Teoria Geral do Direito Internacional do Trabalho: Direitos Humanos e Direitos Fundamentais

AuthorCarlos Roberto Husek
ProfessionDesembargador do TRT da 2ª Região - Professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Pages74-89

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1. O Estado brasileiro no concerto mundial

O Direito do Trabalho teve sua confirmação constitucional, em nosso país, com a atual Constituição Federal de 1988, que consagrou alguns artigos para o direito social em complementação aos direitos e às garantias individuais. Enquanto o art. 5º consagra tais direitos e garantias, não permitindo ao Estado intervenção na esfera pessoal de cada um, devendo o Estado respeitar tal espaço e promover os atos necessários para proteger a vida e a concepção e a realização desta em todas as suas formas, como, por exemplo, a igualdade, a liberdade, a segurança, a propriedade, o art. 6º consagra os direitos sociais, de educação, saúde, trabalho, moradia, lazer, segurança, previdência social, maternidade, infância, e o art. 7º, os direitos dos trabalhadores, em geral, relação de emprego contra despedida arbitrária ou sem justa causa, justa remuneração, seguro- -desemprego, fundo de garantia, participação nos lucros, duração máxima de trabalho e estabelecimento de descansos específicos, redução de riscos, aposentadoria, além de outros, para tanto pedindo ao Estado que conduza com mão de ferro o respeito a tais direitos. Para os direitos e as garantias individuais, pede-se que o Estado não atrapalhe, respeite, reconheça o espaço do exercício individual (a casa é o asilo inviolável do indivíduo) e promova atividades para a confirmação desse espaço. Para os direitos sociais, ao contrário, pretende-se que o Estado intervenha, obrigando a todos sob o seu jugo, inclusive a ele mesmo, por intermédio de seus diversos órgãos, a concretizar tais direitos (pagar ao empregado o salário mínimo, p. ex.). O art. 8º, por sua vez, implementa a regra da liberdade coletiva e o art. 9º assegura o direito de greve aos trabalhadores, observando-se, por fim, no art. 10, a participação nos órgãos públicos de trabalhadores e empregadores e no art. 11, a representação dos empregados nas empresas com mais de duzentos empregados para a negociação com a empresa.

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Tais normas constituem-se a espinha dorsal da inspiração das normas constitucionais. Um núcleo de regras que devem ser respeitadas e implementadas.

Não sem motivo, são precedidas pelo art. 4º da Lei Maior, que estabelece os princípios com que o Brasil se rege nas relações internacionais. Princípios estes que funcionam como pontes de ligação entre o Direito Interno e o Direito Internacional, portas de passagem entre as duas esferas, pelas quais nos inspiramos, nós brasileiros, dos ventos que sopram fora de nosso território e permitimos que estes ventos arejem o sistema interno, bem como nos apresentamos como Estado nas relações interestatais e com os demais entes da sociedade internacional.

O art. 4º da Constituição Federal positiva princípios que funcionam como ação externa do Brasil, mas, ao mesmo tempo, representa uma espécie de complementariedade do Direito Internacional ao Direito Interno, especificamente à base deste, o Direito Constitucional. Claro que o Brasil não poderia promover a sua política externa com base em princípios que não fossem também cumpridos internamente, no que diz respeito, de forma específica — dimensão que nos interessa neste trabalho —, à prevalência dos direitos humanos.

Em particular, neste aspecto, o arcabouço interno se completa com os arts. 1º e 3º da Carta, que devem ser conscientizados e que, de forma clara e expressa, determinam o “Estado Democrático de Direito”, sob os fundamentos da soberania, cidadania, dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre-iniciativa e fazem concretizar como objetivos fundamentais da República a constituição de uma sociedade livre, justa e solidária, a erradicação da pobreza, a redução das desigualdades sociais, a promoção do bem, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Aí está a base, o arcabouço, o patamar, a fundação em que necessariamente é construído o edifício jurídico nacional e com o qual ele se movimenta na área internacional. Este é o Brasil. Esta é a sua personalidade. Esta é a sua face. Não importa se, por vezes, os acontecimentos internos não se casem com o desiderato principiológico da Constituição, porque estamos construindo a nossa sociedade, a nossa nacionalidade, a nossa personalidade e nessa construção educamo-nos, reeducamo-nos, aprendemos, amadurecemos, de acordo com o propósito que elegemos de um “Estado Democrático de Direito”.

