Política externa e ideologia política: um fator (não) explicativo para o modelo de regionalismo chileno/Política exterior e ideología política: un factor (no) explicativo del modelo de regionalismo chileno/Foreign policy and political ideology: a (non) explanatory factor for the Chilean regionalism model.

AuthorJúnior, Wanderley dos Reis Nascimento

INTRODUÇÃO

As ideias são o motor do mundo. Relegar o impacto do que está plasmado nas mentes dos tomadores de decisão em suas ações políticas é, no mínimo, ingenuidade. Há correlações evidentes entre os ambientes cognitivos e operacionais de um agente. Se as premissas expostas não são assertivas, quais elementos, além das ideias, explicaria ações de política externa divergentes empreendidas por diferentes agentes em ambientes institucionais semelhantes?

É na seara dessas afirmações e deste questionamento que o presente artigo se insere. Partimos, portanto, do consenso, apresentado pela chamada "virada ideacional", de que as ideias importam. A partir daí, de maneira geral, nos interessa entender como elas influem sobre a constituição da agenda de política externa.

Posto isso, as alternâncias de governos de coalizões com ideologias políticas distintas, no Chile, com a chegada, em 2006, ao governo central da coalização de centro-esquerda, liderada por Michelle Bachelet (Partido Socialista), seguida pela ascensão, em 2010, de uma coalizão de centro--direita, encabeçada por Sebastián Piñera (Renovação Nacional), e o retorno da socialista, em 2014, nos oferece um caso singular para avançar com os estudos empíricos que buscam entender de que forma as ideias importam. Esse cenário nos permitirá analisar os impactos das ideologias políticas dos mandatários em ações de política externa sob um mesmo sistema político.

Ao tomarmos como ponto de partida os estudos que buscaram entender a interseção entre ideias e resultados políticos (Kindleberger, 1975; Hall, 1986; Goldstein, 1988; Walker, 1990; Sikkink, 1991), percebemos que as pesquisas têm demonstrado que agentes com ideologias políticas díspares, em contextos institucionais semelhantes, agem de maneiras distintas.

Destarte, o caso chileno nos permite inovar ao tentar contribuir com um entendimento que compreenda a influência de diferentes ideologias políticas sobre a agenda de política externa. Nesse horizonte, a seguinte questão se impõe: qual a influência da ideologia política (esquerda e direita) dos chefes do poder Executivo chileno sobre a agenda de política externa para o regionalismo?

A partir da indagação exposta depreendemos que uma das variáveis a ser analisada não é qualquer tipo de ideias. Considerando que o conceito de ideologia é polissêmico, de modo exploratório, entenderemos que ideologia não é um ideário qualquer ou um reles encadeado de ideias (Chauí, 2008), evidenciamos, assim, que o entendimento dessa variável não é simples.

Tomamos como conceituação mínima inicial a noção de que ideolo-(gia) é:

[...] a set of lenses through which information concerning the physical and social environment is received. It orients the individual to his environment, defining it for him and identifying for him its salient characteristics [...] In addition to organizing perceptions into a meaningful guide for behavior, the belief system has the function of the establishment of goals and the ordering of preferences (Holsti, 1962, p. 245). Dessa forma, a ideologia é uma forma específica partilhada de interpretar o mundo que pode dar uma explicação mais abrangente para a compreensão das políticas externas de diferentes Estados. Assim sendo, para os fins deste trabalho, nos interessa a ideologia de caráter político, uma vez que o conceito engloba dimensões éticas, morais, estéticas, religiosas, etc.

Pesquisas (Onuki & Oliveira, 2006 e 2010; Ribeiro, Pereira Neto & Oliveira, 2007; Milner & Judkins, 2004; Marks, Wilson & Ray, 2002; Marks et. al., 2006; Whitefield & Rohrschneider, 2015) que buscaram entender a influência da ideologia sobre a agenda de política externa para integração regional tiveram como sujeito de análise os legisladores, como variável o voto desses agentes e circunscreveram o conhecido continuum ideológico esquerda/direita. Considerando que a maioria dos países latino-americanos tem sido caracterizada pelo chamado "hiperpresidencialismo" (Malamud, 2003), consequentemente, as ideias defendidas pelos mandatários são essenciais para a compreensão das ações políticas.

Apesar de existir na literatura pesquisa que estabeleceram, de maneira geral, relações entre ideologia política e política externa dos presidentes latino-americanos (Merke, Reynoso & Schenoni 2020; Merke & Reynoso, 2016; Rodrigues, Urdinez y Oliveira; Cason & Power, 2009; Amorim Neto & Malamud, 2015), a relação entre a ideologia política dos mandatários e a agenda de política externa para o regionalismo, de maneira específica, ainda não foi explorada.

Portanto, explorar, como sujeito de análise, os chefes do poder Executivo, na agenda de regionalismo, ampliaria a visão geral sobre o tema e sanaria essa lacuna na literatura especializada latino-americana, uma vez que com a proeminência dos mandatários, no regime presidencialista, o impacto das ideias defendidas por eles são maiores considerando seu poder de persuasão (Neustadt apud Edwards III, 2000).

