O sistema de solucao de controversias do Mercosul

AuthorLuiz Otavio Pimentel
ProfessionDoutor em Direito, professor de Fundamentos do MERCOSUL no Curso de Pós-Graduacáo em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina.
Pages677-694

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1. Introducáo

O presente artigo faz uma abordagem descritiva geral sobre a estrutura e o ordenamento jurídico para focalizar os aspectos básicos dos mecanismos do atual sistema de solucáo de controversias do MERCOSUL, mostrando ao final a dispersáo normativa existente. Nao trata dos procedimentos de reclamacoes no ámbito da política comercial ante a Comissáo de Comercio do MERCOSUL (CCM) e de reclamacoes dos particulares1.

Entende-se por "sistema" a combinacáo de procedimentos, diplomáticos e jurídicos, coordenados entre si, que concorrem para um resultado, aqui a solucão de uma controversia entre os Estados Partes (EPs) do bloco; forma, assim, um conjunto de meios (mecanismos) para regular o funcionamento da solucão de controversias no processo de integracão.

2. A estrutura institucional e as normas jurídicas

O MERCOSUL, pessoa jurídica de Direito Internacional, conta com uma estrutura institucional composta por seis órgáos: o Conselho do Mercado Comum (CMC); o Grupo Mercado Comum (GMC); a CCM; a Comissáo Parlamentar Conjunta; o Foro Consultivo Económico-Social; e a Secretaria do MERCOSUL (SM). Desses órgáos os tres primeiros possuem competencia decisoria, de natureza intergovernamental, que são o CMC, GMC e CCM2.

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O CMC é o órgão superior do MERCOSUL, integrado pelos Ministros de Relacoes Exteriores e Ministros de Economia dos EPs, incumbido da conduCão política do processo de integracão e de tomar as decisoes que assegurem o cumprimento dos objetivos fixados pelo Tratado de Assuncão (TA). A presidencia do CMC é exercida, pro tempore, por rotacão dos EPs semestralmente, reúne-se urna vez por semestre ou quantas vezes forem necessárias. Manifesta-se o Conselho através de Decisoes que sao obrigatórias para os EPs.

O GMC é o órgão executivo do MERCOSUL, integrado por quatro membros titulares e quatro alternos por EP, designados pelos respectivos governos nacionais e coordenados pelos Ministerios de Relacoes Exteriores. Reúne-se o Grupo de forma ordinaria pelo menos urna vez por trimestre e seus coordenadores mensalmente. Manifesta-se através de Resolucoes que também sao obrigatórias para os EPs3.

A CCM é o órgáo do MERCOSUL encarregado de assistir ao GMC, tendo por competencia velar pela aplicacão dos instrumentos, acompanhar e revisar os temas e materias de política comercial comum, intra-bloco e com terceiros países. Sendo integrada por quatro membros titulares e quatro alternos por EP e coordenados pelos Ministerios de Relacoes Exteriores. Reúne-se a Comissáo de forma ordinaria pelo menos urna vez por mes. Manifesta-se a CCM através de Diretrizes ou Propostas, sendo as primeiras também obrigatórias para os EPs4.

No que tange ao arcabouco normativo do MERCOSUL, este pode ser dividido, entre o direito originario ou constitutivo do bloco e o derivado. Na primeira classe temos o TA e o Protocolo de Ouro Preto (POP), que formam urna unidade indissociável, integrando a ordem jurídica internacional e o direito interno dos EPs. E no direito derivado temos os demais protocolos, os acordos internacionais celebrados no seu ámbito e as normas emanadas dos órgáos do MERCOSUL (Decisoes, Resolucoes e Diretrizes).

Devemos observar agora como o Direito do MERCOSUL se torna eficaz. No TA, com duracáo por tempo indeterminado, ficou estipulado que a sua vigencia ocorreria trinta dias após a data do depósito do terceiro instru-Page 681mentó de ratificacão pelos EPs ante o Governo do Paraguai.5 O POP manteve a sua vigencia conforme determinado pelo TA, acrescentando, em materia de adesão ou denuncia, que estas regem-se como um todo, quer dizer, a adesáo ou denuncia será ipso iure ao TA e ao POP.

As normas do MERCOSUL, classificadas como Direito da Integracão, é importante recordar, nao tem como destinatarios os particulares e sim os EPs, cabendo a estes transformá-las em direito nacional. Ademáis, nao existe hierarquia entre a norma do MERCOSUL e a norma nacional porque ambas tem origens diferentes e distintos ámbitos de competencias.

A fim de sanar problemas interpretativos, no movimento de relancamento do MERCOSUL, reuniáo do CMC em Buenos Aires, no mes de junho de 1996, foram decididas as regras sobre a incorporacão da normativa MERCOSUL ao ordenamento jurídico dos EPs. Determinando-se que as Decisoes, Resolucoes e Diretrizes, obrigatórias para os EPs, quando necessário, deveráo ser incorporadas aos ordenamentos jurídicos nacionais6.

