Vagas reservadas no ensino superior: igualdade de oportunidades

AuthorDanielle de Oliveira Cabral Faria
PositionMestre pelo Centro de Pós-Graduação da ITE Advogada militante
Introdução

Muito se discute, na atualidade, sobre a questão da reserva de vagas no ensino superior. Alguns se posicionam favoravelmente, entendendo ser essa a iniciativa necessária para que seja efetivada a igualdade de oportunidades aos excluídos na educação. Outros, contrariamente, manifestam aversão a esse modelo de inclusão social, alegando haver, no caso, violação ao princípio da igualdade e afirmando que o correto seria a melhoria substancial do ensino médio público do Brasil.

Em que pese esses debates, a realidade é que nosso país está iniciando a política de ações afirmativas no campo da educação no ensino superior. Primeiro, foram algumas universidades, que de forma ousada, sem que houvesse lei federal que impusesse essa conduta, estipularam reserva de vagas, especialmente para negros, nas seleções para ingresso aos cursos de graduação. Atualmente, o governo federal tem demonstrado empenho no assunto, havendo projeto de lei federal sobre o tema e, também, sua inserção no anteprojeto de reforma universitária.

No que concerne aos critérios adotados para tanto, alternam entre raça e condição econômica. O modo de se comprovar a realidade de quem declara necessitar desse apoio do Estado, dessa discriminação positiva , também são muitos.

No presente trabalho discorreremos sobre a relação existente entre a igualdade de oportunidades e as vagas reservadas no ensino superior.

1. A questão da igualdade: a não-discriminação e a discriminação positiva

A Constituição Federal de 1988 prescreve o princípio da igualdade logo no caput do artigo 5º: Todos são iguais perante a lei, (...) . Celso Antônio Bandeira de Mello frisa que (...) o alcance do princípio não se restringe a nivelar os cidadãos diante da norma legal posta, mas que a própria lei não pode ser editada em desconformidade com a isonomia 1.

Referido princípio quer significar que, diante de uma lei, todos devem ser tratados da mesma forma, somente sendo admissível distinções que a própria lei regulamente e desde que essas sejam justificáveis.

O problema que surge é a questão de saber quando seria possível a lei estabelecer discriminações e quando essa conduta seria vedada.

A máxima aristotélica que proclama tratamento igual aos iguais e desigual aos desiguais, na medida dessa desigualdade , não traz a resposta da questão, uma vez que como salientam Luiz Alberto David Araujo e Vidal Serrano Nunes Júnior, a expressão, em que pese ser correta (...) parece não concretizar explicação adequada quanto ao sentido e ao alcance do princípio da isonomia, porque a grande dificuldade reside exatamente em determinar, em cada caso concreto, quem são os iguais, quem são os desiguais e qual a medida dessa igualdade 2.

Celso Antônio Bandeira de Mello, discorrendo sobre critérios para identificação do desrespeito à isonomia, assim se manifesta: (...) tem-se que investigar, de um lado, aquilo que é adotado como critério discriminatório; de outro lado, cumpre verificar se há justificativa racional, isto é, fundamento lógico, para, à vista do traço desigualador acolhido, atribuir o específico tratamento jurídico construído em função da desigualdade proclamada. Finalmente, impende analisar se a correlação ou fundamento racional abstratamente existente é, in concreto, afinado com os valores prestigiados no sistema normativo constitucional. A dizer: se guarda ou não harmonia com eles 3.

Assim, de acordo com o ilustre autor, necessário se mostra a observância cumulativa desses três aspectos para que não haja objeção a uma lei que estabeleça diferenciação.

Porém, nesse ponto, necessário frisar que o princípio da igualdade, prescrito no caput do art. 5º da Constituição Federal exprime o sentido de não-discriminação.

Hédio Silva Júnior, ao escrever o artigo Ação afirmativa para negros (as) nas universidades: a concretização do princípio constitucional da igualdade , afirma que igualdade se traduziria por não discriminar, (...) donde se deduz que o princípio da igualdade seria densificado por um conteúdo essencialmente negativo, uma obrigação negativa, abstencionista, passiva: não-discriminar . No entanto, ressalta o autor que a história demonstra a insuficiência dessa mera não-discriminação , uma vez que não basta (...) que o Estado se abstenha de praticar a discriminação em suas leis . Dessa forma, diz que (...) incumbe ao Estado esforçar-se para favorecer a criação de condições que permitam a todos se beneficiar da igualdade de oportunidade e eliminar qualquer fonte de discriminação direta ou indireta . A isso, acrescenta, corresponderia a ação afirmativa4.

Fica, desse modo, demonstrada a insuficiência da igualdade formal, sendo necessário, para a efetiva promoção da igualdade material, possibilitar a igualdade de oportunidades.

Podemos citar, como exemplos, alguns dispositivos constitucionais, trazidos à colação pelo autor supracitado5, que traduzem essa idéia, de promoção da igualdade: art. 3º, IV ( promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação ); art. 23, X ( combater as causas da pobreza e os fatores de marginalização, promovendo a integração social dos setores desfavorecidos ); art. 227, II ( criação de programas de prevenção e atendimento especializado para os portadores de deficiência física... ). Ainda, cita normas que discriminam como forma de compensar a desigualdade de oportunidades: art. 7º, XX; art. 37, VIII, dentre outras.

Gabi Wucher discorre sobre a não-discriminação e a discriminação positiva, afirmando que ambas têm por base o princípio da igualdade6.

A autora ressalta que o princípio da não-discriminação teve destaque após a Segunda Guerra Mundial, passando a incorporar grande parte dos instrumentos internacionais de direitos humanos da ONU, que cuidam das várias espécies de direitos e pessoas a serem protegidas. Salienta que referido princípio consagrou-se como princípio universal do direito internacional de direitos humanos e, também, como princípio básico de proteção de minorias (...) 7.

Dessa forma, seguindo o raciocício da autora, o princípio da não-discriminação impede que sejam estabelecidas discriminações gratuitas e, também, que minorias ou grupos vulneráveis sejam diferençados, mediante inferiorização, em relação aos segmentos visivelmente dominantes da sociedade.

Paulo Bonavides, discorrendo sobre a interpretação constitucional do princípio da igualdade, afirma que o Estado social é Estado gerador de igualdade fática, sendo que isto deve, acrescenta, (...) iluminar sempre toda a hermenêutica constitucional, em se tratando de estabelecer equivalência de direitos . E salienta: impõe ao Estado, se necessário, a realização de prestações positivas e a adoção de providências com a finalidade de realizar os comandos normativos de isonomia8.

De todo o exposto até o momento, podemos concluir que o que é vedado é que a lei estabeleça discriminações infundadas, gratuitas. Já a discriminação que tenha correlação lógica entre o fator de discrímen e a desequiparação procedida 9 ou, ainda, a discriminação positiva , são admitidas pelo nosso ordenamento jurídico-constitucional.

2. Minorias, grupos vulneráveis e ações afirmativas

O pluralismo é característica da sociedade democrática, como é a nossa. A diversidade, portanto, faz parte do meio social em que vivemos, sendo essencial para o desenvolvimento da comunidade. Partindo-se desse raciocínio, podemos observar a importância da proteção das minorias ou grupos vulneráveis.

O Novo Dicionário Aurélio assim descreve minoria: inferioridade numérica; a parte menos numerosa duma corporação deliberativa, e que...

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