Exposto o objeto de análise, cabe explicitar que o recorte temporal compreende o período de 2006 a 2014. Delimitamos, também, precisamente, a agenda de política externa para o regionalismo, por entendermos que essa temática fora vastamente trabalhada em estudos sobre o apoio à União Europeia (UE) (Ray, 1999; Katz & Wessels, 1999; Marks, Wilson & Ray, 2002; Marks et. al., 2006; Whitefield & Rohrschneider, 2015), no entanto, os trabalhos sobre a realidade latino-americana são escassos (Onuki & Oliveira, 2006 e 2010; Santos, 2006; Ribeiro, Pereira Neto & Oliveira, 2007).

A premência deste estudo se insere no atual contexto político sul-americano de necessidade de entendimento dos governos iniciados na segunda década do século XXI que estão alinhados ao discurso neoliberal e que, portanto, demanda análises que expanda o objeto para além do que a literatura especializada convencionou chamar de "Maré Rosa" (Panizza, 2006; Pereira da Silva, 2011; Nascimento Júnior, 2017), entendida como fenómeno de ascensão de governos de esquerda e centro-esquerda na América do Sul, a fim de explicitar a compreensão desses giros políticos.

De acordo com Sader (2009, p. 64) a "Maré Rosa" avançou, principalmente, nas agendas de "política social e integração regional" (Sader, 2009, p. 64). Dessa forma, no âmbito da execução de política externa, uma das prioridades ocorreu, portanto, na atenção dada à região. A escolha do regionalismo como temática justifica-se, assim, como primordial para a compreensão das semelhanças e divergências entre essas administrações.

A defesa de que o entendimento da política externa para o regionalismo, a partir do estudo de caso chileno, será enriquecedor para evidenciar as nuances do que a literatura pertinente tem chamado de regionalismo chamada de pós-liberal (Sanahuja, 2009; Veiga & Rios, 2007) ou pós-neoliberal (Serbin, 2010), pós-hegemónico (Riggirozzi; Tussie, 2012), multifacetado (Kfuri Barbosa, 2015) e regionalismo modular (Gardini, 2015), se centra na ideia de que o exemplo do país transandino é, explicitamente, o caso que guarda a singularidade de permanência do chamado "regionalismo aberto (1)" na região, apesar de ter figurado no grupo dos chamados governos progressistas.

Destarte, se a bibliografia apontou para a enchente de uma recente onda de regionalismo, impulsionada pelo fenómeno da "Maré Rosa", cuja característica principal seria a ampliação da agenda regional para além dos termos meramente comerciais, as complexidades dessa onda em disputa devem ser interpretadas de maneira abrangente. Posto isso, a compreensão da política externa para a integração regional é um dos fatores principais a serem considerados.

Finalmente, o momento ímpar dessas alternâncias político-ideológicas, no Chile, expressa a necessidade de evidenciarmos esses fenomenos, a fim de responder interrogações sobre as características e, especialmente, as opções ideológicas de diferentes mandatários no processo de implementação de política externa, contribuindo, portanto, para ampliar esse debate campo de estudos da Ciência Política e, especialmente, das Relações Internacionais.

Sendo assim, além desta introdução e das considerações finais, este artigo está estruturado em três seções: na seção debutante será apresentado o estado da arte dos estudos acerca do impacto da ideologia em temas relacionados ao regionalismo; na segunda seção será exposto as ferramentas metodológicas para a análises; e, na terceira seção, será empreendida uma análise das mensagens presidenciais ao Congresso Nacional do Chile buscando aferir o posicionamento dos mandatários no que se refere à agenda de política externa para o regionalismo.

  1. O ESTADO DA ARTE

As pesquisas (Marks, Wilson & Ray, 2002; Marks et. al., 2006; Whitefield & Rohrschneider, 2015; Onuki e Oliveira, 2006 e 2010; Ribeiro, Oliveira e Pereira Neto, 2007) que buscaram entender a influência da ideologia sobre a agenda de política externa para a integração regional e/ou o regionalismo tiveram como sujeito de análise os legisladores e/ou partidos políticos, como variável o voto desses agentes e circunscreveram o conhecido continuum ideológico esquerda/direita tem apontado para múltiplas dimensões em disputa.

Os estudos no âmbito europeu procuraram apreender o euroceticismo à luz do espectro político em diferentes países:

Marks, Wilson e Ray (2002) ao testar, através de modelos estatísticos, a posição, no período de 1984 a 1996, das famílias partidárias (party family) em relação à integração europeia, defenderam que, para além das disputas ideológicas nacionais, é possível prever seus respectivos posicionamentos em relação à UE. Assim, de maneira geral, eles concluíram que:

The most favorably oriented party families are the liberal and the Christian democratic, followed by the social democratic and regionalist. Next come the agrarian, the conservative, and the green party families. The Protestant, extreme right, and communist/extreme left families are the most Euroskeptical. Party families vary systematically...

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