Resposta à pergunta sobre a possibilidade de uma cidadania pós-nacional

AuthorMarcio Renan Hamel
Pages233-253
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RESPOSTA À PERGUNTA SOBRE A POSSIBILIDADE DE
UMA CIDADANIA PÓS-NACIONAL
Marcio Renan Hamel
INTRODUÇÃO
Comumente, em todas as pesquisas que desenvolvo procuro sempre
investigar o tema abordado aliado aos problemas e reflexos nacionais, ou seja,
direciono o debate para uma perspectiva brasileira, pois penso que uma das
principais tarefas do pesquisador da ciência social é a de oferecer respostas às
questões internas, principalmente se considerarmos que o Brasil é um país ainda
em desenvolvimento e que apresenta milhões de pessoas na faixa da miséria.
Assim, tenho desenvolvido pesquisas a partir de alguns temas centrais, tais como:
democracia deliberativa; direitos humanos; multiculturalismo e, mais
recentemente, reconhecimento. Como se pode notar, todos os temas são de
debate global, mas refletem diretamente no local, principalmente ao se considerar
o aspecto de globalização intensa vivido pelo mundo desde o último quarto do
século XX.
Nesta investigação abordo a possibilidade da execução de uma cidadania
pós-nacional do global para o local. Este é um tema de perspectiva global que
também reflete no local, no entanto, apresenta uma amplitude significativa, pois
são vários os ângulos e assuntos a partir dos quais é possível analisá-lo. Como
seria possível uma cidadania pós-nacional sem deslocamentos globais? Parece ser
esta uma questão norteadora, afinal ser cidadão do mundo é ser cidadão em
movimento. Para quem são os deslocamentos? Do norte para o norte? Do sul
para o sul? E do sul para o norte? Sabemos que o sul global é composto por
países em situações sociais decadentes, sendo que faço a opção de tratar o tema
da cidadania pós-nacional a partir do contexto migratório atual.
Nesta quadra da história as sociedades contemporâneas se apresentam
com grande fragmentação interna quanto à perda da centralidade da tradição,
bem como de um deslocamento da moralidade para uma periferia fluída e
intricada. Por conseguinte, também uma fragmentação das fronteiras
enquanto consequência da globalização planetária, ao mesmo tempo em que há
países dilacerados por guerras civis, racismo, catástrofes naturais, crises
econômicas, fomes coletivas, terrorismo, entre outras causas, as quais levam
milhares de pessoas a migrarem rumo à busca por sobrevivência e dignidade.
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Dentro desse contexto, novas e diferentes formas de vidas se encontram
e se misturam, buscando pela afirmação das identidades particulares, cujas
reivindicações se traduzem em luta por reconhecimento e inclusão social. As
diásporas ocorrem tanto ao norte quanto ao sul global, no continente Europeu,
Africano e também na América Latina.
Para tanto, o presente estudo propõe uma análise que está dividida em três
sessões: a primeira sessão aborda as questões que envolvem o contexto
migratório e a formação de novas identidades; a segunda sessão analisa a
cidadania a partir de seu conceito clássico e seu desenvolvimento nacional e, na
terceira e última sessão, aborda-se o colapso da perspectiva clássica e a
possibilidade de uma cidadania pós-nacional.
1. O CONTEXTO MIGRATÓRIO E A FORMAÇÃO DE NOVAS
IDENTIDADES
Neste início da segunda década do século XXI, assiste-se a uma das
maiores, senão a maior, crise humanitária experimentada pelo homem desde os
derradeiros campos de concentração nazistas da Segunda Guerra Mundial no
século XX. Os deslocamentos migratórios ocorridos na Europa e na América do
Norte e Latina, têm demonstrado o pavor pelo qual passam milhões de
refugiados, cuja sorte passa a ser tentada em rumo a terras desconhecidas, em
busca de alimentos, segurança, paz e, em sendo possível, um pouco de dignidade.
O fenômeno migratório não é novo, tampouco uma invenção do século
XXI, já estando presente nas narrativas bíblicas como a busca pela terra
prometida, passando pela fuga do povo de Deus do Egito, ao início da
modernidade, ainda que neste último período deslocado e não tão freqüente.
Nesse sentido, enquanto o fenômeno aumenta em tamanho proporcional ao da
crise humanitária que ele gera, poucas, pouquíssimas soluções são apresentadas
pelas potências desenvolvidas do globo, existindo, ao contrário, discursos de ódio
ao lado de promessas e de ações reais da construção de muros a fim de impedir
a chegada dos migrantes indesejados as suas portas.
Conforme destaca Bento (2009, p.77), e evolução do conceito de cidadania
ocorreu a partir de lutas por reconhecimento e autonomia frente à necessidade
de igualdade de participação dos diferentes grupos de interesse, classe e
movimentos sociais, contra estratificação e exclusão. A partir do momento em
que o Estado nacional passou a se comprometer com o aumento dos níveis
salariais e com a garantia dos direitos sociais aos seus cidadãos, acabou gerando

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