Ética, integridade e riscos de fraude e corrupção na governação pública - estratégias e metodologias de controlo

AuthorAntónio João Maia
ProfessionDoutorado em Ciências Sociais - Administração Pública
Pages335-353
ÉTICA, INTEGRIDADE E RISCOS DE FRAUDE E
CORRUPÇÃO NA GOVERNAÇÃO PÚBLICA  ESTRATÉGIAS E
METODOLOGIAS DE CONTROLO
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ENQUADRAMENTO DA QUESTÃO
A problemática da ética e das diversas vertentes que lhe estão associadas tem vindo
a ocupar um lugar de primeira linha no contexto das preocupações das sociedades
actuais.
Muita desta importância, associada a uma correspondente atenção no quadro da
agenda social e política, tem sido particularmente impulsionada pela comunicação
social, através das notícias que diariamente nos apresenta e que vão dando conta de
todo o tipo de suspeitas de alegadas práticas de fraude e de corrupção, a envolverem
particularmente, na sua maioria, destacadas  guras da vida política e económica no
âmbito da gestão pública e dos grandes negócios do Estado.
É, pois, com alguma naturalidade, que, neste enquadramento, questões como a
ética, a integridade, a cidadania, a prestação de contas ou a transparência, sobretudo
quando associadas à gestão e à governação do Estado e dos interesses públicos, tenham
adquirido também um lugar de destaque. Desde logo por parte daqueles que têm
responsabilidades na de nição e adoção de estratégias e políticas concretas de gestão
de risco no Estado e nas organizações, e também porque a temática tem ocupado um
espaço crescente de atenção enquanto objeto de estudo cientí co por parte das ciências
sociais, da economia, do direito e da gestão.
O presente texto surge também neste enquadramento. Através dele procuramos
deixar um modesto contributo para a problematização das questões da ética e da
1 Doutorado em Ciências Sociais - Administração Pública. Professor convidado de Ética nos
cursos de Administração Pública do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade
de Lisboa. Vice-presidente do Observatório de Economia e Gestão de Fraude da Faculdade de Economia
da Universidade do Porto. Investigador criminal dos quadros da Polícia Judiciária. Membro do Conselho
de Prevenção da Corrupção.
António João Maia
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integridade e para a sua importância no âmbito do quadro dos valores centrais
que devem nortear e contextualizar a ação de uma qualquer sociedade ao nível
da denominada Governação Pública, com particular enfoque nas organizações
da Administração Pública. Neste sentido, procuramos reforçar a possibilidade de
se adoptarem instrumentos que, ao cruzarem a gestão com os riscos e, com a sua
prevenção, ofereçam o potencial de melhoria dos índices de qualidade do serviço
público prestado à sociedade e ao cidadão, bem como dos índices de responsabilidade
e de integridade daqueles que exercem funções nas organizações públicas, quer através
do levantamento e aprofundamento das boas práticas administrativas, quer também
por permitirem a identi cação e prevenção de áreas e factores de risco de gestão,
particularmente de riscos de corrupção e de fraude.
O texto está estruturado em torno de quatro pontos. No primeiro apresentamos
uma breve e sucinta revisão das noções associadas à ética, à conduta e, a partir delas,
à integridade e à sua importância qualitativa na realização do serviço público. No
segundo descrevemos o modelo da Governação Pública através de uma revisão,
também necessariamente muito breve e rápida, do papel e da função do Estado numa
sociedade e do modo através do qual se faz a gestão do denominado interesse público
ou interesse geral. No terceiro ponto veri camos a vertente dos riscos associados
à ausência de integridade na Governação Pública, focando particularmente as
componentes de maior censurabilidade como sejam a fraude e a corrupção. Apresenta-
se também neste ponto, de forma igualmente sintética, o modelo português de controlo
sobre a acção do Estado e das estruturas da Governação Pública. Finalmente, no quarto
ponto, apresentamos uma breve síntese conclusiva suscitada a partir dos diversos
conteúdos explorados.
I. ÉTICA, CONDUTA E INTEGRIDADE  BREVE REVISITAÇÃO DE CONCEI
TOS
Enquanto objeto de estudo da  loso a, a ética apresenta desde logo uma relação de
complementaridade com a moral. De modo simples, como refere por exemplo Savater
(2005, 2008), a moral pode ser entendida como a capacidade do homem, enquanto ser
racional, para re ectir sobre o que é o bem e o mal e, nesse enquadramento, interrogar-
se sobre o sentido das suas acções, quer no plano individual, quer no plano colectivo,
tanto na relação com os outros (Robinson, 2012), como na relação com o mundo e
com a natureza (Singer, 2017). Este processo de re exão traduz-se essencialmente
na procura da con guração de ideais de dignidade, solidariedade e cidadania2, e está
na origem do reconhecimento da existência de interesses e de valores colectivos, que
con guram a noção de um bem comum e de um espaço de vivência colectiva, como
é referido por Magalhães (2010). Este processo de re exão e de construção de um
2 Só a moral nos abre uma ideia universal de dignidade, bondade, justiça, solidariedade e cidadania.
(Magalhães, 2010: 17).

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