A aliança do Banco Mundial com as ONGs

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Capítulo 4

A aliança do Banco Mundial com as ONGs

[…] functional interests make for secrecy. The concept of “official secret” is the specific invention of bureaucracy, and nothing is so fantically defended by bureaucracy as this attitude, which cannot be substantially justified beyond these specifically qualifies areas […] Bureaucracy naturally welcomes a poorly informed and hence powerless parliament.

Gerth e Mills (1946:233-234)

Conforme apontamos no capítulo 3, o Banco Mundial tem uma estrutura tripartite. Primeiro, existe o Executive Board. Neste órgão os países buscam controlar a burocracia e ver os empréstimos de seu interesse ser aprovados. Como se trata de um proximate principal coletivo, suas decisões dependem da anuência total. A regra informal de votação por consenso fortalece essa característica. Esta necessidade constante de consenso dificulta o controle sobre os burocratas porque os mecanismos precisam da anuência total para acontecer, sem contar a alta rotatividade dos membros e a extrema complexidade técnica das questões. Segundo, há o Senior Management. A alta hierarquia tem considerável poder de agenda no

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Os burocratas das organizações financeiras internacionais

Executive Board e controla o corpo burocrático médio. Como veremos, é o ator mais relevante para a manipulação das policies de seu interesse. Assim, controlar o Senior Management acaba sendo a questão central para os países desenvolvidos. No entanto, este controle é menos forte no Banco Mundial se comparado ao FMI. Terceiro, existe o enorme corpo burocrático da organização. Os burocratas pressionam por suas policies e interesses. A baixa hierarquia controla o ciclo dos empréstimos e gera as informações necessárias para convencer os diretores executivos dos países a aprovarem policies de seu interesse. Como veremos, a aliança entre Senior Management, burocracia e sociedade civil organizada fragiliza o Executive Board do Banco Mundial no processo de controle da organização.

O capítulo é dividido em duas partes. Na primeira mostramos como se deu a consolidação dos processos de participação institucional da sociedade civil organizada no banco. Como veremos, dois mecanismos são fundamentais nesse sentido: o Country Ownership implementado pelo CDF e as reuniões periódicas de ONGs com o Senior Management nos Annual Meetings da organização. Na segunda parte tratamos da criação de alianças com ONGs por meio da estratégia de bumerangue modificada. Buscamos demonstrar como esta estratégia pode ter aumentado os custos de intervenção dos principals nas decisões em torno de policies de interesse da burocracia.

A consolidação da parceria burocracia-ONGs: Country Ownership e Annual Meetings

A aliança burocracia-ONGs se consolidou por meio de dois mecanismos de consulta ao terceiro setor: o Country Ownership e os Annual Meetings. Como vimos no capítulo anterior, a aproximação do banco com ONGs não foi resultado de uma estratégia que teve início nas ações da liderança burocrática. Pelo contrário, o Senior Management respondeu às pressões externas por mudanças, vindas principalmente do Congresso dos EUA. Também observamos que a resposta da liderança burocrática a estas pressões não foi apenas o lançamento do Strategic compact e sua tentativa de

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revolução conceitual do banco, mas também uma reorganização da maneira de formular os projetos, incluindo definitivamente as ONGs locais em sua concepção e encaminhamento (project level). Mas não apenas isso, o Senior Management abriu o processo decisório de alto nível às ONGs internacionais com reuniões periódicas entre as duas partes nos Annual Meetings da organização. Assim, as ONGs que antes eram críticas ferozes do banco foram chamadas para repensar as estratégias de longo prazo da organização (policy level).184Nesta seção demonstramos como se deram estes dois processos de abertura e seus impactos na formação de alianças com as ONGs.

A participação da sociedade civil organizada nos projetos do banco teve início nos anos 1970. Entre 1973 e 1988 apenas 6% dos projetos tiveram alguma participação de ONGs. Este número aumentou para 20% em 1989 e 50% em 1994, chegando a 74% em 2004.185Atualmente a maioria dos projetos do banco tem alguma forma de participação de ONGs. A participação das ONGs varia de acordo com as distintas fases do ciclo de projetos. Em 1995, pelo menos 78% dos processos de implementação dos projetos e 52% dos processos de formulação tiveram alguma participação de ONGs. Neste mesmo ano, em 15% dos casos as ONGs foram corresponsáveis pela identificação de projetos potenciais.186Desde então o envolvimento das ONGs na concepção e implementação dos projetos somente aumentou. Em 2001, das 264 operações aprovadas pelo Executive

184Segundo relatório do próprio banco, o interesse das ONGs em participar das discussões e encaminhamentos das policies da organização têm três naturezas. Primeiro, o banco é uma fonte de expertise e financiamento na área de desenvolvimento. Segundo, as ONGs buscam utilizar a aliança com o banco para atingir seus objetivos estratégicos, geralmente ligados à causa que defendem. Essa aliança aumenta o impacto de suas plataformas políticas. Terceiro, algumas ONGs buscam mudar as policies do banco, por acreditarem que seu direcionamento está equivocado. Este seria o caso das ONGs ambientais. Ver “WB 1996 NGO’s and the World Bank: incorporating FY95 Progress report on cooperation between the World Bank and NGO’s”, p. 3.

