A Santa Aliança Contra-Ataca. Uma Análise Crítica do Globalismo Jurídico Contemporâneo a Partir dos Escritos de Danilo Zolo

AuthorGustavo Rabay Guerra/Henrique Jerônimo Bezerra Marcos
Pages55-72
XII ANUÁRIO BRASILEIRO DE DIREITO INTERNACIONAL 55
Anuário Brasileiro de Direito Internacional, ISSN 1980-9484, vol.1, n.22, jan. de 2017.
A SANTA ALIANÇA CONTRA-ATACA: UMA ANÁLISE CRÍTICA DO
GLOBALISMO JURÍDICO CONTEMPORÂNEO A PARTIR DOS ESCRITOS
DE DANILO ZOLO
THE HOLY ALLIANCE COUNTERATTACK: A CRITICAL ANALYSIS OF
CONTEMPORARY LEGAL GLOBALISM FROM THE WRITINGS OF
DANILO ZOLO
Gustavo Rabay Guerra1
Henrique Jerônimo Bezerra Marcos2
RESUMO
Propõe o estudo do Globalismo Jurídico contemporâneo à luz dos escritos de Danilo
Zolo. Para tanto, realiza-se uma introdução histórico-comparativa entre a Santa Aliança
e as Nações Unidas com objetivo de apresentar o ceticismo do autor ao Globalismo
jurídico. Em seguida passa a apresentar a crítica de Zolo ao pensamento Globalista de
Kant, Kelsen e Habermas. Passa à análise das críticas do autor ao Globalismo Onusiano
e a sugestão do Direito Supranacional Mínimo. O trabalho conclui pela importância de
uma análise crítica e Realista ao fenômeno do Globalismo Jurídico para contrastar com
a tradição doutrinária brasileira de valorizar a Proteção Internacional dos Direitos
Humanos.
Palavras-chave: Direito Internacional. Globalização. Globalismo. Danilo Zolo.
ABSTRACT
The present text proposes to study the contemporary legal Globalism through Danilo
Zolo’s writings. It starts with a historical comparison between the Holy Alliance and the
United Nations; this is done in order to introduce the author’s skepticism towards legal
Globalism. The text then presents an analysis of Zolo’s critique of Kant’s, Kelsen’s and
Habermas’ perspectives on Globalism. It then goes on to study the specific criticisms
that Zolo has towards the Globalism achieved through the United Nations and the
author’s suggestion for a “Minimum Supranational Global Order”. The paper concludes
by stating the importance of a critical and Realist perspective on the phenomenon of
Legal Globalism to contrast with Brazilian tradition of valuing the International
Protection of Human Rights.
Keywords: International Law. Globalization. Globalism. Danilo Zolo.
INTRODUÇÃO
Como não é de se surpreender, parte substancial dos autores que se identificam
(ou, ao menos, são identificados) como internacionalistas é forte defensora da proteção
internacional dos direitos humanos. Mais especificamente, são partidários do controle
realizado sobre a atuação estatal por estas instâncias supranacionais, tanto as regionais
quanto à instância “universal”.
1 Doutor em Direito pela Universidade de Brasília (UnB).
2 Mestrando em Ciências Jurídicas pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB).
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Anuário Brasileiro de Direito Internacional, ISSN 1980 -9484, vol.1, n.22, jan. de 2017.
Outra parcela de internacionalistas (se é que poderíamos chamá-los assim)
entende que esta proteção internacional dos direitos humanos não é tão positiva assim
ou, melhor dizendo, não é de toda positiva existem aspectos bons e aspectos ruins.
Dentre este conjunto de autores menos entusiasmados com o internacionalismo,
destaca-se o trabalho de Danilo Zolo. Jurista e filósofo italiano, cujo trabalho se
concentra eminentemente no estudo da Epistemologia, Filosofia Política e Relações
Internacionais, mas que, para fins do presente estudo, se destaca em razão de sua escola
de pensamento, o Realismo.
Na filosofia, “Realismo” é uma expressão plurissignificativa. Existe o Realismo
medieval do Problema dos Universais, o Realismo Escocês do Senso Comum (Common
Sense Realism), Realismo Estético, Realismo Escandinavo, etc. Por conseguinte é
necessário sermos mais precisos ao falar do Realismo de Zolo.
Uma das formas mais tradicionais de se classificar as correntes filosóficas é
aquela que se dá através do estudo de métodos ou de resultados3. Neste escopo, o
Realismo que tratamos aqui é aquele que se opõe ao Idealismo.
Destarte, em Zolo o Realismo significa a visão do mundo a partir da perspectiva
de que existe uma verdade, existe uma realidade externa em si e por si (in and of itself),
e, desta feita, existe uma razão objetiva.
A consequência desta gramática filosófica é que Zolo enfrenta as questões
postas no Direito Internacional e nas Relações Internacionais a partir de uma
perspectiva de resultados concretos, com vistas na realidade em si e não em ideais. Dito
de forma ainda mais direta: o trabalho de Zolo propõem apresentar o mundo como ele é,
não como ele deveria ou poderia ser.
À título ilustrativo, ressaltamos que, diferente da leitura padrão, Zolo não é de
todo favorável às instâncias internacionais, sua crítica é dirigida, em especial, às Nações
Unidas. Além disso, Zolo não é partidário do “abolicionismo estatal” e a concretização
de um cosmopolitismo forte. Ademais, Zolo é defensor de uma leitura das relações
internacionais a partir de uma perspectiva multiplicadora, em oposição ao padrão
centralizador e hierárquico costumeiro dos internacionalistas.
É precisamente esta perspectiva realista e crítica do autor, além de seu apego ao
concreto e pragmático das relações internacionais, que fizeram com que seus escritos
nos saltassem aos olhos. Afinal, diferente do tradicional posicionamento da doutrina
internacionalista brasileira 4, tão disposta a elencar o Direito Internacional como
panaceia para a concretização dos Direitos Humanos, Zolo se apresenta como um cético.
Rodearmo-nos de autores que apenas concordam com que pensamos e reiteram
o que já sabemos transforma a pesquisa em mera regurgitação do dogma posto. De fato,
entendemos que não há nada mais proveitoso e frutífero que a investigação a respeito de
posicionamentos diferentes e até mesmo opostos à tradição.
Como adiantamos, a doutrina brasileira já é muito rica em apelos à tutela
realizada pelas instâncias internacionais e críticas à incompetência e parcialidade das
instâncias nacionais. No entanto, ainda existe uma carência quanto à leitura crítica e
realista do papel exercido por estas últimas. Sendo assim, a nosso ver, Zolo poderia
ajudar a suprir essa lacuna.
Deste modo, é neste contexto que surge o presente trabalho. Nossa proposta é
fazer uma análise do Globalismo em Zolo, detendo-nos não só na forma que Zolo
3 RUSSEL, Bertrand. The History of Western Philosophy. New York: Simon & Sc huster, 1972, p. 791.
4 Não podemos deixar de destacar o surgimento de uma estirpe de novos internacionalistas brasileiros que
não são tão encantados com o Sistema Internacional de Direitos Humanos, enxergando seus pontos
positivos e, também, seus defeitos. Neste sentido, cf. TENNO, Yulgan. Controle de Convencionalidade.
João Pessoa: Ideia, 2016, passim.

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