A 'cura gay' sob a ótica dos direitos humanos e sexuais: questões jurídicas acerca das terapias de reorientação sexual no Brasil

AuthorVictor Hugo Streit Vieira
PositionGraduando em Direito pela Universidade Federal do Paraná (Curitiba, Brasil)
Pages121-147
Licenciado bajo Licencia Creative Commons
Licensed under Creative Commons
Revista Eurolatinoamericana
de Derecho Administrativo
ISSN 2362-583X
A “curagay” sob a ótica dos direitos humanos e sexuais:
questões jurídicas acercadas terapias de reorientação
sexual no Brasil
The “gay cure” from the perspective of human and sexual rights:
legal questions about sexual reorientation therapies in Brazil
VICTOR HUGO STREIT VIEIRAI, *
I Universidade Federal do Paraná (Brasil)
victorhsvieira@hotmail.com
https://orcid.org/0000-0002-0262-0284
Recibido el/Received: 15.12.2019 / December 15th, 2019
Aprobado el/Approved: 23.01.2020 / January 23rd, 2020
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Como citar este artículo | How to cite this article: VIEIRA, Victor Hugo Streit. A “cura gay” sob a ótica dos direitos humanos e
sexuais: questões jurídicas acerca das terapias de reorientação sexual no Brasil. Revista Eurolatinoamericana de Derecho
Administrativo, Santa Fe, vol. 6, n. 1, p. 121-147, ene. /jun. 2019. DOI: 10.14409/redoeda.v6i1.8757
* Graduando em Direito pela Universidade Federal do Paraná (Curitiba, Brasil). Graduado em Artes Cênicas pela Universidade
Estadual do Paraná (Curitiba, Brasil); Membro do Núcleo de Estudos em Sistemas de Direitos Humanos (NESIDH) da Universidade
Federal do Paraná, coordenado pela professora Melina Girardi Fachin.
RESUMO:
A proposta deste trabalho é analisar as controvérsias
acerca da Resolução 01/99 do Conselho Federal de Psi-
cologia, ato normativo que proibiu psicólogos de pra-
ticarem as chamadas terapias de reorientação sexual,
popularizadas como “cura gay”. A partir dos conceitos de
direitos sexuais e políticas sexuais, entendidos aqui como
pressupostos necessários para uma compreensão mais
holística da gestão social da questão no Brasil, tomou-se
como foco os recentes embates em torno da Resolução
01/99 no âmbito do poder judiciário, abordando-se a le-
gítima competência normativa do CFP para a edição do
ato, assim como sua efetiva constitucionalidade material,
sob a ótica do direito constitucional interno e também
dos Sistemas Universal e Interamericano de Proteção aos
Direitos Humanos. Tratou-se ainda da questão especí-
ca da homossexualidade egodistônica, sua retirada das
principais classicações internacionais de doenças e as
perspectivas de práticas terapêuticas apropriadas. A pes-
quisa se deu através de revisão bibliográca orientada
ABSTRACT:
The purpose of this paper is to analyze the controversies
about Resolution 01/99 of the Federal Council of Psycholo-
gy, a normative act that forbade psychologists to practice
the so-called sexual reorientation therapies, popularized
as “gay cure”. From the concepts of sexual rights and sexual
politics, understood here as necessary presuppositions for
a more holistic understanding of the social management
of the issue in Brazil, the recent clashes around Resolution
01/99 within the scope of the judiciary have been focused,
addressing CFP’s legitimate normative competence for the
edition of the act, as well as its eective material constitu-
tionality, from the perspective of internal constitutional law
and also of the Universal and Inter-American Human Rights
Protection Systems. It was also addressed the specic issue
of egodistonic homosexuality, its removal from the main
international classications of diseases and the prospects
of appropriate therapeutic practices. The research was con-
ducted through a literature review oriented on the issue,
searching documents and jurisprudence of internal and
R. E . D  A., Sant a Fe, vol. 6, n. 1 , p. 121-147, ene. /jun. 2019.
DOI: 10.14409/redoeda.v6i1.8757
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SUMÁRIO:
1. Introdução; 2. Direitos e Políticas Sexuais; 3. Revogação da Resolução 01/99 no âm-
bito judiciário; 3.1 Competência normativa do CFP para edição da Resolução 01/99;
3.2. Constitucionalidade material da Resolução 01/99; 3.3. Homossexualidade egodis-
tônica; 4. Conclusão e resultados. 5. Referências.
1. INTRODUÇÃO
Em consonância com os princípios da não-discriminação e da promoção do bem-
-estar das pessoas e da humanidade, os quais compõem o rol de princípios éticos da
prossão de psicólogo1, em 1999 o Conselho Federal de Psicologia (CFP) estabeleceu
normas de atuação para os prossionais da área acerca da orientação sexual, através
da Resolução nº 01/19992. A diretriz proíbe práticas que favoreçam a patologização da
homossexualidade e ainda prevê que os psicólogos devem contribuir para o m das es-
tigmatizações e discriminações contra homossexuais3. Em seus dois dispositivos mais
questionados, a resolução dispõe:
Art. 3° - os psicólogos não exercerão qualquer ação que favoreça a patologização de
comportamentos ou práticas homoeróticas, nem adotarão ação coercitiva tendente a
orientar homossexuais para tratamentos não solicitados. Parágrafo único - Os psicó-
logos não colaborarão com eventos e serviços que proponham tratamento e cura das
homossexualidades. Art. 4° - Os psicólogos não se pronunciarão, nem participarão de
pronunciamentos públicos, nos meios de comunicação de massa, de modo a reforçar os
1 CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. Código de Ética Prossional do Psicólogo, Disponível em:
site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2012/07/Co%CC%81digo-de-%C3%89tica.pdf>. p. 7.
2 CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. Resolução nº 01/99. Estabelece normas de atuação para os psicólogos
em relação à Orientação sexual. Disponível em:
resolucao1999_1.pdf>.
3 RIOS, Roger Raupp; RESADORI, Alice Hertzog; SILVA, Rodrigo da; VIDOR, Daniel Martins. Laicidade e Conselho
Federal de Psicologia: Dinâmica Institucional e Prossional em Perspectiva Jurídica. Psicologia: Ciência e
Prossão, jan/mar., v. 37, 2017. p. 170.
acerca da questão, busca em documentos e jurisprudên-
cia de órgãos internos e internacionais. Na medida em
que diversas tentativas de revogação da Resolução 01/99
vem ocorrendo nas últimas décadas, seja por via legisla-
tiva ou judicial, evidencia-se a importância do debate em
torno das terapias de reorientação sexual para a defesa
de direitos fundamentais.
Palavras-chave: direitos sexuais; cura gay; terapias de
reorientação sexual; resolução CFP 01/99; homossexua-
lidade egodistônica.
international bodies. As several attempts to repeal Resolu-
tion 01/99 have been taking place in recent decades, either
by law or court, the importance of the debate on sexual re-
orientation therapies for the defense of fundamental rights
is evident.
Keywords: sexual rights; gay cure; sexual reorientation
therapies; CFP resolution 01/99; egodistonic homosexuality.
A “curagay ” sob a ótica dos di reitos humanos e s exuais: que stões
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preconceitos sociais existentes em relação aos homossexuais como portadores de qual-
quer desordem psíquica.
As ações que visam modicar a orientação sexual do paciente, promovidas por psi-
cólogas e psicólogos, conguram uma das formas do que especialistas convenciona-
ram chamar de “sexual orientation change eorts 4 (SOCE), descritos pela Associação
Americana de Psicologia5, em estudo sistemático sobre o tema, como:
[...] métodos (por exemplo, técnicas comportamentais, técnicas psicanalíticas, aborda-
gens médicas, abordagens religiosas e espirituais) que visam mudar a orientação sexual
entre pessoas do mesmo sexo para heterossexual, independentemente de prossionais
de saúde mental ou leigos (incluindo prossionais religiosos, líderes religiosos, grupos
sociais e outras redes leigas, como grupos de auto-ajuda) estarem envolvidos6.
Em diversos países da América7, ainda hoje pessoas LGBTI, ou as que são percebidas
como tal, são sujeitas de maneira muitas vezes compulsória (ou mediante falsas preten-
sões) a supostos tratamentos terapêuticos, internadas em clínicas ou acampamentos,
e submetidas a regimes rígidos que normalmente incluem tratamentos desumanos ou
degradantes, incluindo abuso físico e atos de violência sexual como parte dos “proce-
dimentos”. O objetivo das supostas “terapias” é modicar a orientação ou a identidade
dessas pessoas.
Diante desse cenário, o CFP desempenhou no Brasil, através da edição da Resolução
01/99, resistência à homofobia institucional entre psicólogos e também incluiu temá-
ticas sociais inexistentes há algumas décadas entre as prioridades da prossão8, num
movimento que pode ser encaixado dentro da noção de reconhecimento enquanto
reivindicação por justiça, nos termos de Nancy Fraser9. A legitimidade do ato normativo
4 Tentativas de mudança de orientação sexual. Tradução livre.
5 AMERICAN PSYCHOLOGICAL ASSOCIATION. Report of the American Psychological Association Task Force
on Appropriate Therapeutic Responses to Sexual Orientation. 2009. Disponível em:
org/pi/lgbt/resources/therapeutic-response.pdf>. p. 119.
6 No original: “[...]´methods (e.g., behavioral techniques, psychoanalytic techniques, medical approaches,
religious and spiritual approaches) that aim to change a same-sex sexual orientation to heterosexual, regardless
of whether mental health professionals or lay individuals (including religious professionals, religious leaders,
social groups, and other lay networks, such as self-help groups) are involved”. Tradução livre.
7 Até 2015, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH – Comissão Interamericana de Direitos
Humanos. Violência contra pessoas lésbicas, gays, bissexuais, trans e intersexo nas Américas.
Organização dos Estados Americanos. OAS/ Ser.L/V/II.doc. 36/15 rev1. 12 nov 2015, p. 137-139) havia recebido
informação sobre a existência de centros para o “tratamento” de pessoas LGBTI nos seguintes países: Equador,
Peru, República Dominicana e Estados Unidos.
8 TEIXEIRA, Natália Beatriz Viana. “Cura gay é o meu caralho!”: a normalização da homossexualidade e a
Resolução CFP 1/99. Goiânia, 2014, 174 f. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-graduação em Sociologia
da Universidade Federal de Goiás. p. 134.
