A Imunidade de Jurisdição dos Estados à Luz da Jurisprudência da Corte Europeia de Direitos Humanos e da Corte Internacional de Justiça

AuthorLeonardo Nemer Caldeira Brant/Bruno de Oliveira Biazatti
Pages100-125
XI ANUÁRIO BRASILEIRO DE DIREITO INTERNACIONAL
Anuário Brasileiro de Direito Internacional, ISSN 1980-9484, vol.1, n.20, jan. de 2016, pp.100-125.
100
A IMUNIDADE DE JURISDIÇÃO DOS ESTADOS À LUZ DA
JURISPRUDÊNCIA DA CORTE EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS E
DA CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA
JURISDICTIONAL IMMUNITIES OF THE STATE VIEWED FROM THE
CASE-LAW OF THE EUROPEAN COURT OF HUMAN RIGHTS AND THE
INTERNATIONAL COURT OF JUSTICE
Leonardo Nemer Caldeira Brant1
Bruno de Oliveira Biazatti2
RESUMO
A imunidade dos Estados perante cortes estrangeiras é tema que produz grande
debate entre juristas e também Estados. A questão se tornou ainda mais complexa
e fascinante com o processo de humanização do Direito Internacional, que permitiu
questionar a aplicabilidade da imunidade aos Estados que cometeram graves violações
dos direitos humanos, especialmente normas do jus cogens. O presente artigo pretende
  
de apontar os argumentos que afastam a sua aplicação em litígios envolvendo violações
graves dos direitos da pessoa humana. Para tanto, dois casos terão maior relevância: o
Caso Al-Adsani v. Reino Unido, da Corte Europeia de Direitos Humanos, e o Caso das
Imunidades Jurisdicionais, da Corte Internacional de Justiça.
Palavras-chave: Imunidade jurisdicional dos Estados; Humanização do Direito
Internacional; Corte Europeia de Direitos Humanos; Corte Internacional de Justiça;
normas do jus cogens; direito humano ao acesso à justiça; direito humano à reparação.
ABSTRACT
Immunity of States before foreign courts is a question that produces great debate
among scholars and States. The subject became even more complex and fascinating
after the process of humanization of International Law, because it would allow one
1 Doutor em Direito Internacional pela Université Paris X Nanterre, com tese laureada com o Prix du Ministère
de la Recherche. Jurista Adjunto na Corte Internacional de Justiça-CIJ. Membro do Comitê Consultivo para
Nomeações do Tribunal Penal Internacional - TPI. Professor associado de Direito Internacional Público
da UFMG e da PUC MINAS. Professor convidado na Université Paris X, no Institut des Hautes Études
Internationales da Université Panthéon-Assas Paris II, na Université Caen Basse-Normandie, e no XXXVII
Curso de Direito Internacional da OEA. Visiting Fellow no Lauterpacht Center da Cambridge University.
Presidente e fundador do Centro de Direito Internacional- CEDIN. Editor Chefe do Anuário Brasileiro de
Direito Internacional- ABDI.
2 Pesquisador do Centro de Direito Internacional - CEDIN.
Anuário Brasileiro de Direito Internacional, ISSN 1980-9484, vol.1, n.20, jan. de 2016, pp.100-125.
A Imunidade de Jurisdição dos Estados à Luz da Jurisprudência da Corte Europeia de Direitos Humanos e
da Corte Internacional de Justiça
101
to question the applicability of jurisdictional immunity to States that have committed
serious violations of human rights, especially rules of jus cogens. This article aims
to describe the impacts that the humanization of International Law produced in the
jurisdictional immunity in order to point out the arguments that prevent its application
in cases involving gross violations of human rights. To this end, two cases will receive
especial attention: the Al-Adsani v. United Kingdom case, before the European Court
of Human Rights, and the Jurisdictional Immunities of the State case, before the
International Court of Justice.
Keywords: Jurisdictional Immunity of the State; Humanization of International Law;
European Court of Human Rights; International Court of Justice; rules of jus cogens;
human right of access to justice; human right to reparation.
INTRODUÇÃO
A imunidade jurisdicional consiste na restrição do exercício da jurisdição
territorial dos Estados quando outro Estado soberano, sem a sua aceitação, é
demandado como parte ré em um litígio perante um órgão jurisdicional interno3. É,
assim, uma prerrogativa dos Estados soberanos,4 que encontra fundamento no princípio
par in parem non habet imperium5. Segundo esse brocardo, a igualdade soberana e
a independência dos Estados impede que suas controvérsias sejam unilateralmente
resolvidas pelos tribunais domésticos de um deles6.
Historicamente, uma das decisões mais notórias no tocante à imunidade
jurisdicional dos Estados é aquela proferida pela Suprema Corte dos Estados Unidos,
no caso da Escuna Exchange v. M’Faddon, em 1812.7 No acórdão relatado por John
3 MELLO, Celso D. de Albuquerque. Curso de Direito Internacional Público, Vol.I, Rio de Janeiro: Renovar,
  
       
  
da jurisdição do Estado territorial”. (BROWNLIE, Ian. Princípios de Direito Internacional Público, Lisboa:
    
State Immunity from Enforcement Measures”, European Journal of International Law, Vol. 17, No. 4,
2006, 803-836, p.803; SHAW, Malcolm. International Law, 6 ed., Cambridge: Cambridge University Press,
2008, p.697).
4 ARAÚJO, Nadia de. Direito Internacional Privado: Teoria e Prática Brasileira, 5ª ed., Rio de Janeiro:
Renovar, 2011, p.261; MADRUGA FILHO, Atenor Pereira. A Renúncia a Imunidade de Jurisdição pelo
Estado Brasileiro e o Novo Direito da Imunidade de Jurisdição, Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p.107.
5Revista de Informação Legislativa, Vol.19,
n. 76, 1982, 5-64, p.7.
6 BROWNLIE, Ian. Princípios de Direito Internacional Público, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkain,
           
costumeira’ ou mito?”, pp.17-35, p.21. In 
Luiz Manoel (orgs.). Direitos Fundamentais e a Função do Estado nos Planos Interno e Internacional, Vol.
2, Belo Horizonte, Arraes, 2010.
7 Os fatos relevantes ao caso da Escuna Exchange v. M’Faddon remontam a 30 de outubro de 1810, data

To continue reading

Request your trial

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT