Responsabilidade civil: Evolução e Apanhado Histórico. A problemática da efetiva reparação do dano suportado pela vítima em razão da culpa como pressuposto.

AuthorFrederico de Ávila Miguel
PositionAdvogado Mestre em Direito - ITE/Bauru-SP Professor de Direito Civil da Faculdade de Direito das Faculdades Integradas

Aliado ‡ raz„o o ser humano traz consigo os sentimentos. Um caminha junto ao outro, sendo que muitas vezes aquela predomina sobre o lado sentimental e em outras ocasiões este prevalece em relaÁ„o ‡ face racional.

Certo é que o homem sempre zelou pelo que é seu e, também, por aquilo ou aqueles que lhe s„o queridos. Dessa forma, seja utilizando o juízo, seja agindo emotivamente, tem-se que quando percebe que seu patrimônio está sendo agredido por outrem o homem reage, defendendo-o, buscando preservá-lo e impedir a ocorrÍncia de qualquer tipo de prejuízo, ou, se o mesmo já se verificou, visa, ent„o, o retorno ao estado anterior ou uma compensaÁ„o pelo mal sofrido.

Aludida busca sempre existiu. Em todos os tempos o dano foi combatido pelo lesado. Todavia a forma de combater foi se alterando, sofrendo modificaÁões de acordo com o pensamento da época em que ocorria o dano. Essa evoluÁ„o culminou com a responsabilidade civil do agente causador do dano, a qual, no entanto, n„o permanece estática, mas sim em contínua evoluÁ„o, exigida pelo dinamismo da própria sociedade, que está sempre a buscar um direito mais justo e eficiente.

A verificaÁ„o dessa evoluÁ„o, bem como da correlaÁ„o existente com a responsabilidade penal, s„o fundamentais para uma melhor compreens„o do instituto da responsabilidade civil no âmbito do direito brasileiro moderno e, também, para a análise de sua efetividade na sociedade contemporânea.

Naturalmente que a compreens„o da evoluÁ„o histórica n„o é suficiente por si só, tornando-se imprescindível, para isso, o estudo de toda responsabilidade civil, desde seu conceito até, especialmente, seus pressupostos: aÁ„o ou omiss„o; culpa; nexo de causalidade; e dano. Todavia, n„o é isso que se pretende neste artigo, mas que, talvez, possa ser objeto de estudo em outra oportunidade. De qualquer maneira, n„o é demais destacar a culpa dentre os requisitos da responsabilidade civil, visto que ela se mostra mais intimamente ligada ‡ problemática da efetividade daquele instituto do direito junto ‡ coletividade.

Isso decorre principalmente devido ao embate entre as correntes subjetiva e objetiva, defensoras, respectivamente, da exigÍncia da culpa e da sua prescindibilidade para a caracterizaÁ„o da obrigaÁ„o de reparar o dano causado.

Por essa raz„o é a culpa que merecerá maior notoriedade no decorrer deste trabalho, durante o acompanhamento da evoluÁ„o e de um apanhado histórico da responsabilidade civil, passando, naturalmente, pelo embate entre as teorias subjetiva e objetiva.

Certo que a problemática da garantia da efetiva reparaÁ„o ‡ vítima pelo dano sofrido merece confrontamento com o sistema atual de aplicaÁ„o do direito, tendo em vista sempre a busca da justiÁa, o que se objetivará no transcorrer deste trabalho.

Como já salientado, a atual forma da responsabilidade civil é o produto de uma acentuada evoluÁ„o através dos tempos.

Nos primórdios o ofendido reagia ao dano de maneira imediata e brutal, movido por puro instinto. Nesta época predominava o sistema da vinganÁa privada1.

Costuma-se dizer que foi a época da reparaÁ„o do mal pelo mal. Em tal fase a culpa sequer era cogitada, bastava o dano, fato que possibilita classificar aquela responsabilidade de objetiva.

Note-se, contudo, que ‡s vezes n„o era possível ao lesado reagir desde logo, mesmo porque ele nem sempre estava presente no momento da prática do ato danoso. Nesses casos o castigo era posterior. A necessidade de regulamentaÁ„o desse castigo posterior deu origem ‡ pena do olho por olho, dente por dente , prevista na Lei de Tali„o.

Percebe-se, portanto, que a responsabilidade penal é anterior ‡ responsabilidade civil, podendo ser afirmado que esta evoluiu a partir daquela, que, no entanto, continua a existir em ramificaÁ„o distinta do direito. Enquanto a responsabilidade civil integra o direito privado, a responsabilidade penal está inserida no âmbito do direito público.

Após esse período surge o da composiÁ„o voluntária, com o qual o ofendido passou a ter a faculdade de substituir a retaliaÁ„o ao agente por uma compensaÁ„o de ordem econômica. Passa o lesado a perceber as vantagens advindas desta mudanÁa de conduta junto ao causador do dano. É o dinheiro substituindo o castigo físico. Nessa fase a culpa ainda n„o é cogitada como elemento necessário ‡ indenizaÁ„o, ou seja, a responsabilidade é objetiva, já que dispensa a análise da culpa.

É de se notar que n„o é só a responsabilidade que evolui com o passar do tempo. Todo o mundo vai se modificando, nas mais diversas áreas possíveis e imagináveis.

Eis que com a alteraÁ„o na estrutura estatal, mais precisamente com o surgimento de uma autoridade soberana, ocorre a proibiÁ„o ‡ vítima de fazer justiÁa com as próprias m„os. Com isso o Estado substitui o lesado na tarefa de dosar a pena ao agente causador do ato danoso e, ent„o, a composiÁ„o deixa de ser voluntária para ser obrigatória. Há a tarifaÁ„o dos danos, sendo estipulado um determinado preÁo para cada tipo de les„o. Nessa época, na qual foram elaborados os Códigos de Ur Manu, de Manu e da Lei das XII Tábuas, a responsabilidade era objetiva, prescindindo da verificaÁ„o da existÍncia da culpa.

Entretanto, com os romanos comeÁou a ser delineado um esboÁo de diferenciaÁ„o entre pena e reparaÁ„o, através da distinÁ„o entre delitos públicos e delitos privados. Enquanto nestes a autoridade intervinha...

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