Direito e Valor. O Valor da Pessoa Humana.

AuthorAimbere Francisco Torres
1. Introdução

O simples fato de a Constituição Federal Brasileira em seu Título I consagrar como um de seus princípios fundamentais a dignidade da pessoa humana não pode levar-nos à conclusão de que a dignidade tenha, em razão disso, assegurada seu devido respeito e proteção em nosso ordenamento jurídico.

Ao revés, o Poder Judiciário vem encontrando grandes dificuldades em proteger e efetivar a dignidade da pessoa humana e os direitos fundamentais por ela consagrados, principalmente quando a garantira desses direitos guardam relação com as minorias sociais, prova disso é a dificuldade encontrada por parceiros do mesmo sexo em ver reconhecida sua união estável ou mesmo seu direito subjetivo à paternidade.

Não se pode deixar de reconhecer como elemento complicador a efetivação desses direitos à omissão do Poder Legislativo que insiste em ignorar, e com isso, deixando de positivar os novos fenômenos sociais que efetivamente se tornaram uma realidade incontestável no seio de nossa sociedade.

Essa ausência de regramento específico trás como conseqüência uma lacuna em nosso ordenamento jurídico, obrigando o aplicador da lei a utilizar-se da analogia e dos Princípios Gerais de Direitos, a fim de solucionar os conflitos daí decorrentes, estabelecendo-se com isso certa insegurança jurídica, na medida em que a matéria deduzida em juízo pode ser decidida de maneira diversa, devido às influências sócio-culturais e políticas do aplicador da lei.

De outro lado, a ausência de positivação de tais direitos vem se traduzindo na possibilidade da não aplicação do principio da dignidade da pessoa humana e, por conseqüência, de um direito fundamental tendo por base na maioria das vezes simplesmente o preconceito, ou seja, desprovida de qualquer base cientifica.

Daí imperioso estabelecer uma relação entre a dignidade da pessoa humana e os direitos fundamentais, notadamente pelo fato de que a dignidade da pessoa humana vem sendo considerada intrínseca e indissociável de todo e qualquer ser humano.

2. Conceito de dignidade da pessoa humana

Cumpri-nos, em primeiro lugar, estabelecer como premissa o fato de que a Constituição brasileira estabelece a pessoa humana como o sujeito de Direito legitimador de todo o ordenamento jurídico, ou seja, a pessoa humana é o valor máximo da República, afastando-se com isso qualquer convicção calcada nos preceitos dos Estados Totalitários, que têm por base o pressuposto de que os seres humanos são encarados como supérfluos.

Aliás, neste sentido, oportuna é a lição de Celso Lafer na obra A Reconstrução dos Direitos Humanos:

"A convicção, explicitamente assumida pelo totalitarismo, de que os seres humanos são supérfluos e descartáveis, representa uma contestação frontal à idéia do valor da pessoa humana enquanto ?valor-fonte' de todos os valores políticos, sociais e econômicos e, destarte, o fundamento último da legitimidade da ordem jurídica, tal como formulada pela tradição, seja no âmbito do paradigma do Direito Natural, seja no da Filosofia do Direito. O valor da pessoa humana enquanto ?valor-fonte' da ordem de vida em sociedade encontra a sua expressão jurídica nos direitos fundamentais do homem." (1988, p. 19 e 20).

Pelo mesmo motivo não mais encontra em nosso ordenamento jurídico espaço para o entendimento filosófico e político da Antigüidade clássica, no sentido de que:

"A dignidade da pessoa humana dizia, em regra, com a posição social ocupada pelo individuo e seu grau de reconhecimento pelos demais membros da comunidade, daí poder falar-se em quantificação e modulação da dignidade, no sentido de se admitir a existência de pessoas mais dignas ou menos dignas." (Sarlet, 2.000, p. 30).

Foi com o pensamento estóico que a dignidade da pessoa humana ganhou os contornos hodiernos ao considerá-la:

"A qualidade que, por ser inerente ao ser humano, o distinguia das demais criaturas, no sentido de que todos os seres humanos são dotados da mesma dignidade, noção esta que se encontra, por sua vez, intimamente ligada à noção da liberdade pessoal de cada indivíduo, (o Homem como ser livre e responsável por seus atos e seu destino) bem como à idéia de que todos os seres humanos, no que diz com sua natureza, são iguais em dignidade." (Sarlet, 2000, p. 30)

Vê-se, pois, que a essência de tal pensamento era o de justificar a idéia de superioridade e grandeza do homem em relação aos demais seres, por ser o homem a imagem e semelhança de Deus, segundo o pensamento de Thomas de Aquino.

Logo a idéia de dignidade humana deve ser buscada em função de um Direito Natural, posto tratar-se de um direito "comum a todos e, ligados à própria origem da humanidade, representaria um padrão geral, a servir como ponto de Arquimedes na avaliação de qualquer ordem jurídica positiva." (Lafer, 1998, p. 36).

Desde modo inconcebível a tentativa de fundamentação da dignidade humana estribada na qualidade de cristão, católico, protestante, ou na opção sexual da pessoa humana ou ainda na dependência de circunstancias concretas, posto que inerente a todo ser humano, deste modo impossível deixar de reconhece-la até mesmo para o maior dos criminosos, visto sua qualidade de ser humano, pelo simples fato de que a igualdade em dignidade não é um dado.

Na concepção Kantiana a autonomia da vontade é atributo inerente aos seres racionais, constituindo-se no fundamento da dignidade da pessoa humana, com base nesta premissa sustenta que "o Homem, e, duma, maneira geral, todo o ser racional, existe como um fim e si mesmo, não simplesmente como meio para o uso arbitrário desta ou daquela vontade." (In Os Pensadores, p. 134 e 141).

Neste aspecto, oportuna a citação de Kant por Sarlet:

"Ainda segundo Kant, afirmando que a qualidade peculiar e insubstituível da pessoa humana, ?no reino dos fins tem ou um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem um preço, pode pôr-se em vez dela qualquer outra equivalente; mas quando uma coisa está acima de todo o preço, e portanto não permite equivalente, então tem ela dignidade ...'"( 2000, p.33)

Diante disso, evidente a impossibilidade de qualquer tentativa de coisificação ou instrumentalização do ser humano, ou ainda que a dignidade constitua algo a ser conquistado ou dependente de fatores externos, como por exemplo, a prática de atos dignos, por tratar-se de um direito inerente a pessoa humana.

Cumpre salientar ainda, que ao se estabelecer que a dignidade deite suas raízes no direito natural, logo atributo intrínseco da pessoa humana, importa também reconhecer sua irrenunciabilidade...

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