Auditar a integridade nas organizações públicas

AuthorHelena Abreu Lopes
ProfessionJuíza Conselheira do Tribunal de Contas de Portugal
Pages315-333
AUDITAR A INTEGRIDADE NAS ORGANIZAÇÕES PÚBLICAS
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I. A INTEGRIDADE NA GESTÃO PÚBLICA E AS INSTITUIÇÕES SUPERIORES
DE CONTROLO FINANCEIRO
É comummente reconhecido que a corrupção põe em causa os princípios do
Estado de Direito e os direitos fundamentais dos cidadãos, causa danos relevantes
ao desenvolvimento económico e social e mina a credibilidade e a confiança nas
instituições.
No que respeita à gestão e  nanças públicas, a corrupção e a fraude distorcem o
acesso aos serviços e aos mercados públicos, desviam recursos públicos signi cativos
e, consequentemente, prejudicam a satisfação das necessidades públicas. Embora não
existam dados que permitam quanti car os custos da corrupção, designadamente a
nível nacional, estima-se que cerca de metade das situações de corrupção ocorra nos
contratos públicos. Os mercados públicos representam 14% do PIB da União Europeia2
e estima-se que, nesse domínio, a corrupção possa envolver custos adicionais de 10 a
25%3.
O barómetro Edelman sobre con ança4, tem vindo a evidenciar ao longo dos anos
que a corrupção é uma das questões que mais preocupa os cidadãos, a maioria dos quais
tem a perceção de que a atividade governativa prossegue frequentemente interesses
1 Juíza Conselheira do Tribunal de Contas de Portugal.
2 Vide COM(2017) 572, 3.10.2017 e https://ec.europa.eu/growth/single-market/public-procurement/
strategy_en.
3 Vide, entre outros, https://ec.europa.eu/anti-fraud/sites/antifraud/files/docs/body/identifying_
reducing_corruption_in_public_procurement_en.pdf, https://www.transparency.org/whatwedo/
publication/curbing_corruption_in_public_procurement_a_practical_guide, https://www.oecd.org/gov/
public-procurement/integrity/, https://www.oecd.org/gov/public-procurement/publications/Corruption-
Public-Procurement-Brochure.pdf, https://www.oecd.org/gov/ethics/48994520.pdf e http://www.oecd.
org/governance/procurement/toolbox/principlestools/integrity/
4 Vide https://www.edelman.com/trustbarometer
Helena Abreu Lopes
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de natureza privada5. No seu relatório de 2020, este barómetro assinala, de forma
impressiva, que a con ança nas instituições assenta na competência e na ética que
lhes são reconhecidas, referindo que, de acordo com os dados recolhidos, as entidades
governamentais não são, em geral, vistas nem como competentes nem como éticas.
Esta falta de con ança fragiliza fortemente as instituições públicas e o próprio Estado.
Ainda assim, e, pelo menos no que se refere à situação reportada na primavera
de 2020, aquele barómetro referiu que a crise da COVID-19 motivou uma alteração
nos índices de con ança dos cidadãos. Pela primeira vez em 20 anos, e naquela altura,
os governos foram referidos como a instituição que mais con ança lhes inspirava6.
Os cidadãos esperavam que os seus governos liderassem a resposta à pandemia na
contenção da doença, na proteção económica, na informação pública e no retorno à
normalidade. No entanto, o efeito de desgaste entretanto ocorrido, a (re)intensi cação
dos contágios, as falhas na gestão da pandemia e a ocorrência de incidentes fraudulentos
ou corruptivos são suscetíveis de rapidamente fazer degradar esta perceção positiva.
Para contrariar a falta de confiança dos cidadãos nas decisões e na gestão das
entidades do setor público e no seu alinhamento com princípios de interesse público,
torna-se necessário lançar mão de mecanismos que possam fortalecer a integridade
e credibilidade dessas organizações. E, como refere o Conselho da Organização para
a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), “abordagens tradicionais
baseadas na criação de mais regras, conformidade mais rigorosa e cumprimento mais
rígido têm e cácia limitada. Uma resposta estratégica e sustentável à corrupção é a
integridade pública7.
Na sua Recomendação sobre Integridade Pública8, emitida em 2017, o Conselho
da OCDE de ne a integridade pública como “o alinhamento consistente e a adesão a
valores, princípios e normas éticas comuns para sustentar e priorizar o interesse público
sobre os interesses privados no setor públic o” e faz um conjunto de recomendações sobre
como agir sobre os vários elementos que contribuem para a sua salvaguarda, elementos
esses que se agrupam em torno de três grandes clusters: um sistema de integridade
coerente e abrangente, uma cultura de integridade pública e um modelo de efetiva
prestação de contas.
As instituições superiores de controlo  nanceiro (categoria em que se incluem
os Tribunais de Contas) são as entidades que, em cada país, asseguram a prestação
de contas por parte de quem gere fundos públicos, a fiscalização ao mais alto
nível da gestão desses fundos e da execução dos orçamentos públicos e, quando
detenham poderes de natureza jurisdicional, o apuramento de responsabilidades e o
sancionamento pela prática de infrações na sua utilização.
5 Vide https://www.edelman.com/trust2017
6 Vide https://www.edelman.com/research/trust-2020-spring-update
7 Vide https://www.oecd.org/gov/ethics/integrity-recommendation-pt.pdf
8 Idem.

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