185Ver “WB 1996 NGO’s and the World Bank: incorporating FY95 progress report on cooperation between the World Bank and NGO’s”, p. 13; “WB 2004 World Bank-civil society engagement FY2002-FY2004”, p. 17.

186Como há várias ONGs participando do mesmo projeto, ocorre sobreposição das porcentagens de participação. Ver “WB 1996 NGO’s and the World Bank: incorporating FY95 progress report on cooperation between the World Bank and NGO’s”, p. iii.

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Board, pelo menos 64% (168 projetos) tiveram participação de ONGs em alguma fase. Destes 168 casos, pelo menos 89% tiveram ONGs na sua identificação, preparação e avaliação. Outros 84% na implementação e 47% no monitoramento.187,188 Isso mostra a tendência crescente da participação das ONGs nos ciclos mais importantes dos projetos: a formulação e a implementação. A figura 2 mostra o forte incremento na participação das ONGs locais nos projetos e a figura 3 mostra o ciclo de projetos.

Em 1981 o banco fundou o NGO-World Bank Committee. O objetivo do comitê era facilitar o diálogo e a colaboração entre as ONGs e a burocracia. Inicialmente o comitê contava com 14 ONGs de países desenvolvidos e 15 gerentes de áreas, com incorporação paulatina de ONGs de países em desenvolvimento e pobres.189Este grupo se encontrava duas vezes ao ano a fim de produzir recomendações para policies do banco. No entanto, o comitê era fraco e tinha pouca capacidade de influência. Por conta disso, em 1984 as ONGs membros criaram um grupo paralelo chamado de NGO Working Group, cujo objetivo era promover recomendações mais independentes e também mais críticas (Covey, 1998:96).190187Ver “WB 2001 World Bank-civil society collaboration — progress report for FY2000 and FY2001”, p. 5.

188Conforme clasificação do próprio banco, existem três tipos de ONGs que atuam nos projetos: as indigenous (ligadas a uma comunidade local atingida por um projeto), as grassroots (ONG local de atuação junto à opinião pública nacional) e as internacionais (ONGs de atuação nos níveis mais altos do Banco Mundial, da mídia internacional e nos Legislativos dos países desenvolvidos). A participação de cada tipo de ONG nos projetos varia bastante. Em 1995, dos 100 projetos (total de 297) que envolveram alguma participação do terceiro setor, pelo menos 81% envolveram indigenous ONGs, 42% grassroots ONGs e apenas 18% de ONGs internacionais. Os três grupos também são classificados em dois grandes grupos: as ONGs militantes (que defendem causas) e as operacionais (que distribuem os serviços da organização à população local). Ver “WB 1996 NGO’s and the World Bank: incorporating FY95 progress report on cooperation between the World Bank and NGO’s”, p. 1-2 e 16.

189Em 1986, o NGO Working Group tinha 18 ONGs com concentração de ONGs americanas e europeias, sendo as mais famosas a Oxfam, Care e Cruz Vermelha. Em 1996 este grupo já envolvia
44 ONGs e uma distribuição geográfica mais equânime. Covey (1998:113-115). Na década de 1980 este grupo ainda não incluía ONGs da área ambiental. Wade (1997:657).

190Em 1987 o NGO-Committee ainda era bastante reduzido e tinha pouca influência nos assuntos do banco. Em memorando interno um funcionário mostra a fragilidade do comitê. Cita também todos os funcionários envolvidos na iniciativa — apenas 10. Ver “WB 1987 Office memorandum Bank-NGO”, 9-11-1987, p. 1-2.

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Figura 2

Crescimento da participação da sociedade civil

em projetos do Banco Mundial

. of Projects (total and with CS involvement)

350

300

250

200

150

100

50

80

70

60

50

40

30

20

10

0

Percentages of Total

o

N

01990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001
Fiscal Year

Fonte: “WB 2001 World Bank-civil society collaboration progress report”, p. 5.

Figura 3

Ciclo de projetos

8.

Evaluation

1.

Country Assistance Strategy

7.

Implementation and Completion

2.

Identi~cation

3.

Preparation

6.

Implementation and Supervision

5.

Negotiations and Board Aproval

4.

Appraisal

Fonte: Foch (2008:12).

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No entanto, as ferozes campanhas de ONGs ambientais e sociais contra os projetos de desenvolvimento mencionados no capítulo 3 colocaram em evidência a necessidade de reformas mais...

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