A Corte Internacional de Justiça como Intérprete e Aplicadora de Direitos Humanos - Uma Análise do Caso Hissène Habré

AuthorBrenda Maria Ramos Araújo
Pages25-42
XII ANUÁRIO BRASILEIRO DE DIREITO INTERNACIONAL 25
Anuário Brasileiro de Direito Internacional, ISSN 1980-9484, vol.2, n.23, jul. de 2017.
A CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA COMO INTÉRPRETE E
APLICADORA DE DIREITOS HUMANOS: UMA ANÁLISE DO CASO
HISSÈNE HABRÉ
THE INTERNATIONAL COURT OF JUSTICE AS AN INTERPRETER
AND HUMAN RIGHTS APPLICATOR: AN ANALYSIS OF THE
HISSÈNE HABRÉ CASE
Brenda Maria Ramos Araújo1
RESUMO
Este texto analisa o papel da Corte Internacional de Justiça na aplicação e na interpretação dos
direitos humanos, utilizando como base a jurisprudência dessa Corte do caso Hissène Habré.
Após quase 20 anos de procedimentos judiciais, a solução na esfera internacional permitiu
que, em 2016, o caso fosse encerrado para as vítimas do período do governo Habré com a
condenação do ex-presidente à prisão perpétua.
Palavras-chave: Corte Internacional de Justiça; Direitos Humanos; Convenção contra a
Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes; Hissène Habré.
ABSTRACT
This paper analyzes the role of the International Court of Justice in the application and
interpretation of human rights, using as a basis the jurisprudence of this Court of the Hissène
Habré case. After nearly 20 years of legal proceedings, the solution at international level
allowed, in 2016, the case to reach its closure for the victims of the Habré government with
the conviction of the former president to life imprisonment.
Keywords: International Court of Justice; Human Rights; Convention against Torture and
Other Cruel, Inhuman or Degrading Treatment or Punishment; Hissène Habré.
INTRODUÇÃO
A Carta da Organização das Nações Unidas (ONU) estabelece como um dos objetivos
da organização a promoção e a proteção dos direitos humanos2. Apesar dessa centralidade,
inclusive sendo mencionado sete vezes ao longo das disposições da Carta, o termo direitos
humanos não teve seu conteúdo esclarecido por esse tratado constitutivo. Nesse sentido, em
1946, o Conselho Econômico e Social, com base na competência definida pelo artigo 68 da
Carta da ONU, criou a Comissão de Direitos Humanos para auxiliar a organização no
desenvolvimento desse conceito.
Em 1948, ocorre o primeiro passo na definição de direitos humanos, com a aprovação
da Declaração Universal dos Direitos Humanos, pela Assembleia Geral, com base em um
1 Estudante do Mestrado Acadêmico da Universidade do Rio de Janeiro
2 Art. 1(3)             
problemas internacionais de caráter econômico, social, cultural ou humanitário, e para promover e estimular o
respeito ao s direitos humanos e às liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou
 Disponível no sítio eletrônico: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1930-1949/d19841.htm
Última consulta em: 14/10/2016
26 XII ANUÁRIO BRASILEIRO DE DIREITO INTERNACIONAL
Anuário Brasileiro de Direito Internacional, ISSN 1980-9484, vol.2, n.23, jul. de 2017.
projeto desenvolvido pela Comissão. Essa declaração, contudo, não possui força vinculante,
pois é apenas uma soft law3. Por esse motivo, o trabalho da Comissão continuou com o intuito
de elaborar um documento obrigatório para os Estados membros da ONU. Após diversas
negociações, ficou comprovado que seria impossível redigir um único tratado, já que a
posição dos Estados ainda era muito diferente. Por esse motivo, em 1966, dois pactos são
elaborados, o Pacto de Direitos Civis e Políticos e o Pacto de Direitos Econômicos, Sociais e
Culturais.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos e os dois Pactos de 1966 são
compreendidos como a Carta Internacional dos Direitos Humanos. Essa união confere um
aspecto sistêmico para o tema na ONU, que deve ser interpretado com base nesses três
documentos. Desde 1945, diversos outros instrumentos foram elaborados, expandindo e
aprimorando o conceito de Direitos Humanos da ONU.
Por constituírem um dos princípios fundamentais da ONU, os direitos humanos devem
ser promovidos e protegidos por todos os órgãos da organização, inclusive a Corte
Internacional de Justiça (CIJ), que é o principal órgão judiciário das Nações Unidas4. Em
decorrência de sua natureza, os conflitos que envolvem direitos humanos costumam
apresentar, em pelo menos um dos polos, a pessoa humana. Esse novo conjunto de normas
internacionais foi, inclusive, responsável pela nova posição dos indivíduos como sujeitos de
Direito Internacional. A CIJ, todavia, possui competência apenas para a resolução de litígios
entre Estados5. Mantendo uma posição tradicionalista, a Corte da Haia não contou com muitas
inovações, sendo muito parecida com sua predecessora, a Corte Permanente de Justiça
Internacional, e possuindo a mesma visão estadocêntrica6. Por esse motivo, a Corte não
atuava com frequência em questões que envolvem diretamente os direitos humanos7.
3André de Carvalho Ramos esclarece que existem três posições sobre a força vinculante da Declaração Universal
                 