9 FRASER, Nancy. Reconhecimento sem ética?Lua Nova, São Paulo, n. 70,2007, p. 101-138. Neste sentido,
ainda de acordo com Fraser (p. 109), as reivindicações por reconhecimento objetivam desinstitucionalizar
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se deu em muito pela tendência internacional de despatologização da homossexua-
lidade, cujos marcos decisivos foram, em 1987, quando a Associação de Psiquiatria
Americana retirou completamente a homossexualidade de seu Manual Diagnóstico e
Estatístico de Transtornos Mentais, na edição DSM-III-R, e em 1993, ano em que a Or-
ganização Mundial da Saúde (OMS) retirou o termo homossexualismo da 10ª revisão de
sua Classicação Internacional de Doenças (CID-10)10.
O comportamento homossexual é considerado como um aspecto amplamente pre-
valente da sexualidade humana por pesquisas recentes. O fato de a homossexualidade,
enquanto doença por si só, ter sido removida gradualmente de diversos sistemas de
classicação reete a emergência de padrões de direitos humanos e a falta de evidên-
cia empírica que fundamenta a patologização11.
No entanto, em dinâmica contrária, a Resolução 01/99 vem desde sua publicação
sendo questionada por diversos atores ligados à setores religiosos e a favor das terapias
de reorientação sexual, culminando em tentativas legislativas e jurídicas de revogação
do ato normativo do CFP.
Devido à complexidade e multiplicidade de planos em que ocorrem as lutas em
torno das terapias de reorientação sexual, antes de adentrar à análise das questões ju-
rídicas envolvendo a Resolução 01/99, na primeira parte deste trabalho são abordados
os conceitos de direitos sexuais e políticas sexuais, entendidos aqui como pressupostos
necessários para uma compreensão mais holística de como a gestão social da questão
vem ocorrendo no Brasil. Passa-se então, na segunda parte, para uma análise das con-
trovérsias em torno da Resolução 01/99 no âmbito do poder judiciário, discorrendo
sobre a competência normativa do CFP para edição do referido ato normativo, assim
como a constitucionalidade material deste, a partir de uma perspectiva do direito cons-
titucional interno e também dos Sistemas Universal e Interamericano de Proteção dos
Direitos Humanos. No último tópico, trata-se da questão especíca da homossexualida-
de egodistônica, sua retirada dos principais sistemas internacionais de classicação de
doenças e as perspectivas de práticas terapêuticas apropriadas.
padrões de valoração cultural que impedem a paridade de participação e substituí-los por padrõesque a
promovam”. Segundo a autora, “[...] é injusto que, a alguns indivíduos e grupos, seja negada a condição de
parceiros integrais na interação social, simplesmente em virtude de padrões institucionalizados de valoração
cultural, de cujas construções eles não participaram em condições de igualdade, e os quais depreciam as suas
características distintivas ou as características distintivas que lhes são atribuídas. Deve-se dizer, então, que o
não reconhecimento é errado porque constitui uma forma de subordinação institucionalizada – e, portanto,
uma séria violação da justiça” (p. 112).Por sua vez, a Resolução 01/99, em sua introdução, reconhece “que
há, na sociedade, uma inquietação emtorno de práticas sexuais desviantes da norma estabelecida sócio-
culturalmente” e “que a Psicologia pode e deve contribuir com seu conhecimento para o esclarecimento sobre
as questões da sexualidade, permitindo a superação de preconceitos e discriminações”.
10 TEIXEIRA, 2014, p. 37-42.
11 COCHRAN, S. D. et al. Proposed declassication of disease categories related to sexual orientation in the
International Statistical Classication of Diseases and Related Health Problems (ICD-11).Bull World Health
Organ, 2014, set., vol. 92, p. 672-9. Disponível em:
en/>.
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2. DIREITOS E POLÍTICAS SEXUAIS
A noção contemporânea de direitos sexuais no Brasil se refere, segundo Sérgio Car-
rara12, a “prerrogativas legais relativas ou à sexualidade ou a grupos sociais cujas identi-
dades foram forjadas sobre formas especícas de desejos e de práticas sexuais”.
Atualmente, a luta pelos chamados “direitos LGBTI”, ou pelos direitos relativos ao
que se vem convencionando chamar de “diversidade sexual”, é uma das principais are-
nas em que se desenvolve a política sexual brasileira. Apesar de o foco da presente
pesquisa ser no âmbito dos direitos, faz-se necessário analisar o campo jurídico como
um dispositivo especíco através do qual se implantam e desenvolvem determinadas
políticas. Deve-se, inclusive, ter como pano de fundo o campo político mais abrangente
no qual os processos jurídicos se desenvolvem13.
Por sua vez, o conceito de política sexual abordado por Carrara14 assume relevância
devido a três aspectos: a) possibilita abordar conjuntamente diferentes tipos de ações
sociais estatais ou dirigidas ao Estado, sejam elas “legislações, campanhas sanitárias,
programas educativos, normativas ministeriais, decisões judiciais, diferentes ativismos
ou movimentos sociais etc.”; b) permite analisar processos sociais que se desenvolvem
em múltiplos planos, pois esse conituoso processo de “cidadanização” de diferentes
sujeitos sociais, a partir do qual articulam-se identidades na linguagem do gênero e da
orientação sexual, vem ocorrendo tanto no plano jurídico-político nacional, quanto no
internacional; c) comporta a discussão da natureza complexa e heterogênea das dife-
rentes regulações das práticas erótico-sexuais e das expressões de gênero, regulações,
estas, que são fruto do embate ou do agrupamento de diversos fatores: “ideias cientí-
cas, crenças religiosas, valores morais, princípios jurídicos, posições políticas etc.. Em
suma, a noção de política sexual permite explorar as múltiplas dimensões do que o
autor chama de “gestão social do erótico e do sexual”, além dos diversos, e muitas vezes
contraditórios, “estilos de regulação moral”, tidos como conjuntos singulares de técni-
cas de produção de sujeitos.
Ao examinar as políticas sexuais brasileiras, Carrara15 aponta que um novo regime
secular para a sexualidade emergiu no pós-segunda guerra e passou a ser difundido
no nal do século XX. O que se congurou foi um deslocamento progressivo do cri-
tério que separa o bom e o mau sexo, transferindo-se da reprodução biológica e da
produção eugênica de uma população ou raça sadia para a promoção do bem-estar
individual e coletivo através do bom uso dos prazeres, tendo como base a congruência
com uma suposta verdade interior dos sujeitos, expressa em seus desejos, e o pleno
12 CARRARA, Sérgio. Políticas e Direitos Sexuais no Brasil Contemporâneo. Bagoas – Estudos gays: gêneros e
sexualidades, v. 4, n. 05, 27 nov. 2012. p. 135.
13 Ibid., p. 132-135.
14 Ibid., p. 324.
15 Ibid., p.329-330.
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consentimento em participar das relações sexuais. Em relação ao exercício da sexuali-
dade, passa-se da lógica das obrigações conjugais ou cívicas para a busca da realização
pessoal, da felicidade, da saúde ou do bem-estar. Deixa-se progressivamente de ver o
sexo como uma força siológica incoercível (no caso, o instinto heterossexual repro-
dutivo) para entendê-lo como “uma tecnologia de si, uma técnica que os indivíduos
podem e devem saber manejar para serem mais felizes e realizados”.
É somente a partir desse novo regime secular, instrumentalizado com uma linguagem
sócio jurídica articulada com o viés dos direitos humanos, que surge a armação do di-
reito à não discriminação baseada em orientação sexual e identidade de gênero, ou seja,
a legitimação de diferentes maneiras de viver a sexualidade para além de seus aspectos
reprodutivos. A regulação sexual passa a só ser plenamente justicada quando preserva
ou promove a cidadania ou a saúde (física ou mental) dos indivíduos em questão. Ma-
nifestações de sexualidade e de gênero que sejam consentidas e que não coloquem a
terceiros ou a si próprios em risco podem idealmente pleitear o direito de cidadania16.
É importante ressaltar a primazia da Constituição de 1988 no que tange à política
sexual contemporânea no Brasil, devido ao comprometimento, presente na estrutu-
ra geral da Carta Magna, com o respeito aos direitos humanos e à implementação de
compromissos e recomendações rmados nos tratados internacionais17. É preciso con-
siderá-la como “marco fundamental a partir do qual a sexualidade e a reprodução se
instituem como campo legítimo de exercício de direitos no Brasil”, contribuindo para a
inclusão de nova legislação relativa às minorias sexuais e permitindo o desdobramento
de princípios constitucionais fundamentais, por parte de juízes e tribunais, com o intui-
to de garantir certos direitos18.
Em relação ao legislativo federal brasileiro, este tem se mostrado avesso a legislar
sobre questões relevantes na seara dos direitos LGBTI, podendo-se dizer que o conser-
vadorismo e o imobilismo têm caracterizado a atitude do Congresso Nacional voltada
ao tema. Em grande parte, isso se deve à inuência das religiões cristãs, institucionali-
zadas na atuação dos parlamentares organizados nas chamadas bancadas evangélica
e católica19.
No que tange à atuação do legislativo federal especicamente em relação às terapias
de reorientação sexual, destacam-se o Projeto de Decreto Legislativo nº 1.640/200920
16 CARRARA, 2015, p. 329-332.
17 VIANNA, A.; LACERDA, P. Direitos e políticas sexuais no Brasil: o panorama atual. Rio de Janeiro: CEPESC,
2004, p. 37.
18 Op. cit., 2010, p. 134.
19 Ibid., p. 136-137.
20 BRASIL. Projeto de Decreto Legislativo nº 1.640/2009, de 09 de junho de 2009. Susta a aplicação do parágrafo
único do art. 3º e o art. 4º, da Resolução do Conselho Federal de Psicologia nº 1, de 23 de março de 1999, que
estabelece normas de atuação para os psicólogos em relação à questão da orientação sexual. Disponível em:
.
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e o Projeto de Decreto Legislativo nº 234/201121, também tratado pela sigla PDC e pu-
blicamente conhecido como “Projeto da Cura Gay”, proposto em 2011 na Câmara dos
Deputados com o objetivo de sustar parcialmente a Resolução 01/99. Outras iniciativas,
ainda que não tratassem especicamente de revogar tal ato normativo, também foram
propostas com o objetivo de autorizar a aplicação de terapias que visem auxiliar a mu-
dança de orientação sexual, como o Projeto de Lei nº 2.177-A/200322 e o Projeto de Lei
4.931/201623. Nenhuma das propostas foi aprovada.
De acordo com Marselha Evangelista de Souza24, os atores cristãos vêm efetivando
uma tradução de suas demandas, cunhadas em âmbito religioso, para uma linguagem
secular, em consonância com a noção de pós-secularidade proposta por Jürgen Haber-
mas25. A autora identica mudanças drásticas nos discursos dos evangélicos acerca do
PDC 234/2011, quando comparado com outros embates legislativos passados. Devido
ao posicionamento dos atores contrários aos discursos dos religiosos, pautado numa
noção de secularidade que “determina um afastamento da religião do espaço público,
não cabendo fundamentar o debate político em pressupostos religiosos”26, os evangé-
licos foram inuenciados a adotar novas estratégias, adotando discursos cientícos, ou
seja, se colocando como psicólogos, professores, ativistas de direitos humanos, entre
outros, e tendo a ciência como fundamentação. Esse movimento de tradução do dis-
curso religioso para uma linguagem secular acompanha também os embates em torno
da Cura Gay no âmbito do judiciário.
