O Regime Especial de Reservas da Organização Internacional do Trabalho: a Reserva Implícita ao Retrocesso Jurídico e Social dos Trabalhadores

AuthorDaniela Muradas Reis
PositionProfessora Adjunta de Direito do Trabalho da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais; Chefe do Departamento de Direito do Trabalho e <i>Introdu&ccedil;&atilde;o ao Estudo do Direito da UFMG, Coordenadora do Centro de Estudos de Direito Internacional do Trabalho da Faculdade de Direito da Universidade Federal de</i> Minas Gerais
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1. Considerações iniciais: Os procedimentos inerentes à validade internacional do tratado internacional

A conclusão de um tratado internacional deriva de um complexo de atos, especialmente os pertinentes às negociações preliminares, à adoção do texto e sua autenticação, aoPage 171consentimento do Estado em se vincular ao tratado, à comunicação da decisão de se vincular, bem como à própria entrada em vigor do diploma internacional, consoante as suas disposições.

Os procedimentos inerentes à conclusão de tratados derivam da fusão de normas internacionais –– catalogadas principalmente pela Convenção de Viena de 1969 e por práticas internacionais assentadas (costume internacional) –– e de normas nacionais2.

Conforme leciona Alain Pellet “se a conclusão dos tratados é, por sua natureza, uma matéria regulada pelo direito internacional, depende também, necessariamente do direito interno. Esta dualidade é freqüentemente fonte de complicações e dificuldades”3.

Considerando que a decisão de concluir tratado, na tradicional orientação jusinternacionalista pública, é ato de soberania, os aspectos procedimentais precedentes à ratificação, incluindo as negociações preliminares, a formação do texto pertinente ao documento internacional, a autenticação (assinatura) e a própria decisão de se vincular são regidos pela ordem nacional.

Na atual sistemática brasileira as negociações preliminares, a formação do texto do tratado internacional4, bem como a sua autenticação são atos do Poder Federal5, pois, nos termos do preceituado pelo art. 21, I, da CRFB/88 competelhe “manter relações com Estados estrangeiros e participar de organizações internacionais”.

Contudo, como a decisão de se vincular no plano internacional é ato complexo, conforme a sistemática constitucional brasileira (art. 49, I, da CF/88), os tratados internacionais dependem de aprovação pelo Congresso Nacional, mediante Decreto Legislativo (art. 59 da CRFB/88).

Conforme salienta Antônio Álvares da Silva, “o Presidente da República pode ratificar o tratado em dois momentos: tão logo seja concluído após as negociações internacionais ou submetêlo primeiro à aprovação do Legislativo, ratificando-o depois”6. E ainda esclarece, “será no entanto lógico que o ratifique depois da aprovação para que se evite a prática de atos inúteis no campo internacional, caso não haja aprovação no Congresso”7.

Ante a ausência da descrição detalhada do procedimento pertinente à adoção do tratado internacional no direito brasileiro, não se pode, de fato, falar na inviabilidade jurídica da proposta interpretativa do catedrático mineiro. Todavia, é de ressaltar que a hipótese de a ratificação ficar prejudicada pela desaprovação parlamentar pode ensejar a responsabilização internacional do Estado brasileiro, à medida que tratado ratificado gera obrigações no plano internacional.

Merece registro, no entanto, a interpretação de que o tratado não poderá ser ratificado sem a prévia aprovação do Congresso Nacional. neste sentido a lição dePage 172Arnaldo Süssekind,8 apoiada em julgado do Supremo Tribunal Federal e na doutrina de Pontes de Miranda, Castro Nunes e Carlos Maximiliano9. Perfilha ainda desta orientação Estevão de Rezende Martins10.

Com efeito, por tradição a aprovação pelo Congresso Nacional antecede à ratificação do documento oficial, seja pelo critério de utilidade, indicada por antônio Álvares Da silva, seja pela sua inviabilidade jurídica, como preconiza a segunda vertente teórica.

Relativamente à tramitação do tratado, concorda a doutrina ser defeso ao Congresso Nacional emendar o texto apresentado. Afinal, o texto do tratado deriva de negociações internacionais.

Assim, a apreciação do tratado internacional pelo Congresso Nacional comporta a sua aprovação, com a conseqüente promulgação mediante Decreto Legislativo ou, por outro lado, se o Congresso não o aprovar, será a recusa comunicada por mensagem ao Executivo, que fica neste caso inviabilizado quanto à ratificação do tratado internacional. Também não é demais acrescer que poderá o Congresso Nacional aprovar em parte o tratado, quando ele comportar reservas.

De todo modo, da aprovação do tratado pelo Congresso Nacional não decorre a vigência do diploma internacional, pois à celebração dos tratados internacionais imperiosa é a ratificação, que é ato privativo do Presidente da República (art. 84, VIII da CF/88). Demais, a vigência do tratado no plano internacional pode ainda depender de outras condições ventiladas no próprio diploma internacional.

