A diplomacia portuguesa e os desafios da modernidade política. As relações luso-espanholas e as percepções nacionais sobre os estados latino-americanos (1808-1848)

AuthorTeresa Nunes
Pages91-114
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A DIPLOMACIA PORTUGUESA E OS DESAFIOS
DA MODERNIDADE POLÍTICA. AS RELAÇÕES
LUSO-ESPANHOLAS E AS PERCEPÇÕES
NACIONAIS SOBRE OS ESTADOS
LATINO-AMERICANOS (1808-1848)
Teresa NUNES
Universidade de Lisboa
INTRODUÇÃO
O advento da contemporaneidade no contexto português, em primórdios
de Oitocentos, tem privilegiado uma abordagem centrada na identif‌icação e
análise da causalidade endógena como ainda na avaliação e entendimento dos
factores exógenos determinantes. Tais premissas analíticas, constantes na his-
toriograf‌ia portuguesa sobre o ocaso do Antigo Regime e o advento do sistema
liberal, espelham a dimensão multiforme da transição política e institucional
estribada nas leituras nacionais sobre as dinâmicas francesa e espanhola. Po-
rém, não desvalorizam as consequências da beligerância no território portu-
guês, um cenário de confronto complexo entre os interesses da França Na-
poleónica, as vontades compósitas da Espanha, segmentada entre aspirações
diferenciadas, e os objectivos estratégicos da Inglaterra, forjados na interacção
entre as condicionantes do Velho Mundo e o engrandecimento imperial no es-
paço extra-europeu 1.
Decerto, a edificação de uma arquitectura institucional, assente no prin-
cípio da separação de poderes, viria a caracterizar-se pela complexidade re-
1 Enfatize-se o antagonismo de percepções suscitado pela presença francesa em Portugal; ora co-
notada com a modernidade e, em função disso, acolhida, ora identif‌icada com o invasor e fruto da
mobilização em prol da pátria. Napoleão. História e Mito, 2008; Ana ARAÚJO, «Napoleão Bonaparte e
Portugal», s. d., pp. 15-39; Georges LOMNÉ, «El Feliz Momento», 2014, pp. 26-27.
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sultante da emergência de visões distintas sobre a modernidade. Confron-
tava-se ainda com as imagens do Antigo Regime e da monarquia absoluta,
igualmente debatidas à luz das aspirações redentoristas emergentes no rei-
nado de D. Maria I 2 e em face das conjunturas políticas da primeira metade
de Oitocentos 3.
O presente estudo inscreve-se nos postulados analíticos de Ana Cristina
Araújo 4, sobre a transferência da corte portuguesa para o Rio de Janeiro, de
Ana Canas 5, acerca da reconf‌iguração orgânica do estado português durante a
guerra peninsular, e da perspectiva axiomática aplicada por António Ventura 6 na
abordagem biográf‌ica da rainha Carlota Joaquina. Nessa esteira, incide na iden-
tif‌icação dos eixos geopolíticos primordiais e análise contextualizada das opções
diplomáticas portuguesas na relação com a Espanha e com os estados latino-a-
mericanos, entre 1808 e 1848. Assim pretende averiguar o impacto da reconf‌i-
guração institucional do estado português, operada em 1807, no advento da mo-
dernidade. Almeja apreciar a evolução das relações diplomáticas entre Portugal e
Espanha, entre 1808 e 1848, com particular incidência nas vertentes económica
e comercial. Por último, proporciona uma análise sobre as percepções nacionais
subordinadas às potencialidades de relacionamento com os estados latino-ameri-
canos, no mesmo âmbito cronológico e numa correlação triangular determinada
pela premência dos entendimentos ibéricos.
Uma das premissas estruturantes da historiograf‌ia subordinada ao advento
da contemporaneidade no contexto português funda-se na natureza disruptiva
da Revolução Francesa, iniciada em 1789, no âmago das soluções de cunho ins-
titucional, de índole política, interna e ou externa, de pendor económico e de
expressão social, adoptadas no decurso da segunda metade do século XVIII e nos
primeiros anos da centúria subsequente.
Sem desatender às modif‌icações manifestas trazidas pela mudança de rei-
nado, em 1777, e às necessidades da novel soberana, D. Maria I 7, em mitigar a
animosidade suscitada pelo ministro do antecessor, Sebastião José de Carvalho e
Melo, Marquês de Pombal 8, a monarquia absoluta portuguesa revelava-se um sis-
tema diplomático estabilizado em torno de vectores fundamentais como a aliança
anglo-portuguesa e a neutralidade, um estatuto preferencialmente assumido no
perímetro dos conf‌litos europeus da época.
A interacção desses factores permitiu um grau de inserção considerável da
economia nacional nas dinâmicas resultantes da rivalidade anglo-francesa, con-
substanciada na expansão do comércio de vinhos portugueses no mercado britâ-
2 Júlio SILVA, Ideário Político, 1º vol., 1998, pp. 13-63.
3 Isabel VARGUES, A Aprendizagem da Cidadania, 1997; Fernando CATROGA, «A Constitucionali-
zação da Virtude», 2008, pp. 275-345; Luís TORGAL, Essa Palavra Liberdade, 2021.
4 Ana ARAÚJO, «O Reino de Portugal», 1992, pp. 233-261.
5 Ana CANAS, «Governar Portugal», 2006, pp. 75-93.
6 António VENTURA e Maria LYRA, Rainhas de Portugal, 2011.
7 Luís RAMOS, D. Maria I, 2010.
8 J. SILVA DIAS, Pombalismo e Projecto Político, 1984.

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