21 BRASIL. Projeto de Decreto Legislativo nº 234/2011, de 02 de junho de 2011. Susta a aplicação do parágrafo
único do art. 3º e o art. 4º, da Resolução do Conselho Federal de Psicologia nº 1/99 de 23 de março de 1999, que
estabelece normas de atuação para os psicólogos em relação à questão da orientação sexual. Disponível em:
.
22 BRASIL. Projeto de Lei nº 2.177-A/2003, de 08 de outubro de 2003. Cria o programa de auxílio e assistência
à reorientação sexual das pessoas que voluntariamente optarem pela mudança de sua orientação sexual da
homossexualidade para heterossexualidade e dá outras providências. Disponível em:
leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=E808BAE5953AD1D542BFB3F173AEC1E3.node1?co
dteor=368658&lename=Tramitacao-PL+2177/2003>.
23 BRASIL. Projeto de Lei 4.931/2016, de 06 de abril de 2016. Dispõe sobre o direito à modicação da orientação
sexual em atenção a Dignidade Humana. Disponível em:
chadetramitacao?idProposicao=2081600>.
24 SOUZA, Marselha Evangelista de. Evangélicos e Movimento LGBT na esfera pública: a “Cura Gay”
trazendo novas perspectivas. Juiz de Fora, 2016, 84 f. Dissertação (Mestrado) – Setor de Ciência da Religião da
Universidade Federal de Juiz de Fora.
25 HABERMAS, Jürgen. Fé e saber. Tradução de Fernando Costa Mattos. São Paulo: Editora Uneps, 2013.
Segundo o autor (p.14), ambos os lados, tanto o religioso quanto o secular, possuem uma tarefa cooperativa
do estabelecimento de limites inevitavelmente uídos, em que é exigido aceitar a perspectiva do outro. Dos
crentes, é esperado que traduzam suas convicções religiosas para uma linguagem secular antes de tentar, com
seus argumentos, obter o consentimento das maiorias. Já o lado secular precisa se manter sensível para a força
de articulação das linguagens religiosas, para que a religião não seja injustamente excluída da esfera pública, e
a sociedade secular não seja privada de importantes recursos para a criação de sentido, de semântica.
26 Op. cit., p. 60.
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Diante da inércia do legislativo, coube ao judiciário o papel de notavelmente esten-
der direitos antes negados. Sem a adoção de novas leis, os direitos sexuais tornaram-se
exemplo de como, especialmente pela atuação dos constitucionalistas, novos direitos
podem ser criados a partir de princípios gerais27. Através de uma hermenêutica crítica,
construtiva e comprometida, os juízes de direito desempenham importante papel, po-
dendo materializar os direitos humanos e fundamentais consolidados e propiciando a
harmonização, no que tange especicamente à proteção contra a discriminação por
orientação sexual, dos momentos de teoria e prática constitucional28.
Pode-se enquadrar esse movimento contra majoritário exercido pelo judiciário na
concepção de direitos proposta por Ronald Dworkin29, o qual os entende como pode-
rosos trunfos exercidos contra a maioria. Segundo o autor, o alcance dos direitos das
minorias será sempre controverso quando forem direitos importantes, tendo em vista
que os representantes da maioria irão discordar de muitas das reivindicações apresen-
tadas por aquelas e agirão de acordo com suas próprias noções do que são esses direi-
tos30. É o que se evidencia no embate em torno da Resolução 01/99.
Por sua vez, o governo federal brasileiro, com relativa autonomia aos valores vei-
culados pela moral cristã e com grande abertura às pressões da sociedade civil organi-
zada (neste caso, articulando-se com o movimento LGBTI), veio tomando nas últimas
décadas boa parte do protagonismo no desenvolvimento de políticas públicas e na
mobilização de recursos simbólicos e materiais, com o intuito de dar visibilidade a aten-
der às demandas da pauta LGBTI. Essa promoção, iniciada em governos anteriores31
e consolidada no governo Lula32, se estendeu por diferentes ministérios e se tornou
fundamental para a própria organização do movimento33.
Aqui é preciso apontar uma das grandes problemáticas das políticas sexuais - sua
natureza é dinâmica, ou seja, não há propriamente uma sucessão de diferentes regimes
27 CARRARA, 2010. p. 137-139.
28 FACHIN, Luiz Edson; FACHIN, Melina. A proteção dos direitos humanos e a vedação à discriminação por
orientação sexual. In: DIAS, Maria Berenice. Diversidade sexual e direito homoafetivo. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2011, p. 121.
29 DWORKIN, Ronald. Rights as Trumps. In: WALDRON, Jeremy. Theories of Rights, Oxford: Oxford University
Press, 1984, p. 153.
30 DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 314.
31 O governo Fernando Henrique Cardoso estabeleceu políticas de combate contra a AIDS e também inseriu em
dois Planos Nacionais de Direitos Humanos recomendações de combate a todo tipo de discriminação, incluindo
as baseadas em orientação sexual e identidade de gênero (CARRARA, Sérgio. Políticas e Direitos Sexuais no Brasil
Contemporâneo. Bagoas – Estudos gays: gêneros e sexualidades, v. 4, n. 05, 27 nov. 2012. p. 140).
32 Entre outras ações, em 2008 foi realizada em Brasília a primeira Conferência Nacional GLBT – Direitos
Humanos e Políticas Públicas, com mobilização de recursos de estados e municípios por parte do Governo
Federal. De acordo com Carrara (CARRARA, Sérgio. Políticas e Direitos Sexuais no Brasil Contemporâneo.
Bagoas – Estudos gays: gêneros e sexualidades, v. 4, n. 05, 27 nov. 2012. p.141), esse momento congurou-
se como o mais amplo processo político nacional relativo a tais grupos até aquele momento.
33 CARRARA, 2010, p. 139-142.
A “curagay ” sob a ótica dos di reitos humanos e s exuais: que stões
jurídic as acercadas t erapias de reor ientação se xual no Brasi l
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no tempo, mas sim uma tensa convivência no cenário contemporâneo. Falar de um
processo histórico de transformação é também falar da maneira como ele é “tecido
lentamente, através de continuidades, rupturas”34. Os diversos embates em torno da
Resolução 01/99 do CFP e a conjuntura política brasileira atual são exemplos disso.
Em resposta ao julgamento do STF que enquadrou a homofobia e a transfobia na
lei dos crimes de racismo em junho de 201935, o atual presidente Jair Bolsonaro decla-
rou que considera a decisão um equívoco e reiterou seu compromisso de indicar um
ministro “terrivelmente” evangélico para o STF36. Bolsonaro, conhecido por suas decla-
rações LGBTIfóbicas e por sua agenda contrária às pautas de gênero e sexualidade e aos
direitos humanos como um todo37, recebe grande apoio de grupos evangélicos. Seu
governo representa uma ruptura na transição para o novo regime de políticas sexuais
desenhado por Carrara.
Esse cenário aponta para uma das consequências passíveis de se atribuir à for-
malização da luta política na linguagem dos direitos, ou seja, dessa espécie de judi-
cialização da política ou ativismo judicial, como se convencionou chamar. A crença
utópica de que a justiça resolverá todos os problemas da sociedade pode ocultar o
aspecto “utuante” do signicado dos direitos humanos, visto que a xação de seu
conteúdo se dá por via extrajurídica, política por sua essência38. A partir de casos
onde há ausência de proteção normativa especíca, como em relação ao direito à
livre orientação sexual39, é possível compreender a constante “(re)construção” dos
34 CARRARA, Sérgio. Moralidades, racionalidades e políticas sexuais no brasil contemporâneo.Mana,Rio de
Janeiro, v. 21,n. 2,p. 323-345, Aug. 2015. p. 333.
35 Por seu caráter recente, e pela complexidade dos debates em torno da questão, tal decisão não será
abordada neste trabalho, visto que merece dedicação exclusiva.
36 FERNANDES, Talita. Bolsonaro diz que STF ‘se equivocou’ ao criminalizar homofobia e volta a defender
ministro evangélico. Folha de São Paulo. 14 jun 2019. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/
cotidiano/2019/06/bolsonaro-diz-que-stf-se-equivocou-ao-criminalizar-homofobia-e-volta-a-defender-
ministro-evangelico.shtml>. Acesso em: 22 jul 2019. No mesmo sentido, declarou o presidente poucos dias
antes: “Muitos tentam nos deixar de lado dizendo que o estado é laico. O estado é laico, mas nós somos cristãos. Ou para
plagiar a minha querida Damares [Alves, ministra]: Nós somos terrivelmente cristãos. E esse espírito deve estar presente
em todos os poderes. Por isso, o meu compromisso: poderei indicar dois ministros para o Supremo Tribunal Federal
[STF]. Um deles será terrivelmente evangélico” (MAZUI, Fernanda Calgaro. Bolsonaro diz que vai indicar ministro
‘terrivelmente evangélico’ para o STF. G1. 10 jul 2019. Disponível em: <https://g1.globo.com/politica/
noticia/2019/07/10/bolsonaro-diz-que-vai-indicar-ministro-terrivelmente-evangelico-para-o-stf.ghtml>.
Acesso em: 22 jul 2019).
37 Em âmbito internacional, por exemplo, o Brasil de Bolsonaro tem se alinhado a países islâmicos no que
tange aos direitos sexuais e das mulheres na ONU (DUCHIADE, André. Brasil acompanha países islâmicos
em votações sobre direitos das mulheres e sexuais na ONU. O GLOBO. 07 nov 2019. Disponível em:
<https://oglobo.globo.com/mundo/2019/07/11/2273-brasil-acompanha-paises-islamicos-em-votacoes-
sobre-direitos-das-mulheres-sexuais-na-onu?utm_source=Facebook&utm_medium=Social&utm_campaig
n=O+Globo&fbclid=IwAR1ZV0IjQj-JKxD4Q56yuavud61SZdXaA1YxRTbuE2A1ix4Q7yhhUYkQ60M>. Acesso
em: 22 jul 2019.
38 CARRARA, 2010. p. 143.
39 “A capacidade de autodeterminação da escolha sexual individual, conferida pelo constituinte, deriva da
interpretação sistêmica e evolutiva do texto constitucional, em especial no que tange à proteção da dignidade
Victor Hug o Streit Viei ra
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signicados de princípios e regras de direitos humanos, os quais se alteram conforme
a conjuntura espaço-temporal40.
