Convenção n. 103 da Organização Internacional do Trabalho

AuthorGustavo Borges da Costa - Luciane Borges da Costa Marcelino
ProfessionFuncionário Público Federal no cargo efetivo de analista Judiciário, área judiciária, do tribunal Regional do trabalho da 21ª Região - Funcionária Pública Federal no cargo efetivo de analista Judiciário, área judiciária, do tribunal Regional do trabalho da 18ª Região
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1. Introdução

Desde os primórdios, a evolução das sociedades está diretamente ligada ao trabalho como necessidade de sobrevivência do indivíduo, inicialmente para obtenção de alimentos, passando às sociedades tribais e étnicas que resultaram em conflitos e na utilização de escravos como mão de obra em larga escala, até mesmo para fabricação de manufaturas das mais variadas. Passou-se ao estado feudal e à idade Moderna, e a escravidão teve incremento com o descobrimento da américa, tornando-se um mercado altamente lucrativo em todos os continentes. Concomitantemente, existia e se fortalecia a servidão, onde, apesar de não escravo, o indivíduo não dispunha de sua liberdade, assim como as corporações, resultando no surgimento de outras classes sociais e culminando no grande evento que mudaria a história da humanidade definitivamente: a Revolução industrial.1

A invenção e aplicação da máquina à indústria acabaram por provocar uma gigantesca mudança nas relações de trabalho. Como muito bem ensina vianna2, a máquina de fiar, o tear mecânico, a multiplicação da força de trabalho pela máquina a vapor resultaram no aparecimento de grandes oficinas e fábricas, o que gerou protestos, destruição de máquinas, invenção de novos equipamentos mais eficientes, baixos salários e exploração demasiada de mão de obra, tudo em uma época em que o

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liberalismo era aplicado com vistas a tratar igualmente de forma igual empregado e empregador, sem que houvesse a intervenção do estado.

A contextualização do trabalho da mulher é muito bem realizada por orlando gomes e elson gottschalk3, senão vejamos: "O emprego de mulheres e menores na indústria nascente representava uma sensível redução do custo de produção, a absorção de mão de obra barata, em suma, um meio eficiente e simples para enfrentar a concorrência. Nenhum preceito moral ou jurídico impedia o patrão de empregar em larga escala a mão de obra feminina e infantil. Os princípios invioláveis do liberalismo econômico e do individualismo jurídico davam-lhe a base ética e jurídica para contratar livremente, no mercado (...) ". Esses e outros abusos4 acabaram por impor ao estado sua intervenção nas relações de trabalho para equilibrar as relações e os ideais de valorização do indivíduo, através das gerações de direitos humanos5, passaram a se tornar realidade para a classe trabalhadora.

Dessa forma, a evolução social impôs a transposição de barreiras e a valorização da mulher como trabalhadora, pois passou a ter acesso a melhores e diferentes funções e cargos, embora sejam indissociáveis as diferenças biológicas existentes entre os gêneros. Essa diferença motivou a necessidade do estado impor às relações de trabalho normas específicas a fim de proteger a trabalhadora, tanto para inserção quanto para manutenção no mercado de trabalho, impondo o equilíbrio necessário entre a necessidade de lucro das empresas e a obrigatoriedade de cumprimento de seu fim social.6

A dignidade relativa ao trabalho da mulher continua em construção, e, mesmo que por acomodação natural dos gêneros, alguns trabalhos sejam relacionados à natureza biológica da pessoa, um aspecto é indissociável da mulher: a maternidade.

A cadeia legal protetiva à maternidade tem como fim precípuo a proteção à mãe e a seu filho. Visa a dar condições de a trabalhadora grávida ter acesso ao seu sustento e ao equilíbrio psicológico, ambos necessários para a gestação e o pós-parto com qualidade de vida. Por outro lado, a proteção dispensada à maternidade visa a acolher as necessidades de cuidados, próprias de uma criança recém-nascida.

No âmbito da organização internacional do trabalho a proteção da maternidade é tratada por meio da Convenção n. 3, datada de 1919, a qual, por exemplo, já versava sobre o afastamento remunerado do trabalho por 6 semanas subsequentes ao parto7. Seguiu-se a Convenção n. 103, de 1952 e a Convenção n. 183, de 2000, sendo que esta última amplia a abrangência da proteção às mulheres, porém ainda não foi ratificada pelo brasil. Completa o quadro protetivo a Recomendação n. 191 que estende a cobertura de todas as Convenções às mulheres.

2. Da Convenção n 103 da organização internacional do trabalho

A cada consolidação dos progressos das garantias dos direitos do indivíduo deu-se o nome de geração de direitos humanos, proveniente dos ideais de liberdade, igualdade e fraternidade, e do amadurecimento da sociedade a cada conquista implementada.

A organização internacional do trabalho nasceu nesse contexto da valorização do indivíduo, principal-mente da necessidade de um órgão internacional que implementasse e debatesse, sem o obstáculo das fronteiras nacionais e culturais, os direitos dos trabalhadores. Para tanto, dentre outros mecanismos, utiliza-se dos tratados e convenções internacionais, cuja finalidade é justamente "(...) uniformizar os direitos sociais entre

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os múltiplos países e organismos internacionais, para garantir, de forma holística, um mínimo existencial e, com garantias, sob o argumento da necessária diminuição dos custos empresariais para maior concorrência do mercado internacional."8

Com efeito, a inserção da mulher no mercado de trabalho, além de demonstrar uma evolução social significativa, gerou uma maior renda familiar e possibilidade de maiores condições de qualidade de vida e sobrevivência digna, mas trouxe consigo problemas de grande monta.

Daí a importância da Convenção n. 103 da OIT, que visa à proteção da maternidade e dita regras mínimas a serem adotadas pelos países membros que a ratificarem, a exemplo do brasil, que a incorporou através do decreto legislativo n. 20, de 30 de abril de 1965 e a promulgou pelo decreto n. 58.820, de 14 de julho de 19669.

Como bem observa Homero batista10, "a

Convenção n. 103 data de 1952 e, mesmo tendo merecido revisão, apresenta alguns pontos desatualizados, que estavam a exigir uma nova sedimentação por parte da Organização Internacional do Trabalho. Foi assim que no ano de 2000 se editou a Convenção n. 183, que se apresenta claramente como uma nova sistematização do tema de proteção à maternidade de que cuidava a Convenção n. 103. Curiosamente o Brasil ainda não a ratificou".

Nada obstante, a norma em estudo tem grande importância histórica, pois ditou parâmetros para a regulamentação da proteção, procurou adotar a qualificação de mulher e filho, e pavimentou a ideia da licença ter início antes mesmo do parto, mas obrigatoriamente após o nascimento, por um período mínimo de doze meses. Ainda determinou um simples atestado médico como suficiente para comprovar o estado gravídico e a necessidade de prorrogação da licença em caso de atraso na data estipulada para o parto, assim como o afastamento em caso de amamentação e tratamento em virtude ou em proveniência da gravidez.

2.1. Qualificações e sua abrangência

Dispõe a Convenção que o termo mulher compreende toda pessoa do sexo feminino, qualquer que seja sua idade, nacionalidade, raça ou crença religiosa, casada ou não.11

Cabe destaque o fato de a Convenção procurar abranger todo o sexo feminino envolvido com a maternidade, sem quaisquer distinções, inclusive, quanto à função que ocupa. Tanto é assim que a norma internacional, em seu art. 1º, estipula a aplicação às mulheres empregadas em empresas industriais e em trabalhos não industriais e agrícolas, compreendidas as mulheres assalariadas que trabalhem em seu domicilio. Trata de abranger ainda as comerciárias, as servidoras públicas, inclusive as domésticas, mostrando, nesse ponto, uma evolução diante da legislação nacional, que apenas concedeu recentemente, à doméstica, a estabilidade gestante. Com efeito, o rol de funções mostra-se meramente exemplificativo, não cabendo a leitura restritiva às hipóteses ali constantes.12

Evidente que um texto mais conciso, apenas determinando que em qualquer situação a empregada, seja no setor privado ou público, teria direito à estabilidade, já seria suficiente, contudo, considerando-se a época em que a Convenção n. 103 passou a produzir efeitos, havia realmente a necessidade de discriminar o maior número de atividades.

Embora a Convenção n. 103 avente a possibilidade dos países membros apresentarem juntamente com a ratificação do documento a derrogação para inaplicabi-

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lidade em algumas categorias, a exemplo das empregadas domésticas, certas categorias de trabalhos não industriais, os executados em empresas agrícolas, a norma nacional é mais evoluída, a ponto do estado brasileiro proporcionar à mulher profissional liberal que contribui para o sistema de previdência pública como contribuinte individual13 ter direito, bastando, para tanto, ser segurada da Previdência Social.14 nada obstante, como muito bem apontado por alice Monteiro de barros15, "a Constituição vigente estendeu, ainda, o salário-maternidade à trabalhadora avulsa (art. 7º, XXXOV) . Posteriormente à segurada especial foi contemplada com a prestação (...) . No final de 1999, a trabalhadora autônoma (contribuinte individual e facultativa) também foi contemplada com a referida licença (...) ", fazendo a pertinente ressalva de que a estagiária ainda não é contemplada com o benefício. No tocante à empregada doméstica, o parágrafo único do art. 71 da lei n. 8.213/91, já previa o salário maternidade, contudo apenas a lei n. 11.324/2006, a qual modificou a lei n. 5.859/72 e inseriu o art. 4-a, dispôs sobre a estabilidade à empregada gestante doméstica, pacificando a matéria nos tribunais.16

Com efeito, importante trazer à baila a diferenciação de institutos, como muito bem realizado por José augusto Rodrigues Pinto e Rodolfo Pamplona Filho17, os quais ressaltam que "apesar de terem o mesmo fato gerador, o salário-maternidade, que é o benefício de previdência social, não se...

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