O FMI e o controle dos principals

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Capítulo 5

O FMI e o controle dos principals

Neste capítulo argumentamos que o FMI é uma OI mais controlada pelos principals, notadamente pelos EUA, do que o Banco Mundial. Isso não significa dizer que o Senior Management e os burocratas não buscam aumentar a autonomia da organização, mas sim que a existência de um consenso ideológico interno e a decorrente falta de alianças com ONGs dificultam a construção de uma organização mais autônoma. Veremos que este consenso e ausência de alianças com o terceiro setor são resultado do controle dos principals sobre o processo seletivo (screening) do Senior Management e dos burocratas. O capítulo é dividido em três partes. A primeira trata da estrutura do FMI e dá ênfase ao papel da alta hierarquia e dos principals no processo decisório. Discorre também sobre a composição do Senior Management e como os principals mantêm cuidadoso controle sobre as escolhas para os cargos-chave deste nível hierárquico. A segunda trata da composição do corpo burocrático e da inércia ideológica criada na organização a partir dos anos 1980. Nesta parte mostramos como o processo seletivo do fundo manteve-se rígido e restritivo, não diversificando a expertise de seus quadros burocráticos. Por fim, a terceira seção mostra que nos processos de renovação das cotas do FMI no Congresso dos EUA as ONGs tiveram participação tímida ou crítica em relação ao fundo, bastante diferente daquilo observado no caso do Banco Mundial depois da administração Wolfensohn.

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Os burocratas das organizações financeiras internacionais

A estrutura do FMI: principals e Senior Management

Os Articles of agreement firmados em 1944 no resort de Bretton Woods, New Hampshire, estabeleceram que o FMI tivesse a responsabilidade de restaurar a estabilidade econômica de países que sofrem com crises macroeconômicas e que não conseguem solucioná-las por meio de empréstimos regulares nos mercados privados. Esta missão é a mesma quase 70 anos depois. O fundo tem duas finalidades básicas: (a) monitorar a economia dos países-membros (surveillance operations), notadamente as taxas de câmbio e a balança de pagamentos; e (b) agir como emprestador internacional para países em crise (lending operations) (Mosley, 2002:598).

No entanto, ambas as finalidades são vagas o suficiente ao ponto de os Articles of agreement sofrerem emendas ao longo dos anos como forma de adaptar a organização à realidade mutante do sistema financeiro global. O sistema criado em 1944 era regido por dois pilares estabelecidos na conferência de Bretton Woods: a convertibilidade do dólar em ouro, as taxas de câmbio fixas e o controle de capitais (De Vries, 1986:73; Eichengreen, 1996:93-94). Assim, nos anos 1950 e 1960 o organismo era responsável por atenuar as crises na balança de pagamentos dentro dos limites do padrão-ouro, principalmente entre os países da Europa Ocidental e os EUA. Contudo, o FMI poucas vezes desempenhou este papel junto aos países ricos. Embora os primeiros empréstimos tenham sido direcionados para os países desenvolvidos, pelo menos desde 1954 — com um empréstimo ao Peru — o fundo se especializou em emprestar aos países em desenvolvimento e pobres (Vreeland, 2007:9-10). Após o fim do padrão-ouro em 1971-1973 o FMI se concentrou em problemas relacionados às crises da dívida externa dos países em desenvolvimento. O novo objetivo era administrar um regime cambial mais flexível e instável que nascia com o fim da paridade (Boughton, 2001:1-2; Eichengreen, 1996:139-145). A organização mudou seu foco de regulação monetária internacional para administração das crises da balança de pagamentos, com base em programas orientados à abertura das economias em crise aos mercados privados (Vreeland, 2003:2-3). Já nos anos 1980 e 1990 a organização

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direcionou seus esforços para a liberalização dos controles de capitais e para as reformas estruturais liberalizantes dos países em desenvolvimento, inclusive com reformas microeconômicas. Nesse período, o FMI começou a exigir que países receptores de recursos implementassem uma série de condições inseridas nas LOIs (letters of intent) dos empréstimos — as chamadas condicionalidades (Vreeland, 2007:3-9; Helleiner, 1994:146-156).312É importante notarmos que em todas estas fases houve emendas aos Articles of agreement sempre no intuito de atualizar os mecanismos de ajuda da organização às novas crises financeiras que ocorriam.313A atual assistência financeira do fundo tem dois componentes — o financiamento e a condicionalidade — que dão conta dos aspectos fundamentais dos problemas macroeconômicos. O acesso dos países à assistência financeira é condicionado à adoção de objetivos de política macroeconômica negociados entre o país receptor e o staff da organização. Estas condicionalidades geralmente tomam a forma de critérios de desempenho (inflação, gastos públicos etc.) e policies benchmark (reforma fiscal e privatização). O objetivo é exatamente aliviar as dificuldades econômicas que levaram à crise da balança de pagamentos (Broz e Hawes, 2006:370; e Przeworski e Vreeland, 2000).314,315 Desse modo, embora haja

312A literatura sobre as condicionalidades e seus impactos no crescimento econômico e na soberania dos países é imensa. As condicionalidades parecem ser o tema mais controverso do FMI. Um importante trabalho e comumente citado é a coletânea de artigos organizada por John Willianson (1983). Outros trabalhos importantes são: Bird (1995); Vreeland (2003 e 2007); Przeworski e Vreeland (2000); Gould (2003a e 2003b); Polack (1991); Babb e Buria (2004) e Gold (1970).