Neste sentido, a indicação de um ministro evangélico ao STF por Bolsonaro revela
justamente uma disputa pela construção desse conteúdo. Representa, também, uma
possível afronta à laicidade do Estado brasileiro41, a qual busca viabilizar “a igualdade
de todos diante do Estado, ao tornar argumentos religiosos não somente irrelevantes
no processo de deliberação estatal, como também proscrevê-los”, ou seja, a liação re-
ligiosa de um ministro da Corte Suprema não deveria ter relevância alguma à sua no-
meação ao cargo, tendo em vista que não é admitido que atos estatais tenham como
fundamento crenças religiosas42.
A construção da noção de direitos das minorias sexuais e a atuação do judiciário
para a defesa de direitos fundamentais destas se fazem necessárias diante das múltiplas
situações envolvendo a discriminação de pessoas LGBTI. Torna-se evidente a relevância,
portanto, dessa elaboração que se dá através de tentativas de extensão de direitos civis
consagrados aos heterossexuais (como no julgamento da ADI 4.277 e da ADPF 132 em
2011, quando foi reconhecida a união estável homoafetiva)43, ou da promulgação de
humana, art. 1.º, III, e do princípio da igualdade, art. 5.º, caput” (FACHIN, Luiz Edson; FACHIN, Melina. A proteção
dos direitos humanos e a vedação à discriminação por orientação sexual. In: DIAS, Maria Berenice. Diversidade
sexual e direito homoafetivo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 118).
40 Ibid., p. 117.
41 De acordo com Roger Raupp Rios e outros autores (RIOS, Roger Raupp; RESADORI, Alice Hertzog; SILVA, Rodrigo
da; VIDOR, Daniel Martins. Laicidade e Conselho Federal de Psicologia: Dinâmica Institucional e Prossional
em Perspectiva Jurídica. Psicologia: Ciência e Prossão. jan/mar. 2017, v. 37. p. 163), a Constituição de 1988
estabeleceu um modelo de laicidade pluriconfessional, o que signica que “o resultado do processo constituinte
foi a armação do Estado laico, por meio da separação institucional entre Estado e religião, com possibilidade
de cooperação em determinadas áreas entre o Estado e as igrejas. [...] Este desenho institucional coloca o Brasil
no campo da laicidade, uma vez que seus elementos fundamentais estão presentes: (a) garantia dos direitos
fundamentais de liberdade e de igualdade para todos, sem depender de crença religiosa; (b) neutralidade quanto
ao dado religioso do ponto de vista institucional, pela impossibilidade de argumentos de fé em processos de
deliberação democrática majoritária e na conguração e execução das políticas públicas, ainda que admitida
a cooperação de interesse público e (c) ausência de hostilidade a indivíduos e grupos em virtude de crença
religiosa, conjugada com mecanismos de convivência e de valorização da diversidade religiosa”.
42 RIOS, Roger Raupp; RESADORI, Alice Hertzog; SILVA, Rodrigo da; VIDOR, Daniel Martins. Laicidade e Conselho
Federal de Psicologia: Dinâmica Institucional e Prossional em Perspectiva Jurídica. Psicologia: Ciência e
Prossão. jan/mar. 2017, v. 37. p. 163-164.
43 Sobre a questão do ativismo judicial do STF nesse caso, Glauco Salomão Leite (LEITE, Glauco Salomão.
Jurisdição constitucional, ativismo judicial e minorias: O Supremo Tribunal Federal e o reconhecimento da união
estável homoafetiva. In: FERRAZ, C. V.; LEITE, George S.; LEITE, Glauber S.; LEITE, Glauco S. Manual do direito
homoafetivo. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 39-40): “[...] em razão da omissão do Poder Legislativo, parceiros
homoafetivos encontravam-se na ‘clandestinidade jurídica’, sem a devida proteção estatal a seus direitos
fundamentais. No fundo, cuidava-se de atuação judicial para a defesa de direitos fundamentais de minorias.
Historicamente, esse tem sido um fator de legitimação da jurisdição constitucional. [...] caso se entenda que
a essência da democracia não é a onipotência da maioria, e sim o compromisso permanente entre maiorias e
minorias que se alternam a cada época, a jurisdição constitucional revela-se fundamental para a manutenção
desse equilíbrio. A simples ameaça de a minoria acionar o Tribunal Constitucional já serviria como importante
instrumento para impedir que a maioria viole seus interesses constitucionalmente assegurados”.
A “curagay ” sob a ótica dos di reitos humanos e s exuais: que stões
jurídic as acercadas t erapias de reor ientação se xual no Brasi l
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dispositivos que proíbam diretamente a discriminação44, como a Resolução 01/99 do
CFP, visto que representações recorrentemente assentadas na ideia de doença ou pa-
tologia também se conguram como formas de discriminação por orientação sexual45.
3. REVOGAÇÃO DA RESOLUÇÃO 01/99 NO ÂMBITO JUDI-
CIÁRIO
Na esfera judicial, um dos casos de destaque gira em torno de Rozangela Alves Jus-
tino, missionária evangélica e gura central para a compreensão da questão da “cura
gay” no Brasil em décadas recentes. Justino foi a primeira psicóloga a ser penalizada
com censura pública46 por descumprimento da Resolução 01/99. Tendo sido vincula-
da a organizações que se utilizam da psicologia articulando-a a uma orientação cristã
conservadora47, conquistou notoriedade especialmente devido à exposição midiática
decorrente de seus posicionamentos acerca da questão homossexual, tendo sido tema
de reportagens e concedido entrevistas em grandes veículos de imprensa, nos quais
foram abordados seu discurso e prática a respeito das propostas de reversão sexual, os
quais consistiam basicamente em tratar aqueles que desejassem deixar a homossexua-
lidade48. Com forte atuação política, em 2016 Rozangela passou a ocupar um cargo no
gabinete do deputado federal evangélico Sóstenes Cavalcante49 e em 2019 lançou uma
chapa para o Conselho Federal de Psicologia50.
44 VIANNA, A.; LACERDA, P. Direitos e políticas sexuais no Brasil: o panorama atual. Rio de Janeiro: CEPESC,
2004. p. 51.
45 Ibid., p.61.
46 A ação de censura pública contra Justino foi tomada pelo Conselho Regional de Psicologia da 5ª Região em
2009. Justino recorreu ao Conselho Federal de Psicologia, o qual manteve a decisão em sua Plenária Ética em
julho do mesmo ano, após julgamento de Mandado de Segurança (BRASIL. Tribunal Regional Federal da 1ª
Região. Mandado de Segurança Nº 2009.34.00.024326-5) impetrado pela defesa de Justino visando suspender
e anular a Resolução 01/99, pedidos negados pela 15ª Vara Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal
(TEIXEIRA, Natália Beatriz Viana. “Cura gay é o meu caralho!”: a normalização da homossexualidade e a
Resolução CFP 1/99. Goiânia, 2014, 174 f. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-graduação em Sociologia
da Universidade Federal de Goiás. p.72).
47 Filiada ao Corpo dos Psicólogos e Psiquiatras Cristãos (CPPC), Justino também foi uma das fundadoras do Exodus
Brasil, representante brasileiro da organização internacional Exodus Global Alliance, a qual promove as práticas de
reversão sexual, conforme leitura singular da bíblia aliada às abordagens “psi”, a homossexuais insatisfeitos com sua
orientação sexual. Justino também vincula-se à ABRACEH, inicialmente denominada “Associação brasileira de apoio
aos que desejam deixar a homossexualidade”, agora identicada como “Associação de Apoio ao Ser Humano e à
Família”, após mudança de estratégia na apresentação ao longo dos anos (MEDEIROS, Cleber M. Ribeiro de. “Cura
gay” em contextos evangélicos: tensionamentos, deslocamentos e transformações. In: Seminário Internacional
Fazendo Gênero 11& 13thWomen’s Worlds Congress, Anais ..., Florianópolis, 2017, p. 5-6).
48 Ibid., p. 5-6.
49 BERTA, Ruben; MARQUES, George. Autora da ação da “Cura Gay” tem cargo em gabinete de deputado
evangélico. THE INTERCEPT. 19 set 2017. Disponível em: <https://theintercept.com/2017/09/19/autora-da-
acao-da-cura-gay-tem-cargo-em-gabinete-de -deputado-evangelico/>. Acesso em: 27 jun. 2019.
50 FARIAS, Victor. Sob vaias, defensora da ‘cura gay’ lança chapa para Conselho Federal de Psicologia. O GLOBO.
Disponível em: <https://oglobo.globo.com/sociedade/sob-vaias-defensora-da-cura-gay-lanca-chapa-para-
conselho-federal-de-psicologia-23718825>. Acesso em: 27 jun. 2019.
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Em agosto de 2017, Rozangela e outros psicólogos entraram com uma Ação Po-
pular51 que tramitou na 14ª Vara Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal, no-
vamente buscando sustar os efeitos da Resolução nº 01/99. Em dezembro do mesmo
ano, o juízo responsável pelo caso julgou a ação parcialmente procedente, sem revogar
a resolução ou seus dispositivos, mas proibindo que ela seja interpretada de modo a
impedir a atuação de psicólogos na promoção de estudos e atendimentos prossionais
referentes à reorientação sexual, dispensando autorização prévia do CFP e visando ga-
rantir plena liberdade cientíca e prossional acerca da matéria.
Contra a decisão proferida, o CFP acionou o STF em setembro de 2018 através da
Reclamação 31818, alegando usurpação de competência privativa do STF para exercí-
cio do controle abstrato de constitucionalidade de atos normativos federais, por parte
da 14ª Vara Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal. Em decisão monocrática52,
a ministra Cármen Lúcia acolheu liminarmente os pedidos recursais, entendendo que
os propositores da Ação Popular em questão pretenderam a declaração de inconstitu-
cionalidade da Resolução 01/99 enquanto fundamento nuclear do pedido e não como
causa de pedir, o que congura efetiva usurpação de competência53. Também foi pon-
derado, na decisão, a alegação do CFP de que havia perigo atual, difuso e iminente,
tendo em vista que grupos de interesse se aproveitaram da decisão recorrida para pro-
pagar informações de que o judiciário considera a homossexualidade uma doença e de
que a cura já estaria disponível pelos prossionais de psicologia. Suspendeu-se, então,
a tramitação da Ação Popular e todos os efeitos dos atos judiciais nela praticados, man-
tendo-se íntegro, por hora, o ato normativo do CFP.
Ainda há a possibilidade de reapreciação da matéria no julgamento do mérito, o
que torna atual a discussão a respeito da competência normativa do CFP para edição
de resoluções que limitem a atuação dos prossionais da psicologia, assim como a dis-
cussão acerca da constitucionalidade material de tais atos normativos, aspectos abor-
dados nos próximos tópicos.
