Convenção n. 155 da OIT sobre Saúde do Trabalhador

AuthorSebastião Geraldo de Oliveira
ProfessionDesembargador do tRt da 3ª Região. Mestre em direito pela UFMg. autor de livros e artigos nas áreas de acidente do trabalho, saúde do trabalhador e meio ambiente do trabalho.
Pages233-240

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1. Considerações iniciais sobre as convenções da OIT

Antes de analisar o conteúdo da Convenção n. 155 da OIT, cabe esboçar uma rápida noção a respeito desse instrumento normativo e sua eficácia jurídica no brasil.

A OIT realiza conferência anual com a participação de quatro delegados de cada estado-Membro, sendo dois representantes do governo, um dos empregados e outro dos empregadores, reunidos em assembleia geral. Nessas assembleias são votadas as convenções e as recomendações.

As convenções aprovadas pela OIT devem ser apresentadas ao órgão competente de cada estado-Membro para fins de apreciação, sendo que, no caso do brasil, essa competência é exclusiva do Congresso nacional1. Se for ratificada, a Convenção adquire força normativa e passa a integrar o direito positivo do estado-Membro.

Já as Recomendações da OIT indicam as normas desejáveis, sobre as quais ainda não foi obtido consenso para serem incorporadas nas convenções, mas servem de paradigma para o progresso normativo dos estados-Membros. Podem servir também como regulamento da Convenção adotada, descrevendo com maior riqueza de detalhes as normas estipuladas.

Nota-se atualmente uma firme tendência de conferir maior prestígio às normas internacionais sobre direitos e garantias fundamentais do ser humano, o que reforça a importância das Convenções da OIT, especialmente daquelas ratificadas pelo brasil. Já em 1988, a Constituição introduziu o dispositivo do art. 5º, § 2º, que prevê: "os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do brasil seja parte." desde então, como defende Flávia Piovesan, ainda que estes direitos não sejam enunciados sob a forma de normas constitucionais, a Constituição lhes confere valor jurídico de norma constitucional, já que preenchem e complementam o catálogo de direitos fundamentais previsto no texto constitucional2.

A emenda Constitucional n. 45/2004, em sintonia com a tendência mencionada, deu um passo significativo

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na valorização dos tratados e convenções internacionais, ao introduzir o § 3º no art. 5º, com o seguinte teor: "os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais".

Diante das mudanças do texto Constitucional, o STF alterou sua jurisprudência em 2008, atribuindo status normativo diferenciado aos tratados e Convenções internacionais ratificados pelo brasil sobre direitos humanos. Durante o julgamento do Re n. 466.343, o Ministro Cezar Peluso, que atuou como relator, asseverou: "eu estava até recentemente algo hesitante em relação à taxinomia dos tratados em face da nossa Constituição, mas estou seguramente convencido, hoje, de que o que a globalização faz e opera em termos de economia, no mundo, a temática dos direitos humanos deve operar no campo jurídico. Os direitos humanos já não são propriedade de alguns países, mas constituem valor fundante de interesse de toda Humanidade". Já o Ministro Gilmar Mendes registrou: "o Supremo tribunal Federal acaba de proferir uma decisão histórica. O brasil adere agora ao entendimento já adotado em diversos países no sentido da supralegalidade dos tratados internacionais sobre direitos humanos na ordem jurídica interna."3

Na linha desse novo entendimento, é oportuno indicar alguns acórdãos do STF, enfatizando o caráter supralegal das Convenções internacionais ratificadas pelo brasil:

"direito processual. Habeas corpus. Prisão civil do depositário infiel. Pacto de São José da costa rica. Alteração de orientação da jurisprudência do STF. Concessão da ordem. 1. A matéria em julgamento neste habeas corpus envolve a temática da (in) admissibilidade da prisão civil do depositário infiel no ordenamento jurídico brasileiro no período posterior ao ingresso do Pacto de São José da Costa Rica no direito nacional. 2. Há o caráter especial do Pacto internacional dos direitos Civis Políticos (art. 11) e da Convenção americana sobre direitos Humanos

- Pacto de San José da Costa Rica (art. 7º, 7) , ratificados, sem reserva, pelo brasil, no ano de 1992. A esses diplomas internacionais sobre direitos humanos é reservado o lugar específico no ordenamento jurídico, estando abaixo da Constituição, porém acima da legislação interna. O status normativo supralegal dos tratados internacionais de direitos humanos subscritos pelo brasil, torna inaplicável a legislação infraconstitucional com ele conflitante, seja ela anterior ou posterior ao ato de ratificação.

