Prefácio. Um gosto de literatura maldita: as entranhas das organizações financeiras internacionais

AuthorMichelle Ratton Sanchez Badin
Pages11-17

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Prefácio

Um gosto de literatura maldita: as entranhas das organizações financeiras internacionais

Se me olho no espelho, sinto-me parecido comigo.

Se me olho por dentro, não me reconheço.

Giacomo Balla, sobre seu autorretrato

Estudar e analisar as entranhas de uma organização internacional no campo da ciência política, do direito, da economia política ou das relações internacionais é certamente um tabu, dado que essas análises afrontam a principal autoridade sob a qual se baseiam essas disciplinas: os Estados. Por essa razão situo um estudo com tal objetivo próximo à literatura dos poetas malditos. A comparação vem do fato de ser um campo marginalizado pela literatura dominante, ao tratar dos temas tabus. Estimo que isso ocorra porque são estudos que anunciam fantasmas reais sobre o impacto da organização social e do trabalho cotidiano das organizações internacionais, que relativizam o papel dos Estados e de sua diplomacia no funcionamento das organizações internacionais e suas atividades. Feliciano de Sá Guimarães dá, assim, um passo ousado no meio acadêmico contemporâneo, e, a partir daqui, já se inicia uma importante contribuição para a literatura especializada nacional.

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Os burocratas das organizações financeiras internacionais

Ademais, reforço a contribuição do livro pela carência de material sobre o assunto no Brasil. Ainda que instituições sexagenárias, o grupo do Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI) sejam muito pouco analisados e estudados no país. O viés ideológico presente no trabalho dessas organizações – que, em alguma medida, afetaram os caminhos trilhados nas opções de políticas de desenvolvimento do Brasil – ocupa parte significativa da produção nacional, seja por associação às ideias, seja pelo movimento oposto, que é o da crítica. Este livro ajuda-nos, portanto, a inaugurar uma nova frente de análise no Brasil ao privilegiar outros elementos no funcionamento dessas organizações, sobretudo com o enfoque na relevância do perfil técnico e profissional do staff das instituições do grupo do Banco Mundial e do FMI.

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Desde sua criação em Bretton Woods, as organizações financeiras internacionais passaram a compor um locus específico de acontecimentos, negociações, processos de regulação e composição de uma cultura institucional. Pontuo três perguntas que orientam algumas das principais reflexões sobre esse processo: quais são os elementos que podem favorecer a institucionalidade e a eventual autonomia de uma organização inter-nacional? Como se traduz essa autonomia no ambiente internacional? Quais são os efeitos disso?

Se abordamos a autonomia sob a perspectiva da autonomia burocrática, foco deste livro, definida pelo autor nas situações em que a “burocracia faz valer sua agenda política e transforma a policy de seu interesse em uma realidade custosa para os políticos reverterem”, entre os elementos que podem favorecê-la estão: as relações de poder entre seus membros e como ocupam esse espaço para exercê-las; as formas de financiamento dessas organizações e suas limitações econômicas; as estruturas organizacionais e operacionais, bem como as regulamentações que asseguram a estabilidade de determinados mecanismos de funcionamento da instituição. Feliciano optou pela análise comparativa entre o Banco Mundial e o FMI

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Prefácio

e focou as estruturas organizacionais e operacionais das organizações para aferir o grau de autonomia burocrática e o que a promove. A partir de um diálogo direto com a literatura dominante sobre a...

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