51 BRASIL. Sentença. Ação Popular nº 1011189-79.2017.4.01.3400. 14ª Vara Federal de Brasília. Juiz Federal:
Waldemar Claudio de Carvalho. Julgado em 15/12/2017. Disponível em
sentenca-cura-gay.pdf>.
52 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Decisão Monocrática. Reclamação nº 31818. Relatora: Min.
Cármen Lúcia. Julgado em 24 abr 2019. Disponível em:
asp?incidente=5544782>.
53 Segundo entendimento do próprio STF, declarado pela relatora Min. Cármen Lúcia na referida decisão, o
controle de constitucionalidade exercido em ações populares e ações civis públicas não congura usurpação
da competência prevista na alínea a do inciso I do art. 102 da CF, contanto que o reconhecimento da
inconstitucionalidade da norma seja tido como fundamento necessário ao deslinde da causa disposta na ação.
A “curagay ” sob a ótica dos di reitos humanos e s exuais: que stões
jurídic as acercadas t erapias de reor ientação se xual no Brasi l
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.. COMPETÊNCIA NORMATIVA DO CFP PARA EDIÇÃO
DA RESOLUÇÃO /
No Brasil, ao invés de avocar a regulação prossional para seus poderes tradicio-
nais, através da criação legislativa o Estado estabelece pessoas jurídicas voltadas para
a regulação e scalização das prossões regulamentadas. Tais conselhos prossionais
são entidades públicas preservadas de interferências diretas dos governos de oca-
sião, compostas pelos próprios prossionais subordinados às normas e ao exercício
do poder de polícia em questão, e com atuação plenamente harmonizada com o Di-
reito Público contemporâneo, o qual admite que órgãos dotados de maior “expertise”
exerçam autoridade pública, sendo uma constante nos conselhos prossionais a ti-
tularidade de poderes normativos, esta reconhecida em diversas oportunidades pelo
próprio STF54.
O objetivo do legislador constituinte, ao optar pela observação de parâmetros de
qualicação técnica para o exercício prossional55, foi o de proteger a sociedade de ati-
vidades prossionais antiéticas e desqualicadas56. Neste sentido, entre as vantagens
da autorregulação promovida pelos integrantes das próprias prossões regulamenta-
das encontram-se: ganhos signicativos na eciência e na racionalidade regulatória,
devida à maior “expertise” do ente regulador; maior aceitabilidade e adesão, por parte
dos prossionais regulados, às normas editadas; legitimação democrática das normas
jurídicas, tendo em vista que os dirigentes dos conselhos prossionais são eleitos pelas
pessoas diretamente sujeitas à regulação. Ocorre também que a heterorregulação esta-
tal não é excluída, pois pode se concentrar em aspectos mais abrangentes ou delicados
da prossão em questão57.
Enquanto órgão de scalização, portanto, o Conselho Federal de Psicologia detém as
atribuições especícas de orientação, scalização e disciplina do exercício prossional,
54 SARMENTO, Daniel. PARECER - A constitucionalidade das resoluções do Conselho Federal de Psicologia
que vedam a patologização de pessoas por conta de sua orientação sexual, expressão ou identidade
de gênero: aspectos constitucionais e processuais. 2018, p. 8-11. Disponível em:
content/uploads/2018/09/Doc.-09-parecer-professor-Daniel-Sarmento.pdf>. Em seu parecer, Sarmento (p. 11-
12) ainda cita os seguintes julgamentos da Corte Suprema: “STF. RE nº 938.837, Tribunal Pleno, Rel. Min. Edson
Fachin, Rel. p/ acórdão Min. Marco Aurélio, julg. em 19/04/2017”; “STF. RE nº 603.583, Tribunal Pleno, Rel. Min.
Marco Aurélio, julg. em 26/10/2011”.
55 Prevista no art. 5º, XIII, da Constituição da República de 1988.
56 RIOS; RESADORI; SILVA; VIDOR, 2017. p. 165.
57 SARMENTO, Daniel. PARECER - A constitucionalidade das resoluções do Conselho Federal de Psicologia
que vedam a patologização de pessoas por conta de sua orientação sexual, expressão ou identidade
de gênero: aspectos constitucionais e processuais. 2018, p. 8-11. Disponível em:
content/uploads/2018/09/Doc.-09-parecer-professor-Daniel-Sarmento.pdf>. p. 13. Importante apontar que a
legislação reguladora da prossão de psicólogo é bastante sintética, basicamente limitando-se a elencar as
funções dos prossionais da área, sendo o principal dispositivo legal a tratar da questão a Lei nº 4.119/62,
regulamentada pelo Decreto nº 53.464/64. De acordo com Sarmento (p.14), isso reforça a opção do legislador,
já anteriormente referida, pelo modelo de autorregulação pública da prossão, em que se reconhece amplo
espaço para a normatização promovida pelo conselho prossional.
Victor Hug o Streit Viei ra
Rev. Eurol atin. Direi to Adm., Sant a Fe, vol. 6, n. 1 , p. 121-147, ene. /jun. 2019.
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assim como de julgar as questões éticas dos seus membros. Apesar de sua natureza
de direito público, o CFP não atua “dentro da estrutura estatal, dada sua personalidade
jurídica destacada de outros órgãos da Administração, fazendo parte da Administração
Indireta, como autarquias”, o que não isenta a entidade de estar sujeita a todos os pre-
ceitos constitucionais dirigidos ao Estado58.
As atribuições basilares do dever de scalização do CFP, conjugadas à sua dinâmica
institucional, estão normatizadas no art. 6º da Lei nº 5.766/197159, a qual instituiu a pró-
pria entidade, e no art. 6º do Decreto nº 79.822/197760, que regulamentou a referida lei.
Segundo tal dispositivo, cabe ao Conselho a função de tribunal superior de ética pro-
ssional, de elaboração de código de ética da prossão – já instituído pela Resolução
Nº 10/0561, e a atribuição de servir como órgão consultivo em matéria de Psicologia62.
Especicamente no art. 6º, alínea b da Lei nº 5.766/7163, está prevista a competência
do CFP para “expedir as resoluções necessárias ao cumprimento das leis em vigor e das
que venham modicar as atribuições e competência dos prossionais de Psicologia”.
É possível concluir, a partir de tais dispositivos apresentados, que as vedações cons-
tantes da Resolução 01/99 tem inequívoco amparo legal, sendo legítimo que o CFP
detenha o poder de edição de normas deontológicas para orientar a categoria dos psi-
cólogos. Além disso, essa resolução apenas reforça, em prol da segurança jurídica64, “a
absoluta incompatibilidade entre a deontologia prossional da psicologia e condutas
que envolvam abordagens patologizantes ou discriminatórias em relação à orientação
sexual homoerótica”65, pois tal incompatibilidade já se agurava em relação ao próprio
58 RIOS; RESADORI; SILVA; VIDOR, 2017, p. 165-167.
59 BRASIL. Lei nº 5.766/1971, de 20 de dezembro de 1971. Cria o Conselho Federal e os Conselhos Regionais
de Psicologia e dá outras providências. Diário Ocial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 20 de
dezembro de 1971. Disponível em: .
60 BRASIL. Decreto nº 79.822/1977, de 17 de junho de 1977. Regulamenta a Lei nº 5.766, de 20 de dezembro
de 1971, que criou o Conselho Federal e os Conselhos Regionais de Psicologia e dá outras providências. Diário
Ocial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 20 de junho de 1977. Disponível em: .
planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1970-1979/D79822.htm>.
61 CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. Código de Ética Prossional do Psicólogo, Disponível em:
site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2012/07/Co%CC%81digo-de-%C3%89tica.pdf>.
62 RIOS; RESADORI; SILVA; VIDOR, 2017. p. 167.
63 BRASIL, 1971.
64 Acerca da natureza jurídica das resoluções, estas se diferenciam dos atos normativos produzidos pelos
Poderes Legislativos e denominados leis em sentido formal, as quais possuem cunho abstrato e genérico.
Por sua vez, as resoluções são emanadas, por exemplo, de pessoas jurídicas de direito público ou órgãos da
administração pública, e se destinam a casos concretos e situações individualizadas, possuindo hierarquia
inferior a das leis. São consideradas leis em sentido material, tendo em vista que não são produzidas pelo
legislativo. No entanto, assim como as leis formais, são consideradas fontes de direito administrativo e
submetem-se aos direitos fundamentais (RIOS et al., 2017, p.167).
65 SARMENTO, Daniel. PARECER - A constitucionalidade das resoluções do Conselho Federal de Psicologia
que vedam a patologização de pessoas por conta de sua orientação sexual, expressão ou identidade
de gênero: aspectos constitucionais e processuais. 2018, p. 8-11. Disponível em:
content/uploads/2018/09/Doc.-09-parecer-professor-Daniel-Sarmento.pdf>. p. 15.
A “curagay ” sob a ótica dos di reitos humanos e s exuais: que stões
jurídic as acercadas t erapias de reor ientação se xual no Brasi l
Rev. Eurol atin. Direi to Adm., Sant a Fe, vol. 6, n. 1 , p. 121-147, ene. /jun. 2019. 135
Código de Ética Prossional do Psicólogo, o qual estipula em seu art. 2º, alíneas a e b, a
proibição de discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, bem como da
indução de preconceitos por meio da prática prossional66.
Em outra ação judicial ajuizada contra a Resolução 01/99, houve decisão unânime
do Tribunal Regional Federal da 2ª Região67 neste mesmo sentido:
I – Os termos da Resolução nº 01/99 [...] apresenta justa coordenação com os
termos da Lei nº 5.766/71, que confere ao referido conselho a atribuição para
orientar, disciplinar e scalizar o exercício da prossão de Psicólogo (art. 6º,
b). II - A Resolução nº 01/99, do Conselho Federal de Psicologia, não promove
inovação da ordem jurídico-legal, realizando, tão somente, um balizamento de
atuação prossional, impedindo a promoção de quaisquer tipos de ação que
impliquem, direta ou indiretamente, o reforço de uma pecha culturalmente se-
dimentada na sociedade no sentido de que a homossexualidade consiste em
doença, distúrbio, transtorno ou perversão.
A própria Câmara dos Deputados, ao arquivar o Projeto de Decreto Legislativo
1.640/200968, o qual também visava sustar a Resolução 01/99, reconheceu que sua
competência normativa congressual não havia sido usurpada, como alegavam os pro-
positores do projeto, e que a regulação da prática prossional na matéria em questão é
de competência normativa dos conselhos de classe69.
