Breves Comentários às Convenções ns. 87 e 98 da Organização Internacional do Trabalho

AuthorCibele Carneiro da Cunha Macedo Santos
ProfessionProfessora assistente da Universidade Federal Fluminense, mestre em direito pela PUC/SP
Pages411-416

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1. Introdução

As Convenções ns. 87 e 98 da organização internacional do trabalho - OIT tratam, especialmente, sobre o direito de sindicalização e da negociação coletiva.

A Convenção de número 87 não foi ratificada pelo brasil em razão da sua incompatibilidade com a Constituição Federal de 1988, que prevê o sistema da unicidade sindical. Ainda assim, é importante comentá-la, pois que versa primordialmente sobre a liberdade sindical, tema intrinsecamente ligado à Convenção n. 98.

Esta, por sua vez, foi ratificada pelo estado brasileiro e entrou em vigor em 18 de novembro de 1952. Trata também de liberdade sindical, em seu aspecto individual, da não intervenção do estado no funcionamento dos sindicatos, da negociação coletiva e do direito de sindicalização dos servidores públicos e das forças armadas.

Percebemos que o núcleo dessas Convenções internacionais é o ser coletivo, ou seja, o sindicato e sua importância para a democratização e humanização das relações de trabalho.

Os sindicatos foram formados como autêntica associação de trabalhadores que buscavam melhores condições de trabalho e uma forma de resguardar seus interesses. Essas associações surgiram praticamente de forma simultânea à figura do trabalho livre e subordinado. Era necessário se organizar para regulamentar essa nova forma de prestação de serviços em um momento histórico em que vigorava o liberalismo, sistema segundo o qual o estado deveria se abster de qualquer interferência na contratação da mão de obra. Isso em nome de uma liberdade conferida aos particulares, que, no entanto, acabava por favorecer uma forma desumana de exploração do trabalho pelo capital. Nessa realidade, o ser coletivo aparecia como única saída para melhoria das condições de trabalho.

Esses sujeitos coletivos buscaram atuar perante o estado e os empregadores em busca da melhoria das condições de trabalho, exigindo normas regulamentadoras para proteção dos trabalhadores, como, por exemplo, a limitação do trabalho do menor e da mulher. O estado mantinha-se distante dessas questões, o que favoreceu a ocorrência das revoluções que deram ensejo ao modelo de "estado Social de direito" em substituição ao estado liberal.

O estado Social previa uma repactuação de direitos, que passava, necessariamente, pelo direito laboral. Nesse espaço, a liberdade sindical foi um catalisador para a implementação de direitos individuais trabalhistas. Mantinha-se o reconhecimento à propriedade privada dos meios de proteção e a atividade econômica, mas

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começava-se a estabelecer certos limites para o exercício desses direitos, especialmente no tocante ao direito do trabalho.

A partir de 1917, os direitos sociais começam a aparecer nos textos constitucionais. A primeira experiência se deu com a Constituição do México em 1917 e, na sequência, com a Constituição de Weimar em 1919. A consagração da liberdade sindical é de fundamental importância para a efetivação dos direitos sociais trabalhistas. Vários são os textos internacionais1 que revogaram as proibições às organizações sindicais e, paulatinamente, passaram a prevê-las como direito.

Em 1919, por meio do tratado de versalhes, é criada a OIT, e sua Constituição traz a liberdade sindical como princípio fundamental e condição necessária para a paz e harmonia universal. Prevê a liberdade sindical também como um direito permanente, afinal, os sindicatos representam papel de suma importância entre o estado e os empregadores. A própria OIT tem composição tripartite, qual seja: representante dos estados, dos empregadores e dos trabalhadores.

Em sua atuação, a OIT da ênfase ao tema liberdade sindical, difundindo princípios pelos países membros que devem funcionar como padrão para um sindicalismo democrático. Uma forma de propagar essa ideologia se da pela elaboração, votação e promulgação de Convenções e Recomendações.

Esse texto pretende tratar de duas Convenções da OIT - as Convenções de número 87 e 98 -, que disciplinam o direito à liberdade sindical, além de outras questões correlacionadas a ele, sem esgotar o tema, dada a sua dinamicidade. A liberdade sindical é tão importante para a organização internacional do trabalho, que ela é mencionada também na declaração da OIT sobre Princípios e direitos Fundamentais no trabalho, assinada em 9 de junho de 1998. É um dos instrumentos de luta pela vigência dos outros direitos fundamentais.

2. Convenção 87 - liberdade sindical

A Convenção n. 87, como já mencionado, não foi ratificada pelo brasil. Ela trata especialmente da liberdade Sindical. Segundo amauri Mascaro nascimento2, ressaltam-se quatro garantias sindicais universais que proclama: as de fundar sindicatos; administrar sindicatos; garantir a atuação dos sindicatos; e a de assegurar o direito e se filiar ou não a um sindicato.

Quando falamos da liberdade para criar sindicatos, precisamos lembrar que esse ser coletivo é uma espécie de associação e a nossa Constituição Federal, em seu art. 5º, VXII, garante que é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar. Assim, quanto à liberdade para criar sindicato, que decorre desse direito fundamental, não há qualquer incompatibilidade com nosso ordenamento interno. Por outro lado, o art. 2º da Convenção n. 87, não limitou a base territorial mínima para criação dos sindicatos, senão vejamos:

Art. 2º os trabalhadores e empregadores, sem distinção de qualquer espécie, terão o direito de constituir, sem autorização prévia, organizações de sua escolha, bem como o direito de se filiar a essas organizações, sob a única condição de se conformar com os estatutos das mesmas.

Nesse sentido, a Convenção se mostra incompatível com a CF/88, que no seu art. 8º, ii, veda a criação de mais de um sindicato representativo de determinada categoria na base territorial mínima, que é a de um município3.

É que se conhece por unicidade sindical, contrária ao sistema da pluralidade, em que não há essa vedação, ou seja, pode-se criar sindicatos representativos da mesma categoria na mesma base territorial, cabendo ao trabalhador escolher aquele que melhor lhe representa. O tema unicidade sindical não é pacífico. O próprio Comitê de liberdade Sindical reconhece que admitir a intervenção do estado para delimitar a base de atuação do sindicato ofende a liberdade sindical, mas, por outro lado, o fracionamento dos sindicatos pode enfraquecer a sua atuação. A liberdade sindical não deve ser vista em abstrato, mas a partir de um critério funcional, que é o seguinte: defender os interesses dos trabalhadores.

Outro ponto que poderia se mostrar incompatível com a CF/88 é o art. 7º da Convenção internacional, que não admite qualquer exigência de registro para aquisição da personalidade jurídica de sindicatos, federações, confederações, para restringir o disposto no art. 2º, deste texto da OIT, in verbis:

Art. 7º a aquisição da personalidade jurídica por parte das organizações de trabalhadores e de empregadores, suas federações e confederações, não poderá estar sujeita a condições de natureza a restringir a aplicação das disposições dos arts. 2, 3 e...

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