A sociedade de consumo e as nuances da cidadania

AuthorCândido Francisco D. S. e Silva; Gilvan Luiz Hansen
Pages189-206
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A SOCIEDADE DE CONSUMO E AS NUANCES DA
CIDADANIA
Cândido Francisco Duarte dos Santos e Silva
Gilvan Luiz Hansen
INTRODUÇÃO
O estudo em questão tem por escopo analisar o conceito de cidadania no
mundo da vida e, para tanto, partirá de duas nuances interessantes sobre esta: a
primeira, uma visão formal e teórica sobre o tema, observando-se um
pensamento crítico embasado no viés da Escola de Frankfurt; e a segunda
nuance, observando-a na práxis, sob a égide das relações intersubjetivas no
mundo da vida.
Há que se observar que o conceito de cidadania passou e passa por uma
série de transformações desde sua definição clássica até o espectro que adquire
na contemporaneidade. Tem-se que, no mundo da vida, há uma série de
concepções acerca do que vem a ser um cidadão, em especial em um contexto
referente a uma sociedade de consumo. Percebe-se que há várias visões
diferentes, desde aquela que observa seu mais amplo espectro, àquela que
apresentam distorções, alijando-a de seu verdadeiro significado.
Neste intuito, no presente texto se apresentará uma reflexão acerca do que
se optou por denominar “cidadanias”, dada a amplitude de conceitos e
designações que recebe no mundo da vida e na teoria.
Ser um cidadão efetivo na práxis em uma sociedade de consumo é uma
tarefa árdua se observada a cidadania sob seu mais amplo conceito pois esta não
é sinônimo de poder de compra. A modernidade cobra do consumidor seu
esforço em acompanhar os lançamentos do mercado, suas variações, suas
inúmeras ofertas, bem como manter-se “atualizado” no que diz respeito a
produtos e serviços. Poder-se-ia conceituar cidadão como aquele capaz de
consumir?
Passar-se-á, então a uma análise da cidadania em uma sociedade de
consumo objetivando-se, para tanto, refletir sobre a “objetificação” do ser
humano, a sua transformação em ferramenta necessária à atividade do mercado,
como este é capaz de influenciar a atividade do indivíduo em sociedade e, por
não raras ocasiões, como a influência do mercado pode potencializar sua
vulnerabilidade do consumidor no mundo da vida.
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Para tanto, o presente estudo é desenvolvido sob o manto da Teoria
Crítica da Sociedade, desenvolvida pela Escola de Frankfurt, tendo como
principal referência teórica o pensamento de Jürgen Habermas.
A partir deste arcabouço teórico, será proposto um diálogo com outros
pensadores responsáveis pelo desenvolvimento da Teoria Crítica da Sociedade
como Horkheimer, Adorno e Fromm, além de outros autores que contribuirão
sobremaneira ao desenvolvimento deste texto, com como Ulrich Beck, T.H.
Marshall, Zygmunt Bauman, de modo a se buscar, através da interação crítica de
pensamentos diversos, porém com interseções relevantes, observar a práxis,
apresentando-se inquietações, diagnósticos e reflexões acerca do que vem a ser a
“cidadania” em uma sociedade de consumo.
1. ENTRE “CIDADANIAS”: reflexões e apontamentos iniciais
A cidadania pode receber uma série de definições no mundo da vida e a
práxis das relações intersubjetivas permite que adquira vários significados, alguns
consagrando efetivamente a amplitude do seu conceito, porém, em outras
ocasiões, a partir de uma racionalidade estratégico-instrumental, restringindo-lhe
a sentidos interessantes apenas àquele que as conceitua.
Bittar, ao tratar do conceito que chama de “jurídico-político tradicional”
de cidadania, observa duas dimensões que se completam, de forma que a primeira
dimensão se remete a soberania, ou seja, a possibilidade que o indivíduo se
reconheça como membro de uma sociedade enquanto cidadão e, em uma
segunda dimensão, em que se refere aos direitos políticos do indivíduo, onde
apresenta duas espécies de cidadania, a cidadania ativa, que seria a possibilidade
de ser votado, e a cidadania passiva, a possibilidade de votar. (BITTAR, 2004, p.
9)
Ocorre, no entanto, que estes conceitos de cidadania ativa e cidadania
passiva, em prisma interdisciplinar, alcançam uma maior dimensão, com seu o
estudo não apenas em relação ao exercício do voto, mas sim a partir da avaliação
da autonomia do indivíduo e da sua participação na esfera pública.
Se a cidadania ativa fosse relegada apenas ao plano da possibilidade de ser
votado em um pleito eleitoral, teríamos seu alijamento quanto a uma gama de
ações que competem ao cidadão em sociedade. Eis que a cidadania ativa vai além
da possibilidade de candidatura a cargos públicos, pois se assim fosse, os jovens
com idade inferior a dezesseis anos no Brasil, não aptos a votar, estariam

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