.. CONSTITUCIONALIDADE MATERIAL DA RESO-
LUÇÃO /
A falta de reconhecimento gera opressão e sofrimentos, instaura hierarquias e
frustra a autonomia. É indispensável, portanto, um reconhecimento social adequa-
do que propicie a plena realização dos indivíduos e o livre desenvolvimento de suas
66 CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. Código de Ética Prossional do Psicólogo, Disponível em:
site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2012/07/Co%CC%81digo-de-%C3%89tica.pdf>. Acesso em 28 jul. 2019.
67 BRASIL. Tribunal Regional Federal (2ª Região). Acórdão. Apelação Cível nº 0018794-17.2011.4.02.5101. 7ª
Turma, Relator: Des. Fed. Sergio Schwaitzer. Julgado em 02 jun 2016. Disponível em:
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68 BRASIL. Projeto de Decreto Legislativo nº 1.640/2009, de 09 de junho de 2009. Susta a aplicação do parágrafo
único do art. 3º e o art. 4º, da Resolução do Conselho Federal de Psicologia nº 1, de 23 de março de 1999, que
estabelece normas de atuação para os psicólogos em relação à questão da orientação sexual. Disponível em:
.
69 SARMENTO, Daniel. PARECER - A constitucionalidade das resoluções do Conselho Federal de Psicologia
que vedam a patologização de pessoas por conta de sua orientação sexual, expressão ou identidade
de gênero: aspectos constitucionais e processuais. 2018, p. 8-11. Disponível em:
content/uploads/2018/09/Doc.-09-parecer-professor-Daniel-Sarmento.pdf>. p. 16.
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personalidades. Esse é o posicionamento de autores como Daniel Sarmento70 e Nancy
Fraser71, segundo a qual as agressões psicológicas a homossexuais, entre outros danos
causados pelos padrões heteronormativos que provocam desprezo social em relação
à homossexualidade, podem ser consideradas como injustiça por não reconhecimen-
to. A superação dessa injustiça imposta pelo heterossexismo e pela homofobia “requer
uma modicação na ordem do status sexual, desinstitucionalizando os padrões hete-
ronormativos de valor, substituindo-os por padrões que expressem igual respeito para
com gays e lésbicas”.
O que se sustenta aqui é que a Resolução 01/99 se soma a essa mudança proposta
por Fraser. Ela o faz efetivando, em relação aos homossexuais, o direito ao reconheci-
mento intersubjetivo, que resulta dos princípios da igualdade e da dignidade da pessoa
humana, tendo em vista que as práticas nela proibidas, as quais visam “curar” homosse-
xuais, tratam estes como intrinsecamente indignos ao enxergar suas identidades como
doença, além de ainda contribuírem para a manutenção e agravamento do status quo
desigualitário e opressor, especialmente quando revestidas de suposta cienticidade72.
A partir da cláusula de abertura material contida no art. 5º, § 2º da Constituição
Federal73, e através de interpretação sistêmica e evolutiva do texto constitucional, es-
pecialmente no que se refere à proteção da dignidade humana (art. 1º, III, CF) e do
princípio da igualdade (art. 5º, caput, CF) é que se conguram direitos como à livre
70 SARMENTO, Daniel. PARECER - A constitucionalidade das resoluções do Conselho Federal de Psicologia
que vedam a patologização de pessoas por conta de sua orientação sexual, expressão ou identidade
de gênero: aspectos constitucionais e processuais. 2018, p. 8-11. Disponível em:
content/uploads/2018/09/Doc.-09-parecer-professor-Daniel-Sarmento.pdf>. p.26. Junto com a Reclamação
31818, o CFP anexou parecer do jurista Daniel Sarmento, também professor titular de Direito Constitucional
da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, intitulado “A constitucionalidade das resoluções do Conselho
Federal de Psicologia que vedam a patologização de pessoas por conta de sua orientação sexual, expressão
ou identidade de gênero: aspectos constitucionais e processuais”. No documento são elucidados diversos
aspectos jurídicos em torno das Resoluções Nº 01/99 e Nº 01/2018, a primeira estabelecendo regras sobre a
conduta prossional dos psicólogos na temática de orientação sexual, e a segunda nas temáticas de expressão
e identidade de gênero. No documento, Daniel Sarmento discorre sobre questões de competência normativa
da entidade para edição das resoluções, constitucionalidade material dos referidos atos normativos e de
aspectos processuais ligados à impugnação judicial destes. Pela especicidade das questões de expressão e
identidade de gênero, e pelo recorte metodológico adotado na presente pesquisa, não são tratados aqui os
aspectos relacionados à Resolução Nº 01/2018, ainda que ambas as discussões girem em torno praticamente
dos mesmos pontos.
71 FRASER, Nancy. Redistribuição, reconhecimento e participação: por uma concepção integrada da Justiça. In:
SARMENTO, Daniel; IKAWA, Daniela; PIOVESAN, Flávia. Igualdade, diferença e direitos humanos. 2. ed. Rio de
Janeiro: Lúmen Júris, 2010. p. 173.
72 SARMENTO, Daniel. PARECER - A constitucionalidade das resoluções do Conselho Federal de Psicologia
que vedam a patologização de pessoas por conta de sua orientação sexual, expressão ou identidade
de gênero: aspectos constitucionais e processuais. 2018, p. 8-11. Disponível em:
content/uploads/2018/09/Doc.-09-parecer-professor-Daniel-Sarmento.pdf>. p.27-28.
73 “Art. 5º, § 2º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime
e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja
parte” (BRASIL. Constituiçãoda República Federativa do Brasil. Brasília, de 05 de outubro de 1988. Disponível
em: . Acesso em: 09 dez. 2019).
A “curagay ” sob a ótica dos di reitos humanos e s exuais: que stões
jurídic as acercadas t erapias de reor ientação se xual no Brasi l
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orientação sexual e à consequente não discriminação por motivos desta ordem74. A
proibição da discriminação por motivos de sexo (art. 3º, IV, CF) é a previsão constitu-
cional mais próxima a regular a matéria, a qual vem sendo interpretada no seu sen-
tido mais amplo, de modo a também abranger a não discriminação por identidade
sexual, garantindo a fundamentalidade de tais direitos sexuais. As liberdades sexuais
e suas manifestações estão estreitamente relacionadas com o princípio da dignidade
da pessoa humana, logo, enquanto sua emanação direta, inserem-se no rol de direitos
fundamentais75.
Neste sentido, Paulo Roberto Vecchiatti76 entende que é possível extrair do históri-
co julgamento da ADI 4.277 e da ADPF 132 pelo STF em 201177, no qual se reconheceu
a união homoafetiva como entidade familiar e merecedora de proteção jurídica no re-
gime da união estável, que o direito à busca da felicidade, ou à busca da realização do
projeto de vida, encontra-se implícito ao princípio da dignidade da pessoa humana,
assim como a proibição da instrumentalização, com o objetivo de viabilizar o projeto
de sociedade alheio, faz parte do núcleo do referido princípio. De acordo com esse en-
tendimento, é possível concluir que práticas que visam alterar a orientação sexual das
pessoas, para conformá-las ao modelo heteronormativo vigente, conguram uma ins-
trumentalização de indivíduos homossexuais e negam um projeto de vida de acordo
com sua orientação sexual legítima, ferindo sua dignidade e contrariando o reconheci-
mento consolidado pela jurisprudência do próprio STF, principal intérprete institucio-
nal da Constituição.
Na esfera do direito internacional, o princípio da não discriminação está incorpo-
rado na Carta das Nações Unidas, na Declaração Universal de Direitos Humanos e em
todos os principais tratados de direitos humanos. No âmbito do Sistema Universal de
Proteção aos Direitos Humanos, diversos órgãos da ONU já reconheceram a orientação
sexual como uma das categorias de discriminação proibidas78, consideradas no Pacto
74 FACHIN, Luiz Edson; FACHIN, Melina. A proteção dos direitos humanos e a vedação à discriminação por
orientação sexual. In: DIAS, Maria Berenice. Diversidade sexual e direito homoafetivo. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2011. p.118-119.
75 LOPES, Ana Maria D’Ávila; MAIA, Renato Espíndola Freire. Políticas públicas de reconhecimento para a defesa
dos direitos humanos dos homossexuais. Revista de Informação Legislativa, Brasília, v. 49, n. 194, abr./jun,
2012, p. 76-82.
76 VECCHIATTI, Paulo Roberto Iotti. Manual da homoafetividade: da possibilidade jurídica do casamento
civil, da união estável e da adoção por casais homoafetivos. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: MÉTODO, 2012.
77 STF. ADPF nº 132, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ayres Britto, julg. em 05/05/2011. Cf. voto do Ministro Marco
Aurélio (p. 11-12 do acórdão) e voto do Ministro Celso de Mello (p. 35-38 do acórdão).
78 A respeito, conferir, entre outros: Nações Unidas, Declaração sobre os Direitos Humanos, Orientação
Sexual e Identidade de Gênero, Assembleia Geral das Nações Unidas, A/63/635, de 22 de dezembro de
2008, par. 3; Nações Unidas, Comitê de Direitos Humanos, Toonen Vs. Austrália, Comunicação nº 488/1992,
CCPR/C/50/D/488/1992, de 4 de abril de 1992, par. 8.7; Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais,
Observação Geral no 18. O direito ao trabalho, E/C.12/GC/18, de 6 de fevereiro de 2006, par. 12; Nações
Unidas, Comitê dos Direitos da Criança, Observação Geral no 3. O HIV/AIDS e os Direitos da Criança, CRC/
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Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e no Pacto Internacional sobre Direitos Eco-
nômicos, Sociais e Culturais. Em relação especicamente às terapias de reorientação
sexual, o Conselho de Direitos Humanos considerou tais práticas como sendo antiéti-
cas, inecazes e não cientícas, recomendando aos Estados bani-las79. No mesmo sen-
tido, os Princípios de Yogyakarta80, recomendam que os Estados devem “garantir que
qualquer tratamento ou aconselhamento médico ou psicológico não trate, explícita ou
implicitamente, a orientação sexual e identidade de gênero como doenças médicas a
serem tratadas, curadas ou eliminadas” (Princípio 18-f).
