As relações do Brasil com os países do Oriente Médio

AuthorRodrigo do Amaral Souza
PositionMinistro de Segunda Classe da carreira de diplomata.
Pages216-230

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Considerações Gerais

Quando se fala em Oriente Médio no Brasil, pensa-se, em geral, nos países árabes. Há que ressaltar ser esta visão incompleta, visto que a região abrange, além dos países árabes, o írã, país étnica e culturalmente diferenciado de seus vizinhos árabes, e também, a partir de 1948, o Estado de Israel.

Os países árabes sempre exerceram uma especial atração sobre os brasileiros: seja por serem povos de antiga história, quando comparados com a jovialidade da nação brasileira; seja pelos contrastes que as culturas associadas ao deserto, como aquelas moldadas pela civilização árabe, apresentam para habitantes de uma terra com quadro natural bastante diverso.

No caso árabe, à fascinação brasileira pelo diferente somam-se estreitos laços de afinidade. O Brasil identifica-se com o mundo árabe por duas razões principais: a primeira, a forte influência da civilização árabe na conformação das culturas ibéricas e, portanto, na constituição de uma das raízes formadoras da nação brasileira, a raiz européia de base portuguesa; a segunda, a importância da imigração árabe na composição de nossa população, sua participação relevante nos hábitos e costumes brasileiros e sua inestimável contribuição, nos mais diversos campos de atividade, para o desenvolvimento nacional. O elemento árabe, apesar do distanciamento cultural originário, revelou uma capacidade de adaptação notável à vida brasileira.

No plano dos valores humanos, há também pontos a ressaltar. O Islã, em sua época de grandeza civilizacional, caracterizou-se poruma tolerância que o destacava em face do obscurantismo medieval europeu. Foi sua capacidade de absorção de influências culturais diversas que estimulou o desenvolvimento do conhecimento e das ciências, da filosofia à matemática, numa intensidade desconhecida no Ocidente desde a época clássica. Foi na verdade, em grande medida, graças à civilização árabe que a herança greco-romana pôde ser conservada pelo mundo civilizado e posteriormente reavivada no Renascimento europeu. Essa vocação da expansão árabe no mundo compara-se, hoje em dia, à propensão da culturaPage 217brasileira por absorver o diferente, incorporando e moldando as novidades a suas necessidades e tendências.

Tais vínculos histórico-afetivos, com matriz sócio-familiar, caracterizam fundamentalmente as relações do Brasil com países do Mediterrâneo Oriental (Síria, Líbano, Israel e Palestina) e conferem ao Brasil grande potencial de credibilidade na região. Acrescente-se a este fator, para a descrição do perfil resultante da corrente migratória médio-oriental para o Brasil, o exemplo modelar de tolerância e respeito que se depreende da convivência pacífica entre as mais diversas comunidades estrangeiras residentes no Brasil, incluídas aquelas árabe e judaica.

Além de credibilidade, o Brasil se beneficia igualmente no Oriente Médio de alto grau de insuspeição, decorrente dos princípios basilares que sempre nortearam nossa atuação externa, a exemplo da tradição pacifista do Brasii; sua política externa universalista; a defesa da não-ingerência em assuntos internos de outros Estados e da solução pacífica de controvérsias; a promoção do multilateralismo e da observância das decisões emanadas dos organismos internacionais; e a aptidão brasileira à promoção da paz e da cooperação entre os povos.

Além do fato de comportar em sua população uma significativa comunidade de ascendência árabe (a qual, com seus descendentes, constitui o maior agrupamento de origem árabe fora do Oriente Médio), circunstância que torna o Brasil um país diferenciado na visão dos povos que habitam as regiões de origem dos ancestrais da vasta mcomunidade árabe-brasileira, o posicionamento equilibrado da diplomacia brasileira tem contribuído para acumular capital político e para fortalecer a simpatia que os países do Oriente Médio nutrem pelo Brasil.

No âmbito político, o Brasil e os países árabes valorizam os princípios do respeito à soberania nacional e à autodeterminação dos povos, assim como a necessidade do acatamento do Direito internacional e da manutenção da ordem e da segurança, com a preservação do papel reservado à Organização das Nações Unidas, alicerce indispensável da legitimidade internacional.

Por outro lado, a presença histórica de comunidades judaicas no Brasil, desde os tempos coloniais, reforçada nos séculos XIX e XX com levas de imigrantes judeus oriundos da Europa, configura importante fator de aproximação entre Brasil e Israel. Hoje vivem no Brasil cerca de 120 mil judeus, uma das dez maiores colônias judaicas no mundo e a segunda na América Latina, superada apenas pela argentina.

