A diversificação da expertise do Banco Mundial

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Capítulo 3

A diversificação da expertise do Banco Mundial

In framing a government to be administered by men over men, the great difficulty lies in this: you must enable the government to control the governed; and in the next place oblige it to control itself.

James Madison, Federalist papers, 51

Neste capítulo demonstramos como o Banco Mundial realizou reformas importantes nos anos 1980 e 1990 que abriram a organização para a sociedade civil organizada. Foi a partir dos impactos das reformas em torno do Strategic Compact que a organização pôde galgar níveis mais altos de autonomia burocrática. O capítulo é dividido em três partes. A primeira parte trata da estrutura do Banco Mundial. Especifica a força da alta hierarquia e o papel dos principals no processo decisório. A segunda trata da recomposição do corpo burocrático e as reformas promovidas pela alta hierarquia que permitiram a diversificação da expertise. Por fim, a terceira parte discorre sobre a formação das comunidades epistêmicas da área ambiental e social dentro da organização, fundamentais para a formação de alianças com ONGs.

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Os burocratas das organizações financeiras internacionais

A estrutura do Banco Mundial: alta hierarquia e principals

Fundado em 1944 no resort de inverno em Bretton Woods, EUA, em meio aos sentimentos de reconstrução da Europa do pós-guerra, o Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (Bird) mudou de foco e aumentou de tamanho com o tempo. Da participação discreta na reconstrução do Velho Continente, a organização passou a entoar um slogan ambicioso nas últimas décadas: “Our dream is a world free of poverty”. Originalmente desenhada para investir em projetos físicos, tais como pontes, estradas e represas, atualmente a organização tem uma ampla agenda que vai de assistência técnica em infraestrutura, desenvolvimento rural, desenvolvimento sustentado, educação e saúde a ajustes institucionais para países com problemas macroeconômicos. Mais recentemente o banco tem promovido temas como a boa governança, o crescimento do setor privado, o desenvolvimento institucional, a reconstrução de áreas de conflito e o empoderamento dos pobres (Kapur et al., 1997:7-49; Weaver, 2008:44-45).

Quando abriu para os negócios em 1946 o Bird tinha apenas 72 funcionários e um orçamento administrativo — recursos utilizados para a manutenção do corpo burocrático — de US$ 21,8 milhões, com apenas uma operação de crédito realizada em 1948 de US$ 300 milhões. Os valores se tornaram relevantes a partir dos anos 1960 e não pararam mais de crescer. Em 1962 o banco operava US$ 1,1 bilhão de orçamento administrativo e 47 operações de crédito com US$ 1,1 bilhão empenhado. Em 2000 os gastos administrativos já eram da ordem de US$ 1,4 bilhão, com 290 operações de crédito e US$ 27,5 bilhões emprestados.96Em 2006 o World Bank Group representava uma organização multilateral com 187 países-membros e um portfólio acumulado de empréstimos na casa dos US$ 600 bilhões.97O corpo burocrático se expandiu na medida em que novas atribuições e responsabilidades foram

96Valores em dólares americanos correntes e anualizados. Ver “WB 2001 planning on change: world bank strategy and resource management FY2000”, p. 37

97Ver “WB 2006 World Bank annual report”.

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criadas. De pouco mais de 100 funcionários nos anos 1940 para 1.500 no início da era McNamara (1968-1981), chegando aos anos Zoellick (2007-presente) com 8.500.98,99

Do final dos anos 1940 até meados dos anos 1960 a organização era pequena e centralizada nas mãos do presidente. A produtividade era considerada baixa (relação nº de staff e operações de crédito) e os impactos dos empréstimos, duvidosos. O período de inflexão só ocorreu nos anos McNamara (1967-1981). A expansão da organização imprimida pelo ex-presidente da Ford Motors foi considerável. Nos últimos quatro anos de sua presidência, comparada aos quatro anos anteriores a sua chegada, os empréstimos do banco aumentaram três vezes em termos reais, o staff, quatro vezes, e o orçamento, 3,5 vezes. Diversos escritórios regionais foram abertos nos países tomadores de empréstimos, dando início a um contato mais direto com os governos locais. Além disso, McNamara iniciou a capitalização da organização nos mercados financeiros por meio da emissão dos bonds. No entanto, a literatura aponta como seu principal legado a expansão do departamento de pesquisa, hoje chamado de Development Economics Department (DEC) e dirigido pelo economista-chefe. Este departamento é o responsável pela transformação da organização em um poderoso think tank em temas econômicos e de desenvolvimento.100Atualmente, o DEC tem

98Sobre a evolução do tamanho da organização, ver “WB 2001 Planning on Change: World Bank strategy and resources management FY2000 e WB 2008 World Bank annual report”, p. 61.

