O processo

AuthorMarcel Alexandre Coelho
PositionPromotor de Justiça no Estado do Paraná Especialista em Direito Administrativo
I - O processo: a sua etimologia, a distinção com o procedimento, a relação jurídica processual, seu conceito e a singular participação do ministério público no processo penal

O termo processo, conforme ensina De Plácido e Silva, deriva do latim processus, de procedere, sendo que, embora tenha derivação equivalente a procedimento, pois, como este, também exprime ação de proceder, de prosseguir, com ele não se confunde1.

Com efeito, é que, enquanto o processo implica objetivo, vale dizer, um fim a ser alcançado, tendo, por isso, caráter teleológico; o procedimento constitui-se no instrumento para se chegar a tal finalidade2.

Assim, como conclusão, o processo tem uma finalidade, que é a solução do conflito de interesses mediante a aplicação do direito e não da mera legalidade, na medida em que, para o alcance da justiça pela sentença [...], a legalidade penal não é suficiente à concepção do justo, em Direito 3; enquanto que o procedimento é o meio pelo qual esta é alcançada, ou seja, a forma pela qual os atos se vão sucedendo até atingi-la, possuindo, como elementos fundamentais para sua caracterização: a idéia de que todos os atos contribuem para o efeito substancial derivado do ato final, e a coordenação e vinculação entre os atos que o compõem 4.

Leciona Fernando Capez que o processo pode ser visto sob duas formas diversas: uma objetiva e outra subjetiva. A primeira seria o procedimento, enquanto que a última a relação jurídica processual5.

Já vimos o procedimento, por isso é necessário discorrer acerca da denominada relação jurídica processual, a qual, enquanto teoria, foi desenvolvida por Oscar Von Bülow, numa obra acerca das exceções e pressupostos processuais, publicada na Alemanha em 1868.

A teoria de Bülow é a que melhor explica o fenômeno processual, pois é dele a revelação de que, entre as partes e o juiz, havia uma relação jurídica, de direito público, diversa da relação jurídica de direito material discutida, de tal modo que o juiz tem a obrigação de decidir o direito deduzido em juízo, enquanto que as partes devem colaborar e submeter-se aos resultados dessa atividade comum6.

Sobre o tema, Julio Fabbrini Mirabete corrobora a lição acima, dizendo que [...] o processo é uma relação jurídica autônoma, diversa do direito material discutido, de caráter público, entre o Estado-Juiz e as partes 7, sendo, na lição de José Frederico Marques, uma das formas de se resolverem conflitos de interesses 8.

Passando para a conceituação de processo, Francesco Carnelutti asseverou o seguinte:

Denominamos processo [...] a um conjunto de atos destinados à formação ou atuação de imperativos jurídicos, cuja característica consiste na colaboração, para este fim, das pessoas interessadas [...] com uma ou mais pessoas desinteressadas9.

Os sujeitos tidos como interessados seriam aqueles que se encontram em conflito e a pessoa desinteressada seria o órgão estatal encarregado de aplicar a ordem jurídica, ou seja, o órgão judiciário a que o Estado investe do poder jurisdicional10.

Aliás, sobre o assunto, merece ser apontado o posicionamento do Ministério Público no processo penal, que tem contornos peculiares, magistralmente captados por Piero Calamandrei, cuja transcrição segue abaixo:

Entre todos os cargos judiciários, o mais difícil, segundo me parece, é o do Ministério Público. Este, como sustentáculo da acusação, devia ser tão parcial como um advogado; como guarda inflexível da lei, deveria ser tão imparcial como o juiz. Advogado sem paixão, juiz sem imparcialidade, tal é o absurdo psicológico no qual o Ministério Público, se não adquirir o sentido do equilíbrio, se arrisca, momento a momento, a perder, por amor da sinceridade, a generosa combatividade do defensor ou, por amor da polêmica, a objetividade sem paixão do magistrado11.

O Ministério Público figura, no processo penal, paradoxalmente, como sujeito interessado e desinteressado concomitantemente. É interessado, de um lado, porque dá início, em regra, à persecutio criminis em juízo, fazendo-o pela opinitio delicti e, por isso, não se pode deixar de reconhecer que está em conflito com o acusado, já que tem a pretensão de que este se submeta ao comando legal e pague por algo de errado que supostamente tenha realizado, vale dizer, prática de um delito, pois, como disse Sergio Demoro Hamilton: o processo penal, como, de resto, qualquer processo, não se revela instrumento para debates acadêmicos[...]. Ninguém vai a juízo por nada[...] 12

Mas, por outro lado, por ser, também, encarregado de zelar pelo cumprimento da ordem jurídica deve ter postura desinteressada, de tal modo que não queira a qualquer custo a condenação do acusado.

Manter-se, portanto, eqüidistante entre o acusado e o ordenamento jurídico a que tem a missão de zelar, inclusive reconhecendo que aquele é presumivelmente inocente (art. 5º, inciso LVII, da CF13), é o grande dilema do Promotor de Justiça e a cada dia de sua jornada de trabalho deve ter isso presente.

É evidente que o agente ministerial, exemplificativamente, não deve se sentir acanhado em batalhar - e o termo é bem este mesmo - para retirar o jus libertatis do acusado, antes de sua condenação definitiva, em nome do interesse público, pois, como afirmou Cesare Beccaria homem algum entregou gratuitamente parte da própria liberdade, visando ao bem público, quimera esta que só existe nos romances. Se isso fosse possível, cada um de nós desejaria que os pactos que ligam os outros não nos ligassem 14.

Contudo, a atuação do Parquet em tal direção, ou seja, de se buscar a privação de liberdade do indivíduo acusado de um delito antes que possua uma condenação transitada em julgado, deve ocorrer apenas e tão-somente quando isso seja absolutamente necessário, sob pena de confundir sua elevada missão na seara penal com a de um mero inquisidor.

De outro vértice, não se pode olvidar que a postura ministerial pode ser absolutamente diversa, ou seja, lutar em prol do acusado, tudo fazendo para...

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