313As emendas ocorreram em 1969, 1978 e 1992. Ver “IMF 2009 Articles of agreement of the IMF”. Disponível em: . Acesso em: jul. 2009.

314As condicionalidades somente foram inseridas nos Articles of agreement na emenda de 1968 e ainda assim de maneira não muito clara. A emenda era “The Fund shall adopt policies on the use of its resources that will assist members so solve their balance of payments problems”. Ver “IMF1968 Annual report”, p. 155.

315A literatura indica que as condicionalidades são uma forma de lidar com problemas de moral hazard introduzidos pela existência de um emprestador de última instância (lender of last resort) (Bird, 1995; Fischer, 1999). Se os países sabem que podem conseguir empréstimos toda vez que tenham problemas financeiros há poucos incentivos para que eles evitem novas crises no futuro. Assim, o FMI faz um empréstimo porque acredita que o país em questão teve políticas macroeconômicas mal formuladas e que, portanto, precisa adotar as condicionalidades inseridas no acordo. Vreeland (2003:9).

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critérios gerais básicos para as condicionalidades, o fundo pode adotar os mais diversos graus e índices para a aplicação destes mecanismos de controle macroeconômico, o que abre à burocracia espaço para certa discricionariedade.

A estrutura de decisão do FMI é razoavelmente a mesma desde sua fundação. Não houve nesta organização o mesmo processo de irradiação intrainstitucional que houve no Banco Mundial com a criação de IBRD, IDA etc. A instância máxima do FMI é o Board of Governors, composto pelos ministros de finanças dos países-membros. Na prática, esta instância se reúne poucas vezes por ano e delibera sobre os temas mais gerais da organização, tais como a porcentagem dos votos dos membros. A segunda instância de decisão e a mais importante para o dia a dia da organização é o Executive Board.

No entanto, desde 1999 existe uma estrutura intermediária entre o Board of Governors e o Executive Board que não existe no Banco Mun-dial. Trata-se do International Monetary Fund Committee (IMFC). O IMFC é composto por 24 dos 185 governadores do fundo e sua composição corresponde às 24 cadeiras de diretores do Executive Board. O IMFC foi criado por resolução em 1999 para substituir o antigo Interim Committe, criado em 1974 após a crise resultante do fim da paridade ouro-dólar.316O IMFC serve para auxiliar o Board of Governors em suas deliberações. As reuniões do órgão acontecem apenas duas vezes ao ano e antecedem os Annual Meetings.317,318 No entanto, dado o caráter extraordinário das reuniões do Board of Governors e do IMFC, o cotidiano da organização é comandado efetivamente pelo Executive Board e pelo Senior Management. A figura 5 mostra o esquema de governança atual do fundo:

316Sobre o Interim Committee e as circunstâncias de sua criação, ver De Vries (1986:158-168).

317Os atuais membros do IMFC são: Egito (Presidência), Argélia, Argentina, Bélgica, Brasil, Canadá, China, França, Gabão, Alemanha, Índia, Indonésia, Itália, Japão, Coreia, Países Baixos, Rússia, Arábia Saudita, África do Sul, Espanha, Suécia, Suíça, Emirados Árabes, Reino Unido e EUA. Ver “IMF 2009 IMFC Definition”. Disponível em: . Acesso em: jul. 2009.

318Em artigo na Folha de S.Paulo o atual representante do Brasil no FMI, Paulo Nogueira Batista Jr., descreve o poder de agenda do IMFC. Ver “Faca de dois legumes”, FSP, 7-5-2009.

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Figura 5

Esquema de governança do FMI

Board of Governors

Advises informally

Delegates power to

Representation

Representation

G-7 G-20 G-24

Advises

Informally provides guidance to

Representation

IMFC

Advises informally

Advises informally

Executive Board

Formally selects, oversees, reviews decisions of

Chairs

Conducts surveillance

Appoint or elect

Country authorities

Surveillance discussions UFR, policy advice, technical assistance provision

Managing Director

Informs, advises,

reports to Appoints/dismisses manages

Sta~

Fonte: “IMF 2008 IEO — Governance of the IMF — an evaluation”, p. 3.

O Executive Board é composto por cinco diretores indicados (EUA, Reino Unido, França, Alemanha e Japão) e outros 19 eleitos por grupo de países. O que define a...

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