Mobilidade urbana e o exercício da cidadania como instrumento de emancipação

AuthorOzéas Corrêa Lopes Filho; Paola de Andrade Porto
Pages170-188
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MOBILIDADE URBANA E O EXERCÍCIO DA CIDADANIA
COMO INSTRUMENTO DE EMANCIPAÇÃO
Paola de Andrade Porto
Ozéas Corrêa Lopes Filho
INTRODUÇÃO
São conhecidos os problemas da mobilidade urbana nas grandes
metrópoles do mundo e, especial, das muitas cidades brasileiras, que cresceram e
se desenvolveram de maneira aquém a um planejamento urbano organizado. A
primeira impressão, visualiza-se como a principal causa desta crise de mobilidade
seria o aumento da população e o aumento das frotas automobilísticas
desproporcional com o crescimento da rede de infraestrutura sistema de
transporte, e por consequência, a diminuição da capacidade da malha viária
urbana e seu espaço comum público. De fato, essa poderia ser considerada como
a principal razão da crise de mobilidade urbana que atualmente se enfrenta,
todavia, muitos outros fatores que, praticados reiteradamente ao longo do tempo,
acabaram culminar no atual cenário de mobilidade urbana.
Dentre os fatores, pode-se citar o processo histórico de urbanização das
cidades brasileiras, a qual, muito semelhante do que aconteceu em outras partes
do mundo, quando se tinha a maior parte da população residindo em áreas rurais,
em cerca de 50 anos o processo de urbanização e adensamento populacional em
determinadas cidades, notadamente nas capitais e periferias contíguas, se deu de
forma acelerada e desordenada. Esse crescimento iniciou-se após incremento da
industrialização, todavia, não houve correspondente investimento na rede de
infraestrutura urbana que pudesse abarcar a demanda populacional, como foi
caso do sistema de transporte coletivo, com pouco ou nenhum investimento no
transporte de massa e não motorizado.
Outro fato é que as regiões periféricas as capitais brasileiras foram
habitadas por uma população mais vulnerável economicamente, e que, por
consequência, não detinham (e ainda não o tem) ofertas de trabalhos, fazendo
com que essa população tivesse que se deslocar diariamente longas distâncias às
capitais. Esse fato somado a precariedade das condições do sistema de transporte
perdurou e se intensificou ao longo do tempo fazendo com que a mobilidade
urbana se tornasse um fardo penoso aqueles habitantes.
Como que uma resposta a essa precariedade dos transportes coletivos
aliado a uma política pública de incentivo a indústria automobilística, o que se
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teve foi um aumento desenfreado do transporte individual motorizado. A título
de exemplo, entre o ano de 2001 a 2013, somente no Rio de Janeiro, a frota de
automóveis cresceu 73%. Como consequência de tal fato, a cidade do Rio de
Janeiro, segundo um estudo elaborado pela consultoria Expert Market, que
ranqueou grandes capitais do mundo a partir do cálculo do tempo gasto de cada
habitante pelo deslocamento de origem-destino, foi considerada como a pior
cidade em mobilidade urbana. Para esse estudo, o carioca leva em média 90
minutos para chegar de casa ao trabalho e o inverso.
Na realidade, a mobilidade urbana se externa a partir das consequências
de uma série de fatores, o que se mencionou acima são apenas exemplos de fatos
que impactam diretamente no deslocamento das pessoas.
A propósito, ao contrário do que o senso comum possa transparecer, até
porque a disposição das grandes cidades estarem organizadas em torno do
transporte individual por automóvel, a mobilidade urbana não está associada
somente aos transportes motorizados, uma boa qualidade de transporte não
motorizado, seja pelo simples caminhar do pedestre, seja ao se utilizar dos
veículos de transportes não motorizados, como por exemplo, bicicleta, patins e
skates, também devem ser levados em consideração, afinal, todos são transportes.
Desta forma, não se pode minimizar as causas e consequências da
mobilidade urbana atribuindo-se uma ou outra razão específica, tampouco
determinar soluções salomônicas para a melhoria da mobilidade urbana de uma
cidade. O tema é complexo e, para se discutir o macrossistema da mobilidade
urbana dos grandes centros, necessário se faz análise desmembrada dos
microssistemas que dão causa a esta complexidade. Isto é, pequenas políticas
públicas que, analisadas isoladamente, que poderão influenciar o conjunto de
fatores a desencadear na mobilidade urbana, tais como: questões urbanísticas,
autorizações para construções, os polos geradores de viagens (PGVs), o sistema
de transportes coletivos, infraestrutura, áreas de estacionamento nos espaços
públicos, e assim por diante.
O indivíduo como destinatário final e detentor do direito social ao
transporte (lato sensu) garantido no artigo 6º da Constituição da República do
Brasil, ao longo do tempo tem sofrido as mazelas de um serviço precário e uma
prestação estatal ineficiente. Por outro lado, o ordenamento jurídico brasileiro
possui uma série de legislações que também garantem a esse mesmo indivíduo
sua participação no processo de planejamento e decisões das políticas públicas
urbanas e de mobilidade, podendo com isso ter voz e, talvez iniciar um processo
de alteração desse cenário, isto é, a possibilidade de exercer plenamente a sua

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