visto na Carta das N ações Unidas (tratado,
ou seja, tem força vinculante); (ii) há aqueles que sustentam que a DUDH possui força vinculante por representar
o costume internacional sobre a matéria; (iii) há, finalmente, aqueles que defendem que a DUDH representa tão
somente a soft law na matéria, que consiste em um conjunto de normas ainda não vinculantes, mas que buscam
orientar a ação futura dos Estados para que, então, venha a ter força vi nculante. Do nosso ponto de vista, parte d a
DUDH é entendida como espelho do costume internacional de proteção de direitos humanos, em especial quanto
aos direitos à integridade      RAMOS, André de Carvalho. Curso de
Direitos Humanos. 2. Ed. Saraiva, 2009. Livro digital.
4 Descrevendo a relação entre a CIJ e os direito s humanos, Bruno Si mma relata: If we wanted to find a short-
term description for our to pic of the International Court of Justice and human rights, we could call it an instance
of international legal discourse in which old international law (represented for our purpose by the Court)
encounters the new. What we can observe already is that the Court has become a major player in a pro cess in
which human rights and general international law mutually impact upon one another: 
          SIMMA, Bruno.
Mainstreaming Hu man Rig hts: T he Contribution of the International Court of Justice. Journal of International
Dispute Settlement, v.3, n.1, fev., 2012. Disponível em: http://jids.oxfordjournals.org/content/3/1/7.abstract
Último acesso em 14/10/2016 p.29
5 Nesse sentido, vide o Artigo 34 da Carta das Nações Unidas.
6 Cançado trindade esclarece esse problema: O exercício da função contenciosa da CIJ encontra-se, desde o
início (tanto da CIJ quanto de sua predecessora a CPJI), restringido por uma limitação de sua competência, o
ratione personae: somente os Estados podem apresentar casos contenciosos à Corte (artigo 34(1) de seu
Estatuto). Trata-se de um mecanismo rigidamente interestatal. O caráter exclusivamente interestatal do
contencioso ante a CIJ definitivamente não se tem mostrado satisfatório. Ao menos em alguns casos (no período
de 1995 a 2004), relativa mente à condição de in divíduos, a presença destes últimos (ou de seus rep resentantes
legais), para apresentar, eles próprios, suas posições, teria enriquecido o procedimento e facilitado o trabalho da
Corte. Casos do gênero, atinentes sobretudo à situação concreta d os seres humanos afetados, têm se intensificado
      TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Os Tribunais Internacio nais

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