Em posição divergente, Ives Gandra da Silva Martins, com suporte em exegese literal do dispositivo constitucional (art. 49, I da CRFB/88), distingue a eficácia precária e eficácia definitiva dos tratados. Para o constitucionalista, entre a assinatura do tratado e o referendo ocorre uma “eficácia provisória, mas real”11, à medida que a celebração do tratado é ato privativo do Presidente que se sujeita a referendo do Congresso Nacional. Assim, a eficácia dos tratados ganha definitividade quando expressamente aprovada pelo Congresso Nacional, por meio de Decreto Legislativo. Por conseqüência, a promulgação por decreto presidencial é mera formalidade sem eficácia jurídica12. Também para Antonio Álvares da Silva é a deliberação congressional o marco de vigência interna dos tratados internacionais13.

Todavia, é de se considerar que a eficácia é atributo de norma vigente, o que não ocorre com as normas decorrentes de tratados aprovados pelo Congresso Nacional, haja vista que o documento internacional sequer contou com a ratificação, que é pressuposto de validade formal no plano internacional. E a ausência de vigência do tratado no plano internacional prejudica a sua vigência no plano nacional.

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Isto porque a vigência de um diploma normativo na esfera nacional depende de procedimento legislativo válido, o que não ocorre em caso de tratados não ratificados.

Além disso, há uma substancial diferença entre a decisão (ainda que em caráter definitivo) de se obrigar mediante tratado e a comunicação do ato desta decisão no plano internacional. Distinguem-se, pois, o ato de vontade e o ato declaratório desta vontade no plano internacional, que se designa ratificação14.

Com efeito, José afonso Da silva distingue, com a clareza que lhe é peculiar, as atribuições legislativas e deliberativas do Congresso Nacional, dentre as últimas se incluem a aprovação de tratado internacional15.

Assim, o decreto legislativo indicado pelo art. 59 da Constituição é simples instrumento de comunicação da aprovação do tratado pelo Congresso Nacional. Trata-se, pois de um veículo inerente às atribuições meramente deliberativas do Congresso Nacional, não se confundindo com as espécies legislativas em sentido estrito. Nestes termos, a sua aprovação não determina a vigência do tratado internacional, nem do prisma internacional, que depende da ratificação e eventualmente até mesmo de outras condições de vigência, nem tampouco do prisma nacional.

Como assinala Valério de Oliveira Mazzuoli:

“Apesar de estar o decreto legislativo dentre as espécies normativas do art. 59 da Constituição, ou seja, sem embargo de estar compreendido no processo legislativo, ‘não tem ele o condão de transformar o acordo assinado pelo Executivo em norma a ser observada, quer na órbita interna, quer na internacional’. Tal fato somente irá ocorrer com a posterior ratificação e promulgação do texto do tratado pelo Chefe do Poder Executivo, o que o faz por meio de decreto. É que, dando a Carta ao Presidente da República a competência privativa para celebrar tratados, e sendo ele o representante do Estado na órbita internacional, sua também deverá ser a última palavra em matéria de ratificação. A manifestação do Congresso Nacional só ganha foros de definitividade quando desaprova o texto do tratado anteriormente assinado pelo Chefe do Executivo” 16 .

Demais, não poderá o Presidente nem mesmo ratificar o tratado, ainda que aprovado pelo Congresso Nacional. Pensar de maneira distinta poderia, inclusive, traduzir grave ofensa ao princípio da separação de poderes17.

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Com a ratificação do tratado realiza-se o suposto de vigência formal de obrigações derivadas dos tratados internacionais, nos termos da Convenção de Viena18.

Deve-se ainda esclarecer que nos tratados solenes a autenticação do tratado não se confunde com a sua ratificação.

A autenticação, que se expressa concretamente pela assinatura do tratado, consiste em ato internacional pelo qual se reconhece “um estatuto provisório em relação ao tratado” 19. A autenticação traduz o termo final do processo elaboração do texto do tratado e não gera obrigação de o Estado vincular-se ao diploma internacional. É o que consagra a Convenção de Havana de 1928, pela qual se firmou que os tratados não são obrigatórios senão depois de ratificados.

A ratificação, por seu turno, define-se como a aceitação formal manifestada no plano internacional de se obrigar mediante tratado. Nos termos da Convenção de Viena a ratificação consiste no “ato internacional [...] pelo qual o Estado faz constar no âmbito internacional seu consentimento em obrigar-se por um tratado” (art. 2º da Convenção de Viena de 1969).

No caso dos tratados multilaterais ainda se tem empregado outros termos significando a confirmação de sua decisão de se obrigar no plano internacional, tais como aceitação, adesão ou aprovação (art. 2º, § 2º da Convenção de Viena sobre tratados).

Ora, em sendo a ratificação ato internacional, a...

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