A Convenção n. 169 da OIT e o Trabalho Indígena no Brasil

AuthorMarcelo José Ferlin D'Ambroso
ProfessionDesembargador do trabalho (tRt4 - RS), ex-Procurador do trabalho, diretor Jurídico do IPEATRA
Pages333-338

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INTRODUÇÃO

A descoberta do brasil em 1500 iniciou o contato dos nossos povos tradicionais com a sociedade europeia, deflagrando, a partir de então, um processo histórico de exclusão social, exploração e marginalização dos indígenas mediante condutas bárbaras de escravização e espoliação de terras.

Certo que, no século XX, com a edição de legislação de tutela, o estatuto do Índio - lei n. 6.001/73, e, principalmente, com a Constituição de 1988, houve a consagração do respeito aos povos tradicionais com uma conquista de bases orientadoras para uma nova história. Neste norte, a edição da Convenção n. 169 da OIT sobre Povos indígenas e tribais, em 1989, ratificada pelo brasil em 2002, provoca uma mudança de paradigmas quanto ao respeito, preservação e inserção social igualitária dos povos tradicionais, mas em nosso sentir timidamente aplicada até o momento.

Assim, o mundo contemporâneo e a evolução da sociedade, seja no aspecto cultural, seja quanto às novas tecnologias empregues para facilitar a vida humana, com bens cada vez mais sofisticados, levam à necessária reflexão sobre o contexto dos povos indígenas na atualidade, particularmente quanto à sua inserção no mercado de trabalho e o usufruto destes bens em comparação aos não-índios.

As indagações imediatas na temática sugerem o estudo das relações de trabalho dos indígenas quanto às atividades em que são inseridos, se há respeito às suas condições peculiares relativas à cultura, tradições, usos e costumes, e principalmente, se usufruem de igualdade de oportunidades que lhes possibilite o acesso ao trabalho e renda dignos.

Mais do que isso, há de se perquirir se o trabalho indígena está adequadamente tutelado no brasil, em consonância da Convenção n. 169 da OIT, de modo a propiciar a plena integração e inclusão social dos povos tradicionais em resgate do vilipêndio ocorrido no passado.

A partir da experiência de atuação profissional no Ministério Público do trabalho, em contato com o trabalho indígena, passa-se ao estudo da legislação internacional e pátria, com a formulação de propostas de aperfeiçoamento, em conclusão.

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CONVENÇÃO N. 169 DA OIT SOBRE POVOS INDÍGENAS E TRIBAIS

A Convenção n. 169 da OIT foi promulgada no brasil pelo decreto n. 5.051/04, passando a vigorar a partir de sua publicação, em 20.4.2004.

No que concerne a este estudo, o referido diploma internacional elenca três espécies de normas que se pode invocar para a tutela do trabalho indígena, a saber, as de diretrizes políticas, as de proteção ao trabalho e as de seguridade e saúde.

Neste cabedal, como principais garantias asseguradas aos povos tradicionais, destacam-se:

- ação coordenada e sistemática dos governos para implemento de medidas assecuratórias do gozo, em condições de igualdade, dos demais direitos e oportunidades que a legislação outorga aos demais membros da população, bem assim a efetividade dos direitos sociais, econômicos e culturais, respeitando sua identidade social e cultural, costumes, tradições e instituições, além da ajuda para eliminação das diferenças socioeconômicas e de maneira compatível com suas aspirações e formas de vida (art. 2º, 2) ;

- gozo pleno dos direitos humanos e fundamentais, sem obstáculos nem discriminação (art. 3º, 1) ;

- adoção de medidas especiais para salvaguarda das pessoas, instituições, bens, culturas e meio ambiente dos povos indígenas (art. 4º) ;

- aplicação das disposições da própria Convenção n. 169 com reconhecimento e proteção dos valores e práticas sociais, culturais, religiosas e espirituais próprias dos povos tradicionais, com respeito à integridade desses valores, práticas e instituições, e adoção, com a sua participação e cooperação, de medidas voltadas a aliviar dificuldades que possam ser experimentadas ao enfrentarem novas condições de vida e de trabalho (art. 5º) ;

- direito de consulta e participação na aplicação da Convenção (art. 6º) ;

- direito de escolha e controle do próprio desenvolvimento (art. 7º, 1) ;

- prioridade da melhoria das condições de vida e de trabalho e do nível de saúde nos planos de desenvolvimento econômico (art. 7º, 2) ;

- consideração dos costumes e direito consuetudinário na aplicação da legislação nacional, além do direito de conservação dos costumes e instituições próprias, desde que não sejam incompatíveis com os diretos fundamentais nem com os direitos humanos (art. 8º) ;

- proteção contra a violação de seus direitos com possibilidade de início de procedimentos legais de forma pessoal ou mediante seus organismos representativos, com adoção de medidas que garantam que os povos indígenas compreendam e se façam compreender nos mesmos (art. 12) ;

- medidas especiais de garantia dos trabalhadores indígenas para proteção eficaz em matéria de contratação e condições de emprego (art. 20, 1) ;

- direito à não discriminação (acesso ao emprego, isonomia salarial, assistência médica e social, segurança e higiene no trabalho, seguri-dade social, habitação e direito de associação - art. 20, 2) ;

- direito de informação (art. 20, 3) ;

- não submissão à condições perigosas, em particular, substâncias tóxicas ou pesticidas (art. 20, 3) ;

- não submissão a sistemas de contratação por dívidas, incluindo servidão por dívidas (art. 20, 3) ;

- igualdade de oportunidades entre homens e mulheres indígenas e proteção contra o assédio sexual (art.20, 3) ;

- serviços especializados de inspeção do trabalho onde houver trabalho indígena (art. 20, 4) ;

- meios de formação profissional iguais aos dos demais cidadãos (art. 21) , compreendendo disponibilidade de programas e meios especiais de formação quando os gerais não atenderem às necessidades especiais dos povos indígenas (art. 22) , baseados no entorno econômico, nas condições sociais e culturais e necessidades concretas dos povos, inclusive direito de consulta e gestão;

- reconhecimento, fortalecimento e fomento do artesanato, das indústrias rurais e comunitárias e atividades tradicionais relacionadas à economia de subsistência como fatores importantes da manutenção da cultura e autossuficiência e desenvolvimento econômico, incluindo assistência técnica e financeira com respeito às características culturais e importância do desenvolvimento sustentado e equilibrado (art. 23) ;

- seguridade social (art. 24) ;

- serviços de saúde adequados, preferencialmente em nível comunitário e considerando as condições e econômicas, geográficas, sociais e culturais, incluindo os próprios métodos de prevenção, práticas curativas e medicamentos tradicionais;

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- sistema de saúde com preferência à formação e emprego de pessoal da comunidade e centrado no atendimento primário, com manutenção de vínculo com os demais níveis de atendimento.

Há de se...

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