O Terrorismo Internacional como Ameaça ao Direito Internacional

AuthorJacob Dolinger
PositionProfessor aposentado da UERJ, Professor Visitante da School of Law da Universidade de Miami, Conferencista da Academia de Direito Internacional da Haia. O autor agradece Mayra Mayor e Gabriel Reis, bacharelandos da UERJ, pela colaboração na pesquisa às fontes.
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I Introdução

Em qualquer* tema de direito internacional público, o jurídico e o político encontram-se intimamente entrelaçados, sendo impossível examinálos à luz da normativa jurídica, sem considerar os aspectos políticos; no caso do terrorismo, pesam ainda outros fatores, geralmente ausentes no ius gentium, como o religioso e o teológico. Daí a complexidade do problema, a dificuldade de se encontrar uma solução e a possibilidade de acentuados pontos de divergência.

E o que pretendo expor hoje, neste entardecer em Belo Horizonte, por ocasião do 3º Curso de Inverno de Direito Internacional organizado pelo Centro de Direito Internacional – CEDIN – por cujo convite expresso minha sincera gratidão – é uma análise acentuadamente em divergência com o que se vem publicando nos últimos tempos no Brasil e no exterior.

Basta dizer que pretendo divergir de importantes documentos produzidos pelas Nações Unidas, baterei de frente com o ex-secretario geral da ONU, sr. Koffi Anan, divergirei em certo ponto do ilustre chanceler brasileiro, meu mestre e amigo, Professor Celso Lafer, bem como de outros eminentes estudiosos do direito internacional público, inclusive de trabalhos publicados aqui, pelo CEDIN, em 2003, no livro “Terrorismo e Direito”, coordenado pelo Professor Leonardo Nemer Caldeira Brant1.

De maneira que a única coisa que posso prometer é que não vos entediarei pela monotonia, porque pretendo ser contestador e crítico severo, apresentando pontos dePage 80vista que para uns parecerão reacionários, para outros soarão heréticos, e para alguns talvez sirvam para mostrar uma luz no final do longo e perigoso túnel, que é este tão jovem e já trágico século XXI.

II Definição de Terrorismo

Rios de tinta já foram gastos sobre a problemática em torno da definição de terrorismo. Incontáveis fórmulas foram apresentadas para defini-lo, mas nenhuma conseguiu aprovação da comunidade internacional. Não estando definido, falta-lhe tipificação penal e, portanto, não haveria como punir o terrorista.

Dentre as 13 convenções existentes sobre o terrorismo, dirigidas a áreas específicas, existem definições corretas e adequadas; a lei britânica, Terrorism Act 20002 encerra uma definição apropriada e satisfatória, mas no plano internacional ainda não se conseguiu chegar a uma definição genérica, abrangente que satisfaça a comunidade internacional. Esta seria a principal explicação porque o terrorismo não foi incluído na competência do Tribunal Penal Internacional, criado pelo Estatuto de Roma3.

Em relatório apresentado ao Secretário Geral das Nações Unidas por uma Comissão de Alto Nível sobre Ameaças, Desafios e Mudança, a falta de acordo para uma definição clara do terrorismo foi considerada fator que mina a posição normativa e moral contra este crime, representando uma mancha na imagem da ONU, havendo um imperativo político no sentido da aprovação de uma convenção compreensiva, genérica sobre o terrorismo que inclua uma definição clara deste crime4.

O principal motivo para a falta de consenso sobre a definição, explica o relatório, provem da objeção formulada no sentido de que povos que se encontram sob ocupação estrangeira têm o direito de resistir, e uma definição de terrorismo não deveria afetar este direito. Outros, acrescenta o relatório, negam o direito à resistência.

A objeção relativa ao direito de resistência de povos sob ocupação é encontrada em muitas fontes sob o dito “one man’s terrorist is another man’s freedom fighter”, ou seja, o que para uns é um terrorista, para outros é um batalhador pela liberdade”.

Escreveu recentemente o Professor José Cretella Neto:

Para a maioria dos países ocidentais, atentados violentos, politicamente motivados, inclusive os cometidos por grupos palestinos em Israel, constituem indubitavelmente atos de terrorismo e é precisamente a contrariedade islâmica a essa posição o fator que impede a adoção de definição universalmente aceita para o terrorismo internacional5.

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O Professor italiano Antonio Cassese considera que de fato existe uma definição de terrorismo no direito internacional, persistindo discordância apenas com relação a certas exceções a esta definição, como a dos freedom fighters . E acrescenta:

... constituiria um êrro de lógica dizer que porque não existe consenso sobre a exceção, não dispomos de uma noção geral. Isto equivaleria a dizer que como em direito penal há dúvidas se o homicídio sob coerção pode ser excepcionalmente justificado, não se pode definir homicídio6.

