Algumas considerações sobre o Direito à Greve - A propósito das convenções ns. 87 e 98 da OIT.

AuthorJosé João Abrantes
ProfessionProfessor da Faculdade de direito da Universidade nova de lisboa
Pages399-402

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Sumário

Nas convenções ns. 87 e 98 da OIT, relativas à liberdade sindical e à negociação colectiva, a greve apenas é contemplada de forma implícita, reduzida ao âmbito daqueles direitos colectivos dos trabalhadores. Contudo, a greve não é uma mera decorrência do direito à liberdade sindical e o seu âmbito também não se limita à autonomia colectiva; ela não é um meio de pressão apenas exercitável no quadro de um processo de negociação e a sua titularidade não pertence aos sindicatos, como órgãos com capacidade para celebrar convenções colectivas. Por isso, entendemos que, à semelhança do que acontece, por exemplo, com a Carta dos direitos Fundamentais da União europeia (CDFUE) , no seu art. 28, também as convenções da OIT deveriam consagrar tal direito de forma expressa e autônoma.

1. Introdução

Surgido como resultado de uma determinada evolução histórica, o direito laboral possui regras e princípios especiais, afastando-se de certos dogmas contratualistas, de modo a proteger a parte contratual mais débil, e tendo como técnica específica a desigualdade jurídica em favor desse contraente, princípio basilar que se verifica desde logo com a própria determinação colectiva das condições de trabalho1.

O direito do trabalho surge à revelia e mesmo contra o direito civil, tendo-se formado historicamente como um direito de protecção dos trabalhadores assalariados.

Foram as profundas modificações econômicas, sociais e políticas operadas a partir da introdução da máquina a vapor - a concentração operária e as precárias condições de vida e de trabalho, a difusão de doutrinas sociais (desde as ideias socialistas ao chamado "catolicismo social" e a outras) e a crescente organização da luta dos trabalhadores (cujo peso político foi igualmente aumentando, não só com aquelas doutrinas, mas também em face do alargamento do direito de voto, até ao sufrágio universal, e ao aparecimento de partidos de classe) - que conduziram ao intervencionismo estadual e à autonomização de um novo ramo do direito, já que o direito comum dos contratos - o direito civil - se mostrava completamente indiferente à "questão social".2

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Essa autonomização ocorre fundamentalmente a partir da autonomia colectiva3, corrigindo a situação em que o empregador impunha sozinho as suas condições, por exemplo, através do regulamento interno, ao permitir que o sindicato se substitua ao indivíduo isolado na definição dos seus direitos e obrigações por ocasião do trabalho4.

O aspecto primordial de toda a evolução do direito do trabalho, e que o conforma como ramo autónomo da ordem jurídica, assenta precisamente nessa ideia de que um trabalho livre implica o direito de se defender colectivamente e fixar, por essa via, um certo grau de protecção. Subjacente às várias formas de participação que os diversos ordenamentos têm desenvolvido ao longo dos tempos, como, por exemplo, a Mitbestimmung alemã ou o collective agreement inglês - e o mesmo se diga da greve, o meio de participação mais elementar, sempre que os outros falhem-, está sempre uma ideia de procura de influência das condições laborais através da representação colectiva, normalmente sindical.

A situação dos trabalhadores subordinados levou à criação de instrumentos específicos de protecção. A liberdade sindical, a autonomia colectiva e a greve são direitos que, na sua estrutura, só em parte coincidem com as liberdades clássicas. Esses direitos colectivos, permitindo aos trabalhadores compensar a sua fraqueza relativamente à empresa, são, ao cabo e ao resto, condição necessária para a afirmação e o funcionamento de todas as outras suas liberdades.

Se a necessidade de ser salvaguardada a liberdade dos trabalhadores é hoje ponto assente, na linha lógica de todo o desenvolvimento precedente do direito do trabalho, não é por acaso que a maioria das Constituições dá uma particular atenção a tais direitos colectivos.

2. Entre esses direitos, encontra-se a greve

No estado democrático contemporâneo, a igual-dade social é reconhecida como o núcleo central orientador das políticas públicas e da acção colectiva, as quais devem ser tendencialmente dirigidas para a consecução de um maior nivelamento social. O sindicalismo representa precisamente o eixo em torno do qual se articula a regulação das condições de trabalho e de vida da maioria dos trabalhadores. A greve, por seu turno, é um seu instrumento privilegiado.

A dimensão social do estado implica, de facto, o reconhecimento das desigualdades sociais e dos meios e instrumentos necessários à sua remoção ou, pelo menos, atenuação. A ordem pública social caracteriza-se pelo reconhecimento, por um lado, da desigualdade econômica e social entre as partes da relação de trabalho e, por outro, dos conflitos colectivos entre trabalhadores e empregadores e dos meios de acção colectiva dos trabalhadores tendentes a influenciar a determinação das condições de trabalho.

Reito do trabalho (Da autonomia dogmática do direito do trabalho, Coimbra, 2001) . P. 965 ss., identifica três princípios gerais deste ramo do direito, a que chama o princípio da compensação (compreendendo-se nele, segundo a referida professora, os sub-princípios da protecção do trabalhador e da salvaguarda dos interesses de gestão do empregador) , o princípio do colectivo e o princípio da autotutela laboral (concretizado em duas vertentes, o poder disciplinar e o direito de greve) .

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a fórmula do estado de direito democrático significa que, para além dos direitos, liberdades e garantias pessoais e de participação política, fazem igualmente parte substancial do sistema político os direitos dos trabalhadores e os direitos sociais em geral, como a liberdade sindical, a negociação colectiva, a greve e a informação e consulta dos trabalhadores, os quais estão no...

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