Nessa mesma direção envereda o acúmulo consolidado no âmbito do Sistema In-
teramericano de Direitos Humanos81. A Corte Interamericana de Direitos Humanos, no
julgamento do caso Atala Rio e Crianças vs. Chile82, estabeleceu que a discriminação
com base em orientação sexual está incluída nas categorias protegidas pelo artigo
1.1 da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica),
norma de caráter geral que consagra a incompatibilidade entre qualquer tratamento
discriminatório e a Convenção, no que tange ao exercício dos direitos garantidos no
próprio tratado. Não é permitido, portanto, que nenhuma norma, decisão ou prática
de direito interno restrinja os direitos de uma pessoa com base em sua orientação se-
xual, seja por parte de autoridades estatais, seja por particulares. Acerca do princípio
fundamental de igualdade e não discriminação, a Corte ainda salientou sua intrínseca
relação com a dignidade da pessoa humana e que, na atual etapa da evolução do Di-
reito Internacional, tal princípio ingressou no domínio do jus cogens83. Sendo assim, a
partir da interpretação da Corte Interamericana, a mais autorizada intérprete da Con-
venção Americana de Direitos Humanos, as condutas proibidas pela Resoluções 01/99
GC/2003/3, de 17 de março de 2003, par. 8; Nações Unidas, Comitê contra a Tortura, Observação Geral no
2. Aplicação do artigo 2 pelos Estados Partes, CAT/C/GC/2, de 24 de janeiro de 2008, par. 20 e 21; Nações
Unidas, Comitê para a Eliminação da Discriminação contra a Mulher, Recomendação Geral no 27 sobre a
mulher idosa e a proteção de seus direitos humanos, CEDAW/C/GC/27, de 16 de dezembro de 2010, par. 13.
79 HUMAN RIGHTS COUNCIL. Discrimination and violence against individuals based on their sexual
orientation and gender identity, A/HRC/29/23, de 4 de maio de 2015, par. 52 e 78. Disponível em:
www.pgaction.org/inclusion/pdf/resources/2015-05-High-Commissioner-Report.pdf>.
80 Documento de importante relevância, elaborado por renomados especialistas em 2006, para a proteção
internacional dos chamados direitos humanos em relação à orientação sexual e identidade de gênero. Os
Princípios de Yogyakarta (<http://yogyakartaprinciples.org/wp-content/uploads/2016/08/principles_en.pdf>)
consolidam 29 princípios que desdobram as implicações do princípio da não-discriminação numa gama
abrangente de direitos. Em 2017, houve uma ampliação com o documento Yogyakarta Principles Plus 10
(>), através do qual
se incluiu um conjunto de nove princípios adicionais.
81 Sobre a estrutura do Sistema Interamericano de Direitos Humanos, cf. PIOVESAN, Flávia (2006). Direitos
humanos e justiça internacional. São Paulo: Saraiva, p.85-118.
82 CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Atala Rio e Crianças vs. Chile. Sentença de 24
fev 2012. Série C, nº 239, Par. 78, 79, 91 e 93. Disponível em:
seriec_239_por.pdf>.
83 Sobre a temática do jus cogens, cf. FRIEDRICH, Tatyana Scheila (2004). As normas imperativas de direito
internacional público jus cogens. Belo Horizonte: Fórum.
A “curagay ” sob a ótica dos di reitos humanos e s exuais: que stões
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revelam-se também incompatíveis com o referido pacto. Importante ainda destacar,
como ressalta Sarmento84, que tal interpretação é vinculante, “sendo de observância
obrigatória no âmbito interno pelos Estados submetidos à sua jurisdição”.
Numa perspectiva constitucional, o CFP possui não só competência para a edição de
tal ato normativo, conforme visto em sessão prévia deste trabalho, como também detém
o dever de atuar ativamente para combater a discriminação e o preconceito. O papel do
Estado e de entes que desempenham funções públicas não deve ser passivo diante de
discriminação e violações à dignidade humana, uma vez que nestas matérias a Constitui-
ção lhes impôs tanto deveres negativos, de abstenção, quanto obrigações positivas, de
proteção e promoção85, ou seja, a edição da Resolução 01/99 pelo CFP constitui não só
um poder, mas também um indeclinável dever constitucional. Do contrário, a inércia em
proibir comportamentos discriminatórios e atentatórios à dignidade humana e à igual-
dade consistiria em grave ofensa à Constituição. O dever estatal de combater tais ações
pode ser também inferido da decisão do STF na ADPF 132, na qual se proclamou a impor-
tância da proteção à autoestima dos integrantes de minorias sexuais86.
No mesmo diapasão, a Corte Interamericana de Direitos Humanos87 armou a obri-
gação do Estado, consagrada no artigo 2º da CADH, de adotar medidas positivas, sejam
elas legislativas ou de outra natureza, que se façam necessárias para reverter ou mo-
dicar situações de discriminação contra determinado grupo de pessoas. Por sua vez,
a Comissão Interamericana de Direitos Humanos88 recomendou aos Estados, no que
tange especicamente às terapias de reorientação sexual, adotar medidas que garan-
tam, por parte dos órgãos estatais responsáveis, a regulamentação e supervisão dos
84 SARMENTO, Daniel. PARECER - A constitucionalidade das resoluções do Conselho Federal de Psicologia
que vedam a patologização de pessoas por conta de sua orientação sexual, expressão ou identidade
de gênero: aspectos constitucionais e processuais. 2018, p. 8-11. Disponível em:
content/uploads/2018/09/Doc.-09-parecer-professor-Daniel-Sarmento.pdf>. p.38.
85 Nas palavras de Sarmento (SARMENTO, Daniel. PARECER - A constitucionalidade das resoluções do
Conselho Federal de Psicologia que vedam a patologização de pessoas por conta de sua orientação
sexual, expressão ou identidade de gênero: aspectos constitucionais e processuais. 2018, p. 8-11. Disponível
em: . p.33): “Essas obrigações
positivas em favor da inclusão desses grupos [vulneráveis e estigmatizados] derivam, aliás, de objetivos
fundamentais da República, constitucionalmente denidos: ‘construir uma sociedade livre, justa e solidária’;
‘erradicar [...] a marginalização’; ‘promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e
quaisquer outras formas de discriminação’ (art. 3º, incisos I, III e IV, CF)”.
86 SARMENTO, Daniel. PARECER - A constitucionalidade das resoluções do Conselho Federal de Psicologia
que vedam a patologização de pessoas por conta de sua orientação sexual, expressão ou identidade
de gênero: aspectos constitucionais e processuais. 2018, p. 8-11. Disponível em:
content/uploads/2018/09/Doc.-09-parecer-professor-Daniel-Sarmento.pdf>. p.32-34.
87 CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Atala Rio e Crianças vs. Chile. Sentença de 24
fev 2012. Série C, nº 239, Par. 78, 79, 91 e 93. Disponível em:
seriec_239_por.pdf>.
88 COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, Violência Contra Pessoas Lésbicas, Gays,
Bissexuais, Trans e Intersexo nas Américas, OAS/Ser.L/V/II, Doc. 36/15 rev.1, 12 de novembro de 2015, par.
211. Disponível em: .
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prossionais da saúde que oferecem tais práticas, as quais não deveriam ser aceitas
como terapias médicas por representarem uma grave ameaça à saúde das vítimas. A
Comissão também recomendou que sejam disseminadas informações cientícas sobre
os impactos destas práticas na saúde das pessoas.
Importante ainda mencionar outro aspecto relevante da constitucionalidade ma-
terial da Resolução 01/99, o qual se refere ao fato de que são válidas as restrições por
ela aplicadas às liberdades de prossão, expressão e cientíca. Em detalhado exame da
colisão de direitos na presente questão, Sarmento89 identicou que tais restrições são
compatíveis com o princípio da proporcionalidade e se orientam para a promoção da
dignidade da pessoa humana. Na decisão do Juízo da 14ª Vara Federal da Seção Judici-
ária do Distrito Federal, que buscou resguardar as referidas liberdades, esse equaciona-
mento não foi feito de maneira adequada90.
Conclui-se, então, pela constitucionalidade material da Resolução 01/99, funda-
mentada tanto na perspectiva do direito constitucional interno, quanto a partir das po-
sições sedimentadas nos Sistemas Universal e Interamericano de Proteção dos Direitos
Humanos.
.. HOMOSSEXUALIDADE EGODISTÔNICA
A decisão do juízo da 14ª Vara Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal, no
julgamento da Ação Popular Nº 1011189-79.2017.4.01.3400, considerou como perfei-
tamente possível aplicar a resolução 01/99 à proteção dos homossexuais egossintô-
nicos (aqueles que estão satisfeitos com sua orientação sexual), tendo em vista que
os resguarda de “ações coercitivas tendentes a conduzi-los a tratamentos psicológicos
por eles não solicitados”. No entanto, em relação aos homossexuais egodistônicos, psi-
copatologia prevista na categoria F66.1 do CID-1091 e referente aos indivíduos que se
encontram em conito ou indispostos com a própria sexualidade92, foi empregada a
89 SARMENTO, Daniel. PARECER - A constitucionalidade das resoluções do Conselho Federal de Psicologia
que vedam a patologização de pessoas por conta de sua orientação sexual, expressão ou identidade
de gênero: aspectos constitucionais e processuais. 2018, p. 8-11. Disponível em:
content/uploads/2018/09/Doc.-09-parecer-professor-Daniel-Sarmento.pdf>. p. 38-42.
90 Por questões metodológicas, esses aspectos não serão abordados na presente pesquisa. Para um exame
detalhado do equacionamento da colisão dos referidos direitos, com uma adequada aplicação do princípio da
proporcionalidade em seus três aspectos (adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito),
conferir o parecer de Daniel Sarmento (2018, p.38-54) anexado à Reclamação 31818 pelo CFP.
91 A Classicação Estatística I nternacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CID) é
desenvolvida pela organização Mundial da Saúde (OMS).
92 De acordo com a descrição presente no CID 10: “F66Transtornos psicológicos e comportamentais associados
ao desenvolvimento sexual e à sua orientação. Nota: A orientação sexual por si não deve ser vista como um
transtorno. 66.1Orientação sexual egodistônica. Não existe dúvida quanto a identidade ou a preferência
sexual (heterossexualidade, homossexualidade, bissexualidade ou pré-púbere) mas o sujeito desejaria que
isto ocorresse de outra forma devido a transtornos psicológicos ou de comportamento associados a esta
identidade ou a esta preferência e pode buscar tratamento para alterá-la”.