A Decisáo do CMC, antes mencionada, estabeleceu que as normas do MERCOSUL não requerem a incorporacão aos ordenamentos jurídicos nacionais quando os EPs entendem, conjuntamente, que o seu conteúdo trata de assuntos relacionados ao funcionamento interno do bloco, devendo este entendimento ser explicitado no texto das normas; que entram em vigor a partir de sua aprovacão. Estabeleceu, ainda, que as normas do MERCOSUL cujo conteúdo já foi contemplado na legislacão nacional do EPs também não necessitam de incorporacão.

As Decisoes, Resolucoes e Diretrizes que contenham urna data ou prazo para a sua incorporcão, significam cláusulas com caráter obrigatório para os EPs e que devem ser incorporadas nas datas ou prazos estabelecidos, a fim de cumprir o procedimento de vigencia simultánea no MERCOSUL.

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Observa-se, ainda, que a vigencia dos atos materializados em instrumentos jurídicos pendentes de posterior ratificaCão e depósito, subscritos pelos EPs, se regerá conforme o que cada instrumento estabeleãa, observando-se os principios consagrados no Direito Internacional.

O Brasil sempre manifesta ao ratificar os instrumentos normativos do MERCOSUL, tanto na fase congressual (decreto legislativo), como por ocasião da promulgacão pelo executivo (decreto), que sao sujeitos a aprovacão do Congresso Nacional quaisquer atos posteriores que possam resultar em revisão do instrumento ratificado ou que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimonio brasileiro, conforme previsto na Constituicão Federal (art. 49,1).

As normas jurídicas do MERCOSUL -TA, POP, protocolos e acordos celebrados no ámbito do TA, Decisoes do CMC, Resolucoes do GMC e Diretrizes da CCM- podem levar as controversias entre os EPs, sobre a sua interpretado, aplicacão ou nao cumprimento, que seráo resolvidas no sistema de resolucão de conflitos do bloco. Logo, este será o ámbito de aplicacão do sistema de solucão de controversias do MERCOSUL.

O sistema vigente para solucionar as divergencias está ordenado por dois instrumentos principais, referidos no próximo parágrafo, pelo POP (art. 23) e seu Anexo (Procedimento Geral para Reclamacoes Perante a Comissão de Comercio do MERCOSUL), Regulamento Interno da CCM (art. 6,VIII e IX, arts. 16, 17 e 19), Diretriz do Mecanismo de Consultas na CCM7 e será complementado por outros de natureza regulamentar ao Protocolo de Olivos (PO) e ao Regulamento do PO para a Solucão de Controversias no MERCOSUL (RPO). Evidentemente que este quadro proporciona certa dispersáo ao sistema, complexidade que não ajuda o processo de integracão.

O principal instrumento do sistema é o PO, composto por quatorze capítulos, que tratam das controversias entre EPs; mecanismos relativos a aspectos técnicos; opinioes consultivas; negociagoes diretas; intervengáo do GMC; procedimento arbitral ad hoc; procedimento de revisáo; laudos arbitrais; medidas compensatorias; reclamacoes de particulares; disposigoes Page 683gerais, transitorias e finais8. O outro instrumento importante, antes mencionado é o RPO9.

Os órgãos do sistema de solucão de controversias sao o GMC, de caráter diplomático, o Tribunal Arbitral Ad Hoc (TAH) e o Tribunal Permanente de Revisão (TPR), estes arbitrais. As controvérsias também podem ser resolvidas diretamente entre os EPs e no CCM, neste restrito as solucoes dos problemas decorrentes de política comercial. Vejamos a seguir os mecanismos para solucionar os conflitos no MERCOSUL previstos no PO e RPO.

3. Os meios de solucáo de controversias
3.1. Aspectos técnicos

O primeiro mecanismo previsto para a solucão de controvérsias no PO se refere aos aspectos técnicos regulados nos instrumentos que definem a política comercial comum.10 Todavia, ficou pendente de definicão e aprovacão por Decisão do CMC as regras do seu funcionamento, o alcance dos futuros mecanismos e a natureza jurídica dos pronunciamentos a serem emitidos.11

3.2. Opinioes consultivas

O segundo mecanismo do PO, que podemos considerar independente do procedimento de solucão de controvérsias propriamente dito, é a opi-Page 684nião consultiva, a ser dada com o caráter de parecer pelo TPR, pois nao terá efeito vinculante e nem obrigatoriedade. A qual podem aceder os EPs do MERCOSUL, atuando conjuntamente; o CMC, GMC e CCM; e os tribunais superiores dos EPs com jurisdicão nacional.

O dever de "cooperacão leal" poderia imporse tanto as autoridades jurisdicionais dos EPs agindo no quadro das suas competencias, como as instituicoes do MERCOSUL...

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