A doença pré-existente e a boa-fé objetiva no contrato de seguro de vida

AuthorRaquel Grellet Pereira Bernardi
PositionMestre em Direito Civil Comparado pela PUC-SP; mestre em Direito Comparado pela Samford University-USA

Nos termos do artigo 757 do Código Civil, "(p)elo contrato de seguro, o segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados".

E, nos termos do artigo 765 do mesmo diploma legal, "(o) segurado e o segurador são obrigados a guardar na conclusão e na execução do contrato, a mais estrita boa-fé e veracidade, tanto a respeito do objeto como das circunstâncias e declarações a ele concernentes".

A boa-fé a que se refere o artigo 765 do Código Civil deve ser entendida como boa-fé objetiva, consagrada como princípio pelo artigo 422 do Código Civil1 e aplicável a todas as relações obrigacionais.

O Código Civil brasileiro de 1916, embora não tenha previsto a boa-fé como princípio, referiu-a em inúmeros dispositivos, sempre para o fim de reconhecer a importância da crença do agente de que agia conforme o direito e inclusive para alterar soluções que seriam diversas acaso não fosse considerada a posição psicológica daquele2.

A boa-fé subjetiva impunha ao agente exclusivamente o dever de abster-se de prejudicar e era entendida como o convencimento do agente de que estava agindo de forma correta e de que seu comportamento estava acorde com o Direito.

Por sua vez, a boa-fé objetiva não diz respeito ao estado mental do agente, mas sim ao seu comportamento. A boa-fé objetiva exige que o agente coopere para a consecução dos objetivos do negócio jurídico e constitui elemento de interpretação do contrato3, visando à apreciação da conduta das partes na celebração e na execução de suas obrigações contratuais. Exige-se das partes que se conduzam com lealdade e honestidade, que esclareçam reciprocamente os fatos referentes ao contrato e o conteúdo das cláusulas contratuais, visando à manutenção do equilíbrio contratual e evitando o enriquecimento sem causa4.

Assim como a boa-fé, a veracidade, também exigida pelo artigo 765 do Código Civil, refere-se ao objeto do seguro, às circunstâncias e às declarações referentes ao seu objeto.

Em relação ao contrato de seguro de vida, a veracidade das informações prestadas pelo contratante no preenchimento da proposta adquire importância ímpar, considerando-se que essas declarações serão o fundamento para a aceitação ? ou não ? da proposta pelo segurador e, futuramente, em caso de requerimento de pagamento de indenização, constituirão também o fundamento para a aferição da boa-fé do contratante no momento da contratação do seguro.

A respeito, o artigo 766 do Código Civil estabelece que "(s)e o segurado, por si ou por seu representante, fizer declarações inexatas ou omitir circunstâncias que possam influir na aceitação da proposta ou na taxa do prêmio, perderá o direito à garantia, além de ficar obrigado ao prêmio vencido".

A doença pré-existente à data do preenchimento da proposta do contrato de seguro constitui um dos principais fundamentos para a negativa de pagamento de indenização pela seguradora.

Porque o princípio da boa-fé objetiva deve necessariamente reger a conduta do contratante do seguro, nos termos dos artigos 422 e 765, ambos retro transcritos, nada justifica que o segurador desconfie das declarações prestadas pelo interessado. Rememorada a regra de que a boa-fé é sempre presumida, uma vez prestadas as informações pelo proponente, é de se têlas como verdadeiras, sob a presunção de sua estrita boa-fé, em obediência ao dever legal que lhe é imposto.

Entretanto, se não se exige do segurador que submeta o proponente a exames de saúde prévios ou que imponha ao proponente a condição de apresentação de laudos de exames realizados previamente, também não se proíbe ao segurador que os exija5. E, se este não os exige, assume o risco inerente ao contrato de seguro, à exceção da hipótese de comprovação da má-fé do segurado6.

Para fins de diferenciação dos casos em que a indenização é devida daqueles em que não o é, a verdadeira discussão a respeito da doença préexistente não se refere à sua existência, mas sim ao conhecimento de sua existência pelo segurado e à sua omissão quando do preenchimento da proposta de seguro.

Ou, dito de outra forma, a má-fé do segurado no momento do preenchimento da proposta de seguro, que ofende o disposto nos artigos 422 e 765 do Código Civil e enseja fundamentadamente ao segurador a negativa de pagamento da indenização, não tem por fundamento a comprovação da doença pré-existente àquela data, mas sim a comprovação do conhecimento do segurado a respeito da existência da doença e de sua omissão quando do...

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