Escolhas Diferentes, Direito Iguais: As Convenções ns. 103 e 183 da OIT e a Adoção de Crianças por Casais Homoafetivos

AuthorIzaura Fabíola Lins de Barros Lôbo Cavalcanti
ProfessionAdvogada em Maceió/al.
Pages377-388

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1. Introdução

O brasil adota, dentre seus fundamentos elencados no art. 1º da Constituição Federal, a dignidade da pessoa humana e, no rol de seus objetivos presentes no art. 3º, almeja construir uma sociedade livre, justa e solidária, como também promover o bem de todos, sem preconceito de sua origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas que ensejam a discriminação. O mandamento constitucional, observa-se, é claro quando o assunto é discriminação, sendo presente em todo seu texto como, por exemplo, no caput do art. 5º, que prega a isonomia real.

O debate que o texto a seguir propõe, vai além da constatação da falta de norma regulamentadora; busca pela dignidade da pessoa humana e da não-discriminação, sempre focando na justiça social para todos.

A proteção à maternidade veio acrescentar e não subtrair direitos e deve ser vista como um incremento da prestação positiva do estado, tendo em vista garantir a permanência da mulher no mercado de trabalho durante e após a maternidade. Buscando com isso dar concretude aos direitos constitucionais acima expostos. O tema é abordado, também, sob o prisma das Convenções da organização internacional do trabalho n. 103, que cuida do amparo à Maternidade, n. 183, que estabelece a Proteção da Maternidade, ampliando os dispositivos da Convenção n. 103 e n. 111, que trata da discriminação em Matéria de emprego e ocupação.

O presente artigo iniciará fazendo uma breve abordagem sobre o salário-maternidade e sua natureza jurídica. Depois trataremos da licença maternidade e de sua extensão, abrangendo as mais diversas entidades familiares com também da proteção à maternidade.

Falaremos sobre a impropriedade do termo licença-maternidade, abrindo espaço para uma possível reflexão sobre sua terminologia, perante a nova entidade familiar, reconhecida pela Corte Suprema no julgamento da ação direta de Constitucionalidade (adi) n. 4.277 e da ação declaratória de Preceito Fundamental (ADPF) n. 132.

Dando seguimento, será feita uma pequena explanação sobre a não discriminação, ao tratar da licença-maternidade concedida à entidade familiar formada por pessoas do mesmo sexo, citando inclusive o posicionamento do Supremo tribunal Federal a respeito do assunto.

Por fim, passaremos pelas Convenções da organização internacional do trabalho n. 103 e n. 183, que tratam respectivamente do amparo à Maternidade e da Proteção da Maternidade, esta última foi aprovada na 88ª reunião em 15.06.2000, com entrada em vigor no plano internacional em 07.02.2002, todavia ainda não foi ratificada pelo brasil. Seu surgimento decorreu

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da necessidade de revisar e ampliar a cobertura da Convenção n. 103, a fim de promover a igualdade de todas as mulheres no mercado de trabalho.

Buscaremos, enfim, ressaltar aspectos relacionados ao tema maternidade que são indissociáveis da dignidade humana e a importante proteção à maternidade sob a óptica da organização internacional do trabalho.

2. Salário-maternidade

O salário-maternidade foi instituído no nosso ordenamento jurídico em 1943, época em que ele constituía natureza jurídica de direito trabalhista, visto que era pago diretamente pelo empregador, durante quatro semanas antes e OITo semanas após o parto.1

Tempos depois, com o surgimento das leis ns. 6.136/74 e 6.332/76, foi suprimido das obrigações trabalhistas o pagamento do salário-maternidade e transferido tal encargo à Previdência Social. Podendo o empregador descontar das contribuições, que deveria recolher à Previdência Social, os valores que ele pagou à sua empregada durante o período da licença remunerada.2

No entanto, foi acrescentada uma nova contribuição, com o propósito de custear o benefício, correspondendo a 0,3% do salário contribuição dos trabalhadores. Esses períodos de afastamento, que somados resultavam em 84 dias, eram compensados pelo empregador, quanto aos seus débitos com a Previdência.3

Com o advento da Constituição Federal de 1988, o período da licença-maternidade foi ampliado para 120 dias, conforme seu art. 7º, VXIIi. Logo os 36 dias adicionais de licença, passou a ser responsabilidade do empregador, devendo por ele ser pago, uma vez que os 36 dias eram considerados como direito trabalhista.4 isso ocorreu devido à ausência de norma regulamentadora, época em que foi editada a OJ n. 44 da Sdi-1, ainda não revogada.5

Todavia, com as leis ns. 8.212/91 e 8.213/91, que criaram os novos Planos de Custeio e benefícios da Seguridade Social, todo o período da licença passou a ser acobertado pela Previdência Social, sendo 28 dias antes e 92 depois do parto, art. 71 da lei n. 8.213/91.6 desta forma, sua natureza jurídica passou a ser estritamente previdenciária.7 além do mais, a empregada licenciada recebe o mesmo salário que percebera quando em atividade, alcançando também as mães adotivas.