  1. Na atualidade a única hipótese de prisão civil, no direito brasileiro, é a do devedor de alimentos. O art. 5º, § 2º, da Carta Magna, expressamente estabeleceu que os direitos e garantias expressos no caput do mesmo dispositivo não excluem outros decorrentes do regime dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do brasil seja parte. O Pacto de São José da Costa Rica, entendido como um tratado internacional em matéria de direitos humanos, expressamente, só admite, no seu bojo, a possibilidade de prisão civil do devedor de alimentos e, consequentemente, não admite mais a possibilidade de prisão civil do depositário infiel. 4. Habeas corpus concedido." STF. 2ª turma. HC n. 95.967, Relatora: Min. Ellen gracie, DJ 28 nov. 2008.

    "ementa: habeas corpus. Salvo-conduto. Prisão civil. Depositário judicial. Dívida de caráter não alimentar. Impossibilidade. Ordem concedida.

  2. O Plenário do Supremo tribunal Federal firmou a orientação de que só é possível a prisão civil do "responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia" (inciso LXVII do art. 5º da CF/88) . Precedentes: HCS ns. 87.585 e 92.566, da relatoria do ministro Marco aurélio. 2. A norma que se extrai do inciso LXVII do art. 5º da Constituição Federal é de eficácia restringível. Pelo que as duas exceções nela contidas podem ser aportadas por lei, quebrantando, assim, a força protetora da proibição, como regra geral, da prisão civil por dívida. 3. O Pacto de San José da Costa Rica (ratificado pelo brasil - decreto n. 678 de 6 de novembro de 1992) , para valer como norma jurídica interna do brasil, há de ter como fundamento de validade o § 2º do art. 5º da Magna Carta. A se contrapor, então, a qualquer norma ordinária originariamente brasileira que preveja a prisão civil por dívida. Noutros termos: o Pacto de San José da Costa Rica, passando a ter como fundamento de validade o § 2º do art. 5º da CF/1988, prevalece como norma supralegal em nossa ordem jurídica interna e, assim, proíbe a prisão civil por dívida. Não é norma constitucional - à falta do rito exigido pelo § 3º do art. 5º -, mas a sua hierarquia intermediária de norma supralegal autoriza afastar regra ordinária brasileira que possibilite a prisão civil por dívida. 4. No caso, o paciente corre o risco de ver contra si expedido mandado prisional por se encontrar na situação de infiel depositário judicial. 5. Ordem concedida." STF. 1ª turma. HC n. 94.013, Rel. Ministro Carlos britto, DJ 13 mar. 2009.

    "ementa: ‘Habeas corpus’ - Prisão civil - depositário judicial - a questão da infidelidade depositária - Convenção americana de direitos humanos (art. 7º, n. 7) - natureza constitucio-

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    nal ou caráter de supralegalidade dos tratados internacionais de direitos humanos - não mais subsiste, no sistema normativo brasileiro, a prisão civil por infidelidade depositária, independentemente da modalidade de depósito, trate-se de depósito voluntário (convencional) ou cuide-se de depósito necessário, como o é o depósito judicial. Precedentes. Revogação da Súmula n. 619/STF. (...) hermenêutica e direitos humanos: a norma mais favorável como critério que deve reger a interpretação do poder judiciário. - os magistrados e tribunais, no exercício de sua atividade interpretativa, especialmente no âmbito dos tratados internacionais de direitos humanos, devem observar um princípio hermenêutico básico (tal como aquele proclamado no art. 29 da Convenção americana de direitos Humanos) , consistente em atribuir primazia à norma que se revele mais favorável à pessoa humana, em ordem a dispensar-lhe a mais ampla proteção jurídica. - o Poder Judiciário, nesse processo hermenêutico que prestigia o critério da norma mais favorável (que tanto pode ser aquela prevista no tratado internacional como a que se acha positivada no próprio direito interno do estado) , deverá extrair a máxima eficácia das declarações internacionais e das proclamações constitucionais de direitos, como forma de viabilizar o acesso dos indivíduos e dos grupos sociais, notadamente os mais vulneráveis, a sistemas institucionalizados de proteção aos direitos fundamentais da pessoa humana, sob pena de a liberdade, a tolerância e o respeito à alteridade humana tornarem-se palavras vãs. - aplicação, ao caso, do art. 7º, n. 7, c/c o art. 29, ambos da Convenção americana de direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica) : um caso típico de primazia da regra mais favorável à proteção efetiva do ser humano." STF. 2ª turma. HC n. 96.772, Rel. Ministro Celso de Mello, DJ 21 ago. 2009.

    Podemos concluir, portanto, que as Convenções da OIT ratificadas antes da emenda Constitucional n. 45/2004, como é o caso da Convenção n. 155, ostentam no brasil natureza supralegal, pelo que afastam a aplicação de toda legislação ordinária ou complementar com elas conflitantes. Só não podem contrariar a Constituição da República pela sua supremacia sobre todo o ordenamento jurídico nacional. As Convenções ratificadas ocupam na hierarquia...

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