
Segurança; pós graduado em Direito da Proteção da Dados; licenciado em Gestão de Empresas; programa
de Gestão de Informação e e-business; tem vários artigos e comunicações publicados, assim como efetuou
apresentações em Congressos nacionais e internacionais; é orador convidado eformador em Proteção
de Dados e em áreas do Compliance e em áreas do Compliance; D ata Protection Officer e Coordenador
de Segurança Económica em uma empresa multinacional; anteriormente foi auditor interno e gestor de
riscos na mesma empresa.
3 NÓBREGA PIZARRO (2017, p. 18) considera que «(…) a utilização da expressão conformidade
normativa seria mais adequada, entendendo-se conformidade como a qualidade de quem está de acordo
com determinada coisa, no caso em apreço com normas gerais e regras específicas das organizações».
4 Assume-se que este é o termo mais usual para um prestador de serviços (tarefeiro a recibos verdes).
Não se irá entrar em detalhes sobre diferenças jurídico-terminológicas entre trabalhador, colaborador
ou mesmo funcionário, por não ser esse o propósito da análise, pelo que usar-se-á indistintamente cada
uma destas palavras quandonão for contextualizado o sentido em que se empregam.
5 Um outro conjunto de pessoas que interagem com a instituição ou que têm interesse nela,
designadamente clientes, sócios ou acionistas (investidores), fornecedores, consultores, intermediários,
concorrentes, autoridades fiscalizadoras ou reguladoras (o Estado em geral, se também for acionista ou
estrategicamente interessado face à importância e/ou dimensão da empresa privada).
Patrick de Pitta Simões y Luís Fonseca
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O que se irá analisar, num primeiro momento, além do surgimento do Compliance e
identi cação das suas componentes, com especial relevo para o Whistleblowing (canais
de denúncia e divulgação pública protegida)6, será simultaneamente a di culdade em
de ni-lo, ainda que se admita que possa parecer paradoxal este intento quando se inicia
com uma a rmação categórica.
Num segundo momento, propõe-se, sobretudo, uma reflexão sobre a forma
como implementar um sistema de proteção de denunciantes em contexto laboral
(whistleblowers) promovido pelos programas (ou políticas) de Compliance,
exempli cando-se com o modus operandi de uma multinacional francesa a laborar
em Portugal.
I. ENQUADRAMENTO CONCEPTUAL E LEGAL
A palavra compliance, de origem anglo-saxónica, pr isso um neologismo ou um
termo que carece de tradução portuguesa é, segundo NÓBREGA PIZARRO (2017,
p. 12) «entendid[a] como a necessidade de respeitar leis, regulamentos, princípios
éticos e códigos de conduta, surge-nos actualmente como uma verdadeira função
empresarial. (…) [Esta] deu os seus primeiros passos nos sectores bancário e  nanceiro,
tradicionalmente mais propícios à prática de actos contrários à lei e aos interesses dos
seus accionistas, clientes, fornecedores e como tal, lesivo dos interesses das próprias
instituições».
O autor prossegue explicando que por causa de sucessivos escândalos nos Estados
Unidos da América, surgiu a necessidade de condicionar o comportamento das
organizações empresariais, através da publicação de vários instrumentos legislativos
nacionais e internacionais.
«Hoje, devido à progressiva consciencialização de que a implementação de
programas de Compliance é essencial à normal actividade da organização e ao crescente
sentimento de que é necessário promover a moralização do mundo dos negócios, o seu
campo de aplicação abrange todo o tipo de empresas»7.7
6 Para mais desenvolvimentos sobre a definição de Whistleblowing, vide PIT TA SIMÕES, Patrick.
“Quem pode ser responsável pelo tratamento de dados (pessoais) gerados pelo Whistleblowing?” Anuário
da Proteção de Dados Pessoais de 2021, do Observatório da Proteção de Dados Pessoais, do CEDIS da Nova
School of Law. 2021, p. 37-65. Disponível em: http://hdl.handle.net/10400.21/13772.
7 O autor diz ainda (2017, p. 18) que o termo Compliance, «tem origem no verbo inglês “to comply”
que significa agir de acordo ou estar em conformidade com uma norma, uma instrução ou um comando».
Por sua vez, de acordo com Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, o Compliance significa o «conjunto
de acções ou procedimentos que visam verificar o cumprimento de leis, regulamentos, normas ou padrões
estabelecidos, geralmente numa empresa ou instituição; [ou, simplesmente,] verificação da conformidade
(…).» in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2021, https://dicionario.priberam.
org/compliance [consultado em 09-10-2021].
7

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