Ou seja, mesmo que haja dúvida se o ato dos palestinos que atacam e matam velhos, mulheres e crianças, num restaurante, numa pizzaria, em um mercado, ou em qualquer lugar público, constitui ou não terrorismo – que Cassese chama de exceção – isto não afeta a definição de terrorismo sobre outros atos.

Entendo que o Professor Cassese está redondamente equivocado, por três motivos:

  1. praticamente falando, a exceção a que ele se refere – os freedom fighters - não constituem exceção mas a regra: se excluirmos os atentados terroristas praticados nos últimos decênios invocando a luta pela libertação do povo palestino, executados não só em Israel, mas em diversas partes do mundo, inclusive em Nova York, verificaremos que a existência do Estado de Israel se constitui em um dos principais móveis da sociedade internacional de terroristas, como veremos adiante das declarações de Osama bin Laden;

  2. os palestinos que vivem na faixa de Gaza e na Cisjordânia, estão muito longe de serem freedom fighters, conforme igualmente demonstrarei mais adiante;

  3. mesmo que freedom fighters fossem e que sua luta fosse de libertação, não há luta por libertação que justifique matar crianças em um jardim de infância, atletas durante as Olimpíadas internacionais, passageiros civis em um ônibus inter municipal, jovens entrando para dançar numa boate, velhos sentados em um hotel para celebrar a noite de Páscoa israelita. Estes atos são indubitavelmente terroristas; não há como considerá-los exceção como quer Cassese.

    Voltarei mais adiante a diversos aspectos do problema palestino. Por ora vejamos o status de uma definição para o crime de terrorismo.

    O Relatório da Comissão de Alto Nível apresentou proposta para uma definição que aqui reproduzo, devidamente traduzida:

    A definição de terrorismo deverá incluir os seguintes elementos:

  4. (...)

  5. declaração de que os atos enumerados nas 12 convenções anteriores sobre terrorismo constituem terrorismo e uma declaração de que eles constituem crimes de acordo com o direito internacional ...;

  6. referência às definições contidas na Convenção de 1999 sobre Supressão de Financiamento de Terrorismo e a Resolução do Conselho de Segurança n. 1566 de 2004;

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  7. descrição do terrorismo como “qualquer ação, além dos atos já especificados nas convenções existentes sobre aspectos do terrorismo, a resolução do Conselho de Segurança n. 1566 de 2004, que intenta causar morte ou graves danos físicos a civis ou não combatentes, quando o objetivo de tal ato, por sua natureza ou contexto, é intimidar a população ou forçar um governo ou uma organização internacional a fazer ou se abster de fazer algum ato”7.

    Temos decisões de tribunais nacionais e internacionais que condenaram acusados por crime de terrorismo, sem maiores preocupações sobre falta de definição, como um julgado pela Corte Suprema do Canadá e uma condenação do Tribunal Penal Internacional para a Iugoslávia no caso Prosecutor v. Gali8, em que o tribunal rejeitou críticas de que condenar uma pessoa com base nesse crime, violaria o princípio nullum crimen sine lege.

    As mais veementes demonstrações de que a pretensa falta de definição continua impedindo progresso nesta área, constituindo-se em uma questão vexatória, é a não inclusão deste crime na competência do Tribunal Penal Internacional e a impotência da ONU em aprovar uma Convenção abrangente do crime de terrorismo, que deveria, justamente, incluir uma definição satisfatória para o número mínimo de membros exigido para a aprovar um tratado ou convenção internacional.

    O chanceler Celso Lafer publicou um artigo no Estado de São Paulo9 em que endossa a proposta de Koffi Anan, com base na Convenção de 1999 para a supressão de financiamento ao terrorismo, a que aludimos acima, e que conceitua o terrorismo como:

    Todo ato que obedeça a intenção de causar a morte ou graves danos corporais a civis não combatentes com o objetivo de intimidar uma população ou obrigar um governo ou uma organização internacional a realizar ou abster-se de realizar um ato

    Considera o Professor paulista:

    ... inequívoca a força moral e política desta definição que, juridicamente, deslegitima a prática terrorista, que foi respaldada nas conclusões da Cúpula de Madri e deve ser seguida pela diplomacia brasileira, que nela encontra um caminho preciso para cumprir, como deve, o principio constitucional do repudio aos terroristas10.

    Esta definição coincide com a fórmula proposta pela Comissão de Alto Nível em seu já aludido relatório para o Secretário Geral da ONU.

III Causas do Terrorismo

Precisamos de uma definição do terrorismo a fim de poder processar e julgar os terroristas. Mas, é evidente que detectar, prender e levar a julgamento alguns terroristas não resolverá o problema, não evitará o perigo que pesa sobre toda humanidade, pois não estamos longe do momento em que o terrorismo internacional adquirirá armas nucleares...

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