99Acreditamos que o fato de uma organização ter grande número de funcionários não se traduz automaticamente em autonomia. Ao contrário de Vaubel (1996), acreditamos que o grande número de funcionários é mais resultado da autonomia burocrática do que causa dela.

100A figura do economista-chefe do departamento de pesquisa somente foi criada nos anos 1970 por McNamara. Os economistas-chefes deveriam ser “os melhores das melhores universidades” segundo o próprio presidente. O histórico dos economistas é o seguinte: Hollis B. Chenery (PhD Harvard — 1972-1982), Anne Osborn Krueger (PhD University of Wisconsin-Madison — 1982-1986), Stanley Fischer (PhD MIT — 1988-1990), Lawrence Summers (PhD Harvard — 1991-1993), Michael Bruno (PhD Stanford — 1993-1996), Joseph E. Stiglitz (PhD MIT — 1997-2000), Nicholas Stern (PhD Oxford — 2000-2003), François Bourguignon (PhD University of Orleans, França — 2003-2007) e Justin Yifu Lin (PhD University of Chicago — 2008-presente). Disponível em: . Acesso em: jun. 2009.

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um orçamento de US$ 100 milhões voltado exclusivamente à pesquisa, maior que qualquer centro de pesquisa ou universidade.101McNamara criou também o Operations Evaluation Department, hoje chamado de Independent Evaluation Group. O órgão é financeiramente independente da Presidência e do Executive Board. Seu papel é fiscalizar as atividades do banco e propor soluções. Recentemente, o órgão tem crescido em importância dada a premência dos temas da transparência institucional e da anticorrupção.102Outro ponto relevante promovido por McNamara foi a mudança de foco da organização. De um banco centrado em projetos pontuais de desenvolvimento físico, a organização passou a focar seus esforços em redução da pobreza (poverty alleviation) em suas mais diversas manifestações. Desde então a organização multiplicou objetivos e conhecimentos.103O atual Banco Mundial não é uma única organização internacional. O banco é um caso típico de irradiação, ou seja, uma OI que cria novas OIs.104Com o passar do tempo a organização se dividiu em

101Em entrevista, um diretor do departamento econômico do Banco Mundial afirmou que não há nenhuma universidade ou instituto de pesquisa no mundo com tantos pesquisadores dedicados exclusivamente às questões do desenvolvimento (Entrevista realizada em 12-5-2009). No entanto, há controvérsias na literatura a respeito da capacidade real de o Banco Mundial gerar conhecimento próprio nos temas econômicos. Alguns autores argumentam que o banco é mais um operacionalizador de conceitos e teorias originadas na universidade do que exatamente um inovador (Easterly, 2001). Outros avaliam a produção científica do Banco Mundial como de alta qualidade (“WB 2005 Banerjee et al., An evaluation of World Bank research”).

102Sobre o tema da transparência institucional do banco, ver Woods (2001). Sobre a agenda anticorrupção, ver Weaver (2008).

103Kapur et al. (1997:16-21); Weaver (2008:66 e 72); “WB 2001 planning on change: World Bank strategy and resources management FY2000”, p. 11-13.

104Segundo Shanks e colaboradores (1996:599-600), a maioria das OIs não é criada exclusivamente pelos Estados. Na verdade, aquelas OIs criadas por meio de um tratado internacional tradicional são minoria desde o fim da II Guerra. Atualmente, a maioria das OIs é criada por outras OIs. Isto é, as novas organizações são fruto das decisões dos Estados representados dentro dos mecanismos de decisão de outra OI. Este fenômeno é chamado pela literatura de irradiação (emanation). Para os autores, as irradiações trazem consequências para os Estados. Primeiro, o fato de a nova OI ser resultado da decisão coletiva significa que os Estados mais poderosos tiveram menos influência no processo de criação se comparado à criação de organizações por meios tradicionais. Segundo, embora a decisão pela criação de uma nova OI seja oriunda das deliberações de Estados

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cinco instituições internas: IBRD, IDA, IFC, Miga e ICSD. A mais antiga instituição e origem da organização é o International Bank for Reconstruction and Development (IBRD). Inicialmente voltado a investimentos no continente europeu, atualmente o IBRD financia projetos de desenvolvimento em países de renda per capita média. É a maior instituição em termos financeiros, com um orçamento total para o ano fiscal de 2006 (FY2006) de US$ 14,1 bilhões e um acumulado de empréstimos na ordem de US$ 420 bilhões. A segunda instituição em recursos é a International Development Association (IDA). Criada em 1960, a instituição visa financiar projetos nos 79 países mais pobres do planeta. Seu orçamento é US$ 9,5 bilhões (FY2006) e um acumulado de empréstimos ronda a casa de US$ 170 bilhões. A terceira instituição é o International Finance Corporation (IFC). Constituído em 1956 para ampliar e fortalecer a iniciativa privada e os investimentos estrangeiros nos países em desenvolvimento, o IFC tem um orçamento bem menor...

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