Sobre o assunto ensina-nos o professor Mauricio godinho delgado:

Essa antiga sistemática (natureza trabalhista do salário-maternidade e não-previdenciária, sendo devido, pois, diretamente pelo empregador) ocorreu nas décadas anteriores à vigência da lei n. 6.136/74, por força da incidência dos arts. 392 e 394, da Clt. A mesma sistemática (assunção da parcela pelo empregador) teria se repetido no período situado entre a Constituição de 1988 e a lei n. 8.213/91, exclusivamente com respeito ao lapso temporal mais amplo de afastamento previsto pela Constituição em contraponto com a Clt (120 dias versus 84 dias: 36 dias) . É que até o surgimento da lei n. 8.213/91, a Previdência oficial não podia responder pelos 36 dias de acréscimo de licença-maternidade assegurados pelo novo texto Máximo. De todo modo, com a emergência da lei n. 8.213 de 1991, superou-se a controvérsia, uma vez que a Previdência oficial assumiu toda a responsabilidade pelo novo lapso temporal de afastamento criado pela nova Constituição.8

Nesse sentido o entendimento esposado pelo STF no julgamento da adi 1946/DF.

DIREITO CONSTITUCIONAL, PREVIDENCIÁRIO e PROCESSUAL CIVIL. LICENça--GESTANTE. SALÁRIO. LIMITAção. Ação DIRETA de INCONSTITUCIONALIDADE do ART. 14 da EMENDA CONSTITUCIONAL n. 20, de 15.12.1998. ALEGAção de VIOLAção ao DISPOSTO NOS ARTS. 3º, Iv, 5º, I, 7º, XVIII, e 60, § 4º, Iv, da CONSTITUIção Federal. 1. O legislador brasileiro, a partir de 1932, e mais claramente desde 1974, vem tratando o problema da proteção à gestante, cada vez menos como um encargo trabalhista (do empregador) e cada vez mais como de natureza previdenciária. Essa orientação foi mantida mesmo após a Constituição de 05/10/1988, cujo art. 6º determina: a proteção à maternidade deve ser realizada "na forma desta Constituição", ou seja, nos termos

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previstos em seu art. 7º, VXIIi: "licença à gestante, sem prejuízo do empregado e do salário, com a duração de cento e vinte dias". 2. Diante desse quadro histórico, não é de se presumir que o legislador constituinte derivado, na emenda 20/98, mais precisamente em seu art. 14, haja pretendido a revogação, ainda que implícita, do art. 7º, VXIIi, da Constituição Federal originária. Se esse tivesse sido o objetivo da norma constitucional derivada, por certo a EC n. N. 20/98 conteria referência expressa a respeito. E, à falta de norma constitucional derivada, revogadora do art. 7º, VXIIi, a pura e simples aplicação do art. 14 da EC n. 20/98, de modo a torná-la insubsistente, implicará um retrocesso histórico, em matéria social-previdenciária, que não se pode presumir desejado. 3. Na verdade, se se entender que a Previdência Social, doravante, responderá apenas por R$1.200,00 (hum mil e duzentos reais) por mês, durante a licença da gestante, e que o empregador responderá, sozinho, pelo restante, ficará sobremaneira facilitada e estimulada a opção deste pelo trabalhador masculino, ao invés da mulher trabalhadora. Estará, então, propiciada a discriminação que a Constituição buscou combater, quando proibiu diferença de salários, de exercício de funções e de critérios de admissão, por motivo de sexo (art. 7º, inc. XXX, da CF/88) , proibição que, em substância, é um desdobramento do princípio da igualdade de direitos, entre homens e mulheres, previsto no inciso i do art. 5º da Constituição Federal. Estará, ainda, conclamado o empregador a oferecer à mulher trabalhadora, quaisquer que sejam suas aptidões, salário nunca superior a R$1.200,00, para não ter de responder pela diferença. Não é crível que o constituinte derivado, de 1998, tenha chegado a esse ponto, na chamada Reforma da Previdência Social, desatento a tais consequências. Ao menos não é de se presumir que o tenha feito, sem o dizer expressamente, assumindo a grave responsabilidade. 4. A convicção firmada, por ocasião do deferimento da Medida Cautelar, com adesão de todos os demais Ministros, ficou agora, ao ensejo deste julgamento de mérito, reforçada substancialmente no parecer da Procuradoria geral da República. 5. Reiteradas as considerações feitas nos votos, então proferidos, e nessa manifestação do Ministério Público federal, a ação direta de inconstitucionalidade é julgada procedente, em parte, para se dar, ao art. 14 da emenda Constitucional n. 20, de 15.12.1998, interpretação conforme à Constituição, excluindo-se sua aplicação ao salário da licença gestante, a que se refere o art. 7º, inciso VXIIi, da Constituição Federal. 6. Plenário. Decisão unânime.(STF; ADI n. 1.946; DF; Tribunal Pleno; Rel. Min.Sydney Sanches; julg. 3.4.2003; DJU 16.5.2003. p.90) .

Assim, com a Previdência Social cobrindo todo o período da licença-maternidade, teve como desfecho um maior número de contratação de empregadas, diminuindo a discriminação da contratação de mulheres, que até então eram vistas aos olhos dos empregadores...

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