A “curagay ” sob a ótica dos di reitos humanos e s exuais: que stões
jurídic as acercadas t erapias de reor ientação se xual no Brasi l
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técnica da interpretação conforme a Constituição para que a norma não seja aplicada
nestes casos. Nos termos do próprio juízo, a decisão acolheu:
em atenção ao disposto nos arts. 5º, incisos IX, XIII e LXXIII, c/c art. 216, III, da Consti-
tuição Republicana de 1988, o pedido inicial tão somente para determinar ao CFP que se
abstenha de interpretar a Resolução n. 001/1999 de modo a impedir os psicólogos, sem-
pre e somente se forem a tanto solicitados, no exercício da prossão, de promoverem os
debates acadêmicos, estudos (pesquisas) e atendimentos psicoterapêuticos que se ze-
rem necessários à plena investigação cientíca dos transtornos psicológicos e compor-
tamentais associados à orientação sexual egodistônica, previstos no CID – 10 F66.1. 93
Primeiramente cabe apontar que, em relação ao Manual Diagnóstico e Estatístico
de Transtornos Mentais, a homossexualidade egodistônica foi retirada em sua edição
DSM-III-R, em 198794. Quanto ao CID, a desclassicação só ocorreu recentemente, em
2018, na sua 11ª edição95, após a referida decisão judicial. Em consonância com as re-
comendações do Grupo de Trabalho sobre Classicação de Doenças Sexuais e Saúde
Sexual96, organizado durante o processo de elaboração da 11ª revisão do CID, e res-
ponsável por revisar e elaborar recomendações sobre os “Transtornos Psicológicos e
Comportamentais Associados ao Desenvolvimento Sexual e à Sua Orientação” do CID-
10 (codicadas como F66), foram excluídas do CID-11 todas as doenças inseridas nessa
categoria, incluindo a orientação sexual egodistônica (F66.1).
Ainda que o CID-10 constatasse explicitamente que a orientação sexual por si só
não deveria ser considerada como uma doença, as categorias F66 sugeriam a existência
de doenças ligadas principalmente à orientação sexual. Umas das alegações do grupo
de trabalho foi a de que não é possível justicar uma classicação diagnóstica baseada
neste critério, seja de um ponto de vista clínico, de saúde pública ou de pesquisa 97.
Na prática, pouco interesse cientíco foi encontrado em relação a essas categorias,
além de não haver evidências de que elas contribuem para a prestação de serviços
de saúde ou mesmo para a seleção de tratamento, assim como não fornecem infor-
mações essenciais à vigilância da saúde pública. O uso de tais categorias ainda pode
causar danos desnecessários, na medida em que retarda o diagnóstico e o tratamento
precisos, sem contar os diversos abusos de diagnósticos que já foram legitimados pela
93 BRASIL. Sentença. Ação Popular nº 1011189-79.2017.4.01.3400. 14ª Vara Federal de Brasília. Juiz Federal:
Waldemar Claudio de Carvalho. Julgado em 15/12/2017. Disponível em
sentenca-cura-gay.pdf>.
94 TEIXEIRA, Natália Beatriz Viana. “Cura gay é o meu caralho!”: a normalização da homossexualidade e a
Resolução CFP 1/99. Goiânia, 2014, 174 f. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-graduação em Sociologia
da Universidade Federal de Goiás. p. 39.
95 Lançado em junho de 2018, a entrada em vigor do CID-11 está prevista para janeiro de 2022.
96 COCHRAN et al, 2014, p. 672-679.
97 COCHRAN et al, 2014, p. 672-676.
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desaprovação social ou política, servindo para oprimir indivíduos desviantes das nor-
mas sociais e desaadores das estruturas de autoridade. Além de não haver referências
a respeito de tratamentos para tais transtornos que sejam baseados em evidências,
também não há fundamentos de que, no que tange à preocupação com orientação se-
xual, sejam necessárias intervenções únicas e substancialmente diversas dos métodos
tradicionais de tratamento de transtornos mentais como ansiedade, depressão, entre
outros, ou seja, cuidados clínicos também aplicados às pessoas heterossexuais98.
Nesse sentido, e em consonância com a ONU99, a Organização Panamericana de
Saúde100 e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos101, as quais reconhecem
a grave ameaça à saúde mental e física e aos direitos humanos das pessoas afetadas
pelas práticas SOCE102, a Associação Americana de Psicologia103 apontou para o con-
senso de que a homossexualidade é uma variação normal e positiva da sexualidade
humana, para a improbabilidade de que os esforços para mudar a orientação sexual
sejam bem-sucedidos, e entendeu ainda serem adequadas, para aqueles que buscam
as práticas SOCE, intervenções terapêuticas armativas que envolvam aceitação, apoio
e compreensão por parte do terapeuta, além da facilitação de um apoio social, e da
exploração e desenvolvimento da identidade, sem que haja a imposição de uma orien-
tação sexual especíca.
É evidente que indivíduos homossexuais tendem a introjetar valores discriminató-
rios em uma sociedade preconceituosa, gerando sofrimento e possivelmente a percep-
ção de não se estar em sintonia consigo mesmo, ou seja, egodistonia104. De acordo
com este entendimento, o Grupo de Trabalho sobre Classicação de Doenças Sexuais
98 Ibid., p. 672-675.
99 Cf. ONU, Conselho de Direitos Humanos, Relatório do Relator Especial sobre a tortura e outros
tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes, A/HRC/22/53, 1 de fevereiro de 2013, par. 76;
Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos, Leis e práticas discriminatórias e atos de violência
cometidos contra pessoas por sua orientação sexual e identidade de gênero, A/HRC/19/41, 17 de
novembro de 2011, par. 56; ONU, Conselho de Direitos Humanos, Relatório do Relator Especial sobre o
direito de toda pessoa ao mais alto nível possível de saúde física e mental, A/HRC/14/20, 27 de abril de
2010, par. 23; ONU, Conselho de Direitos Humanos, Relatório do Relator Especial sobre a tortura e outros
tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes, A/56/156, 3 de julho de 2001, par. 24.
100 PAN AMERICAN HEALTH ORGANIZATION. “Cures” for an illness that does not exist. 2012. Disponível em:
. p.1.
101 COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, Violência Contra Pessoas Lésbicas, Gays,
Bissexuais, Trans e Intersexo nas Américas, OAS/Ser.L/V/II, Doc. 36/15 rev.1, 12 de novembro de 2015, par.
211. Disponível em: . par. 211.
102 “Sexual orientantion change eorts”. Tradução livre: “tentativas de mudanças de orientação sexual”.
103 AMERICAN PSYCHOLOGICAL ASSOCIATION. Report of the American Psychological Association Task
Force on Appropriate Therapeutic Responses to Sexual Orientation. 2009. Disponível em:
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104 SARMENTO, Daniel. PARECER - A constitucionalidade das resoluções do Conselho Federal de Psicologia
que vedam a patologização de pessoas por conta de sua orientação sexual, expressão ou identidade
de gênero: aspectos constitucionais e processuais. 2018, p. 8-11. Disponível em:
content/uploads/2018/09/Doc.-09-parecer-professor-Daniel-Sarmento.pdf>. p. 30.
A “curagay ” sob a ótica dos di reitos humanos e s exuais: que stões
jurídic as acercadas t erapias de reor ientação se xual no Brasi l
Rev. Eurol atin. Direi to Adm., Sant a Fe, vol. 6, n. 1 , p. 121-147, ene. /jun. 2019. 143
e Saúde Sexual apontou que já estava presente na décima revisão do CID uma cláu-
sula, particularmente relevante para a revisão das categorias F66, sobre a exclusão do
desvio social. É reconhecido que outros fatores além dos transtornos mentais, como
questões socioambientais e normas culturais, podem resultar em comportamentos e
queixas que venham a ser mal interpretados como sintomas de doenças, não devendo
se incluir, portanto, o desvio social por si só, sem disfunção pessoal, nas categorizações
psicopatológicas. Esses outros fatores podem levar a experiências psicológicas e com-
portamentos que não necessariamente conguram um distúrbio subjacente105. Neste
sentido, há fortes evidências de que existe, devido ao estigma social e psicológico em
torno de minorias sexuais, um imenso estresse social associado às questões de orienta-
ção sexual, o qual pode inclusive ser considerado como o fator singular que caracteriza
essas minorias enquanto grupo106.
Para associar um rótulo de transtorno a uma condição social, é primordial que exis-
tam utilidades clínicas demonstráveis, como a necessidade legítima de saúde mental,
por exemplo, mas sem jamais corroborar para o estigma, a discriminação e a violência
existentes. A evidente angústia que pessoas homo e bissexuais experienciam em nível
mais elevado que heterossexuais têm sido fortemente associada a maiores experiên-
cias de rejeição social e discriminação. Sendo assim, como a angústia resulta da adver-
sidade social, ela se encaixa na cláusula de exclusão social do CID. Do contrário, outras
condições sociais severamente estigmatizadas que também podem levar ao sofrimen-
to, como pobreza ou doenças físicas, também poderiam ser rotuladas de egodistônicas
pelo fato de serem indesejadas107.
4. CONCLUSÃO E RESULTADOS
A partir de todo o exposto, conclui-se que a Resolução 01/99 congura-se como um
dispositivo que proíbe diretamente a discriminação por orientação sexual, enquanto
ato normativo produzido pelo Conselho Federal de Psicologia, órgão de scalização
prossional que detém não só a plena legitimidade para a edição de normas deonto-
lógicas que orientem a categoria dos psicólogos, como também o dever constitucional
de atuar ativamente para combater a discriminação e o preconceito.
As ações legislativas ou judiciais que visam revogá-la representam uma ruptura na
transição para um novo regime de políticas sexuais pautado no viés dos direitos huma-
nos. A Resolução 01/99 se soma a um movimento que busca modicar a ordem social
heteronormativa e homofóbica, desinstitucionalizando tais padrões e substituindo-os
105 COCHRAN et al, 2014, p. 674.
106 AMERICAN PSYCHOLOGICAL ASSOCIATION. Report of the American Psychological Association Task
Force on Appropriate Therapeutic Responses to Sexual Orientation. 2009. Disponível em:
apa.org/pi/lgbt/resources/therapeutic-response.pdf>. p. 15-17.
107 COCHRAN et al, 2014, p. 674-675.
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por outros que expressem igual respeito para com pessoas homossexuais. Com ple-
na constitucionalidade material, fundamentada tanto na perspectiva do direito cons-
titucional interno, quanto a partir das posições sedimentadas nos Sistemas Universal
e Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos, o ato normativo do CFP efetiva
o direito ao reconhecimento, o que se congura como uma reivindicação por justiça.
Uma vez que a homossexualidade egodistônica foi removida dos principais siste-
mas internacionais de classicação de doenças, não faz mais sentido alegar a neces-
sidade de intervenções terapêuticas exclusivamente voltadas para esses casos, espe-
cialmente as que envolvem tentativas de mudança de orientação sexual. Deve-se, pelo
contrário, seguir as recomendações de órgãos internacionais e das principais organi-
zações de saúde, que se posicionam a favor de práticas terapêuticas armativas que
envolvam aceitação e apoio social.
No que tange à situação atual da gestão social das terapias de reorientação sexual
no Brasil e dos direitos sexuais imbricados nesta questão, resta agora que o STF se po-
sicione, em decisão de mérito no caso da Reclamação 31818, para encerrar, de uma vez
por todas, a possibilidade de tais práticas degradantes serem aplicadas por psicólogos.
5. 5. REFERÊNCIAS
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