Não são regras discursivas, meramente programáticas, alusivas de uma possibilidade, mas efetivas, concretas, argamassas onde fincamos (ou devemos fincar) os pilares nacionais. Não há Presidência da República e respectivo Poder Executivo — pouco importa o partido —, não há Congresso, não há Judiciário que possam desrespeitar esses princípios.

Ensina Uadi Lammêgo Bulos: “Ao utilizar a terminologia ‘Estado Democrático de Direito’, a Constituição reconheceu a República Federativa do Brasil como uma ordenação estatal justa, mantenedora dos direitos individuais e metaindividuais,

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garantindo direitos adquiridos, a independência e a imparcialidade dos juízes e tribunais, a responsabilidade dos governantes para com os governados, a prevalência do princípio representativo, segundo o qual todo poder emana do povo e, em nome dele, é exercido...”.43Os fundamentos básicos do Estado brasileiro, portanto, são: a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre-iniciativa e o pluralismo político. Apenas algumas palavras em relação a tais importantes fundamentos:

  1. Soberania — Embora se tenha a ideia clássica de que a soberania não é suscetível de aumento ou de diminuição (Jellinek) e tal ideia, ao nosso ver, encontra-se correta, é fato que muitos nos dias atuais relativizam tal soberania, em virtude das relações de interdependência do Estado em determinadas matérias. Não entendemos necessário diminuir o conceito de soberania, porque assim o fazendo, sequer estaremos falando de soberania, e sim de outra figura qualquer. Na verdade, a soberania não é relativa, não se transforma em independência nem em interdependência. O Estado continua a ter o poder total sobre o seu território, em decorrência de estrutura e dinâmica jurídica de mando, de organização, de estabelecimento das leis desejáveis para o seu povo e de julgamento dos conflitos existentes de acordo com o sistema engendrado pelo seu próprio sistema constitucional. No entanto, em suas relações múltiplas, submete-se o Estado a normas internacionais, pelo seu interesse jurídico, econômico, político, uma vez que não é possível viver sem dimensão do relacionamento regional e/ou mundial. A complexidade do mundo moderno, no que tange à rede de relacionamentos e interesses, não permite ao Estado que pura e simplesmente sobreviva de forma isolada. Desse modo, soberanamente e com inteligência política e diplomática, o Estado se insere nas relações internacionais e compromete-se com o sistema adquirindo direitos e obrigações.

    A Constituição Federal, ao afirmar como fundamento do Estado a soberania, apenas quis dizer que o poder político é supremo e ilimitado internamente e não se atrela a injunções internacionais que possam subjugar sua potestade, cabendo a ele, Estado brasileiro, dar a última palavra a respeito da esfera de suas atribuições.

    Esse fundamento permite pôr em igualdade de condições o Estado brasileiro com quaisquer outros Estados para agir na órbita interna e na internacional, o que, em termos modernos, o faz senhor absoluto de suas relações. Se há alguma obediência a normas e princípios internacionais, tal obediência — para utilizarmos a palavra mais forte — deve-se a uma decisão soberana decorrente de avaliação de fatores que favoreçam ou desfavoreçam o Estado.

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    Outra não poderia ser a interpretação e o sentido da soberania, porque o próprio ordenamento jurídico internacional prioriza a soberania dos Estados-membros dessa sociedade ou comunidade, como querem alguns, como um elemento ou princípio de Direito Internacional Público.

    Por outro lado, adianta pouco um Estado declarar-se soberano se de fato não o é, se está preso a decisões políticas supremas de outro Estado ou de outra organização. Como todos os Estados do mundo estão jungidos às mesmas regras internacionais, aos mesmos prevalentes interesses econômicos, às mesmas básicas obrigações em relação às organizações internacionais parauniversais e regionais, ou todos não serão considerados soberanos, transferindo tal soberania a uma entidade maior, que não existe, ou todos são considerados basicamente soberanos, como de fato o são.

    A ideia de soberania não pode excluir a ideia de participação, de coobrigação, de respeito a regras previamente aderidas e/ou a interesses prevalentes...

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