O Oriente Médio e a diplomacia brasileira

A região é constituída por treze países e uma nação, organizada em torno da Autoridade Nacional Palestina, ainda não constituída como estado soberano. Essa região é composta pelos seguintes Estados: Arábia Saudita, Bareine, Catar, Emirados Árabes Unidos, Iêmen, Irã, Iraque, Israel, Jordânia, Kuaite, Líbano, Omã e Síria.

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Desses treze países, sete são monarquias e seis repúblicas. A Autoridade Nacional Palestina, representante do povo palestino nos territórios ocupados por Israel, constitui o núcleo administrativo do futuro Estado palestino, que também deverá constituir-se em república.

Nessa região, o Brasil tem embaixadas residentes em 12 países, sendo que a embaixada em Bagdá, desativada desde o final da Guerra do Golfo, em 1991, encontra-se em processo de reativação. Mantemos relações diplomáticas com todos aqueles países, sendo as relações com o Bareine mantidas através da embaixada no Kuaite; e com Omã e o Iêmen pela embaixada em Riade, As relações com a Autoridade Nacional Palestina têm-se intensificado, sobretudo com a criação do Escritório de Representação em Ramallah, operacional desde outubro de 2004.

As relações diplomáticas com o Irã e as relações consulares com o Líbano são as mais antigas. O estabelecimento de relações com o irã completou cem anos em 2003, ao passo que as relações com o Líbano datam da década de 1920, Com os demais países as relações diplomáticas são mais tardias, aquelas com a Síria e Israel da década de 1940, com a Jordânia dos anos 50, com a Arábia Saudita, o Iraque e o Kuaite da década de 1960 e com os demais países dos anos 70 e 80. A presença do Brasil no Oriente Médio faz-se sentir não somente na região do Levante, mas também nos países do Golfo Pérsico. A recente elevação do perfil diplomático do Brasil no Oriente Médio recebeu forte impulso apartir da atribuição de caráter prioritário pelo Governo Lula às relações do Brasil com aquela região, iniciativas concretas recentes têm dado sustentação a esse salto de qualidade no relacionamento do Brasil com o Oriente Médio, tais como, entre outras:

  1. a intensificação de visitas de altas autoridades, muitas delas em caráter pioneiro. Em dezembro de 2003, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva visitou cinco países árabes; a Síria, o Líbano, os Emirados Árabes Unidos, o Egito e a Líbia. Foi a primeira visita de um Chefe de Estado brasileiro ao Oriente Médio desde aquela realizada pelo Imperador Dom Pedro II, em caráter privado, ao Egito, Líbano, Síria e à Terra Santa (Palestina), em 1876;

  2. o ineditismo da realização em Brasília, em maio de 2005, da Cúpula de Chefes de Estado e de Governo dos países sul-americanos e árabes (Cúpula ASPA). A Cúpula América do Sul-Países Árabes (ASPA) constituiu encontro internacional pioneiro, que buscou, fora da programação regular de trabalho das Nações Unidas, a aproximação de duas regiões de dimensões continentais do mundo em desenvolvimento. A proposta fundamental da Cúpula consistiu em promover um mecanismo cie integração birregional e em estimular a aproximação de duas regiões com afinidades históricas, que enfrentam desafios semelhantes em relação à promoção do desenvolvimento e compartilham interesses e objetivos comunsPage 219em suas atuações externas, em particular no que se refere ao fortalecimento do multilateralismo. Foram examinados durante a Cúpula temas de cooperação económica e comercial; cooperação cultural; cooperação científico-tecnológica; coordenação em foros multilaterais econômicos e comerciais e colaboração em temas de desenvolvimento e sociais. O Governo brasileiro vem estimulando a realização de atividades de difusão cultural e cooperação intelectual, no contexto das atividades de seguimento da cúpula ASPA;

  3. a criação, no organograma do Ministério ctas Relações Exteriores, de Departamento voltado especificamente ao acompanhamento dos assuntos referentes ao Oriente Médio;

    á) a abertura, em 2005, de embaixada residente em Doha (Catar). Reforçamos, recentemente, a assistência às comunidades brasileiras residentes no mundo árabe com a ampliação da rede de atendimento no exterior, mediante a criação do Consulado-Geral em Beirute. No final de 2004, foi aberto Escritório de Representação em Ramallah, na Cisjordânia (Territórios Palestinos), O Escritório, oficialmente criado em setembro de 2004, tornou-se a segunda representação latino-americana naquela cidade, precedida...

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