Da liberdade do dissenso à virtuosidade do consenso: a contratualização do sentido do direito na formação do precedente judicial consensual

AuthorPedro Augusto Silveira Freitas
PositionServidor Público no Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, no cargo de Assessor da Terceira Vice-Presidência
Pages643-711
silveiRa FReitas, Pedro Augusto. Da liberdade do dissenso à virtuosidade do consenso: a contratualização
do sentido do direito na formação do precedente judicial consensual.
Revista Iberoamericana de Derecho Procesal. Año 2. Vol. 2. Págs. 643-711. Julio-Diciembre 2023.
resumo: O presente artigo tem o objetivo
de reetir sobre a construção de técnica
processual que permita, efetivamente, a
participação da comunidade jurídica na
formação do precedente judicial. Preten-
de-se, nessa medida, investigar a possibili-
dade jurídica de se realizar negócio jurídico
processual para delimitação consensual das
questões exclusivamente de direito em sede
dos procedimentos de formação concentra-
da de precedentes judiciais, sistematizando,
os requisitos, os limites e os legitimados re-
presentativos dessa negociação processual.
Argumenta-se que esse tipo de negociação
processual tem a potencialidade de demo-
cratizar e de tornar acessíveis os processos
decisórios relativos à atribuição de sentido
abstract: This article aims to reect on the
construction of procedural techniques that
effectively allow the participation of the
legal community in the formation of judi-
cial precedents. In this regard, it intends to
investigate the legal possibility of entering
into procedural legal agreements to achieve
a consensual delimitation of exclusively legal
issues within concentrated procedures for
the formation of judicial precedents, sys-
tematizing the requirements, limits, and le-
gitimate representatives of such procedural
negotiations. It is argued that this type of
procedural negotiation has the potential to
democratize and make accessible the deci-
sion-making processes concerning the inter-
pretation of the law, that is, the procedures
Da liberDaDe Do Dissenso à virtuosiDaDe Do
consenso: a contratualização Do sentiDo Do Direito
na Formação Do PreceDente juDicial consensual
from the freedom of disseNt to the virtue of coNseNsus:
the coNtractualizatioN of the meaNiNg of law iN the
formatioN of coNseNsual Judicial precedeNt
Pedro auGusto siLveira Freitas
Servidor Público no Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais,
no cargo de Assessor da Terceira Vice-Presidência
Data de recebimento: 18 de abril de 2023
Data de aprovação: 2 de junho de 2023
Silveira FreitaS, Pedro Augusto. Da liberdade do dissenso à virtuosidade do consenso: a contratualização
do sentido do direito na formação do precedente judicial consensual.
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ao direito, ou seja, os procedimentos de for-
mação de precedente judicial. A linguagem
e a comunicação se revelam fontes primá-
rias da integração social, por meio das quais
os indivíduos alcançam entendimento mú-
tuo e formam consenso sobre a regulamen-
tação normativa – no particular, de decisões
jurisdicionais sobre o sentido do direito, ou
seja, de precedentes judiciais. Ao nal, pô-
de-se concluir ser possível, à vista do direito
positivo brasileiro, a realização de negócio
jurídico processual para delimitação das
questões de direito subjacentes à formação
do entendimento jurisprudencial, indicando
a transição do precedente exclusivamente
judicial para o precedente consensual.
Palavras-chave: Incerteza do Direito. Pre-
cedente Consensual. Agir comunicativo.
Sociedade Aberta dos Intérpretes. Repre-
sentatividade Adequada. Contratualização
do Sentido do Direito.
sumário: 1. Introdução. 2. Da incerteza do direito ao precedente judicial: a reali-
zação de escolhas jurisdicionais quanto ao sentido adequado do direito. 3. Com-
partilhamento do ato de escolha quanto ao sentido do direito: consensualidade,
cooperação, autonomia negocial coletiva e
iura novit curia
. 4. A construção de
técnicas processuais: efetivação da participação e da representatividade ade-
quada na função de atribuir sentido ao direito. 4.1. Contratualização do sentido
do direito: análise em perspectiva comparada e brasileira quanto aos «acordos
de direito aplicável». 4.2. O sentido do direito como objeto de contratualização:
é possível negociar e contratar o conteúdo semântico dos textos normativos?
4.3. Limites na contratação do sentido do direito: hipóteses absurdas, preser-
vação do valor da justiça, indisponibilidade e inderrogabilidade dos direitos e
proibição de cooptação da jurisdição. 4.4. Legitimados para a contratação:
amici
curiae
como fator de democratização das decisões judiciais e representação
adequada da comunidade jurídica. 4.5. Aspectos procedimentais da contratu-
alização: análise do faseamento procedimental e da ininterrupta scalização e
homologação pela jurisdição. 5. Conclusão. 6. Referências bibliográcas.
for the formation of judicial precedents.
Language and communication are revealed
as primary sources of social integration,
through which individuals achieve mutual
understanding and consensus regarding
normative regulation–particularly judicial
decisions on the interpretation of the law,
or judicial precedents. In conclusion, it was
possible to ascertain that, according to Bra-
zilian positive law, procedural legal agree-
ments can be made to delimit legal issues
underlying the formation of jurisprudential
understanding, indicating a transition from
exclusively judicial precedents to consensual
precedents.
KeyworDs: Legal Uncertainty. Consensual
Precedent. Communicative Action. Open So-
ciety of Interpreters. Adequate Representa-
tion. Contractualization of the Meaning of
Law.
Silveira FreitaS, Pedro Augusto. Da liberdade do dissenso à virtuosidade do consenso: a contratualização
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645Doctrina
1. introdução
O direito é incerto. A linguagem jurídica é composta de textura
aberta, o que implica a existência de uma nova forma de conf‌lito, qual
seja, aquele por meio do qual se disputa a interpretação e o sentido
mais adequados dos textos normativos. Diante da equivocidade da lin-
guagem jurídica, a jurisdição foi incumbida da função de editar prece-
dentes judiciais formalmente vinculantes, por meio dos quais são reali-
zadas escolhas quanto ao sentido mais adequado para o direito.
«A estrita correspondência entre vinculação (à Constituição)
e legitimação para a interpretação perde, todavia, o seu poder
de expressão quando se consideram os novos conhecimentos da
teoria da interpretação: interpretação é um processo aberto. Não
é, pois, um processo de passiva submissão, nem se confunde com
a recepção de uma ordem. A interpretação conhece possibilidades
e alternativas diversas. A vinculação se converte em liberdade na
medida em que se reconhece que a nova orientação hermenêutica
consegue contrariar a ideologia da subsunção. A ampliação do
círculo dos intérpretes aqui sustentada é apenas a consequência
da necessidade, por todos defendida, de integração da realidade
no processo de interpretação. É que os intérpretes em sentido
amplo compõem essa realidade pluralista. Se se reconhece
que a norma não é uma decisão prévia, simples e acabada, há
de se indagar sobre os participantes no seu desenvolvimento
funcional, sobre as forças ativas da law in public action
(personalização, pluralização da interpretação constitucional!)»
HÄRBELE, Peter. Hermenêutica constitucional. A sociedade
aberta dos intérpretes da constituição: contribuição para a interpretação
pluralista e «procedimental» da Constituição. Trad. Gilmar Ferreira
Mendes. Porto Alegre: S.A. Fabris, 1997, p. 30-31..

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