Report No. 337 (2020) IACHR. Petition No. 993-13 (Brasil)

Year2020
Case TypeAdmissibility
Respondent StateBrasil
CourtInter-American Comission of Human Rights
R. Nº 337/20












OEA/Ser.L/V/II.

D.. 355

24 novembro 2020

Original: português

RELATÓRIO 337/20

PETIÇÃO 993-13

RELATÓRIO DE ADMISSIBILIDADE



KÉRIKA DE SOUZA LIMA E FAMILIARES

BRASIL


































Aprovado eletronicamente pela C. em 24 de novembro de 2020.








Citar como: CIDH, R. No. 337/20. Petição 993-13. A.. K. de Souza Lima e familiares. Brasil. 24 de novembro de 2020.



www.cidh.org


I. DADOS DA PETIÇÃO

Parte peticionária:

Grupo Esperança; RedTrans

Supostas vítimas:

K. de Souza Lima e familiares1

Estado denunciado:

Brasil2

Direitos alegados:

Artigos 4 (vida), 5 (integridade pessoal), 8 (garantias judiciais) e 25 (proteção judicial) da Convenção Americana de Direitos Humanos3

II. TRÂMITE ANTE A CIDH4

Apresentação da petição:

18 de junho de 2013

N. da petição ao Estado:

8 de dezembro de 2015

Primeira resposta do Estado:

3 de março de 2016

Observações adicionais da parte peticionária:

21 de julho de 2017

Observações adicionais do Estado:

22 de janeiro de 2019

III. COMPETÊNCIA

Competência Ratione personae:

S.

Competência Ratione loci:

S.

Competência Ratione temporis:

S.

Competência Ratione materiae:

S., Convenção Americana (instrumento adotado no dia 25 de setembro de 1992)

IV. DUPLICAÇÃO DE PROCEDIMENTOS E COISA JULGADA INTERNACIONAL, CARACTERIZAÇÃO, ESGOTAMENTO DOS RECURSOS INTERNOS E PRAZO DE APRESENTAÇÃO

Duplicação de procedimentos e coisa julgada internacional:

Não

Direitos declarados admitidos:

Artigos 4 (vida), 5 (integridade pessoal), 8 (garantias judiciais), e 25 (proteção judicial), todos relacionados ao artigo 1.1 (obrigação de respeitar os direitos) da Convenção Americana

Esgotamento dos recursos internos ou procedência de uma exceção:

S.

Apresentação dentro do prazo:

S.

V. FATOS ALEGADOS

  1. A parte peticionária afirma que o Estado brasileiro é responsável pela violação dos direitos à integridade pessoal e à vida da mulher trans K. de Souza Lima5; que seu assassinato por policiais militares se encontra impune; e que os policiais responsáveis continuaram nos quadros da corporação.


  1. Segundo a organização peticionária, K. foi brutalmente espancada e assassinada por policiais militares no dia 1 de abril de 2000 e, até o momento da apresentação da petição – 23 de maio de 2013 –, o processo movido contra esses policiais ainda não havia sido julgado.


  1. O atestado de óbito indica, como causa da morte, “hemorragia aguda por rotura do fígado por agressão física”. Segundo informações prestadas pela peticionária, os policiais teriam tentado extorquir K., que se recusou a dar-lhes o dinheiro que exigiam. Os policiais teriam, então, detido e agredido K., levando-a para a delegacia. Liberada pelos policiais, K. morreria, horas depois, em decorrência das agressões.


  1. Segundo informações prestadas pela parte peticionária, as agressões e o homicídio de K. estão inseridos num contexto de violência contra pessoas trans; houve inquérito policial, instaurado em 4 de abril de 2000; foi iniciada uma ação penal em maio de 2001; houve, em 27 de julho de 2006, sentença de pronúncia por meio da qual a autoridade judicial concluiu ser procedente a pretensão punitiva contra os policiais por homicídio qualificado, e que os mesmos deveriam ser levados a júri. No entanto, o processo criminal permaneceu inconcluso e os responsáveis impunes. E. impunidade, indicou a parte peticionária, também é parte de um contexto de descaso com os direitos das pessoas trans.


  1. O Estado, por sua vez, sustentou que a petição apresentada à CIDH não observou os requisitos do artigo 28 do Regulamento da C.. Alega o Estado, em particular, que a parte peticionária não apresentou “minimamente” os fatos, o que prejudica a própria possibilidade de defesa estatal e inviabiliza, ademais, a análise do caso pela C.. Para o Estado, o caso deve ser declarado inadmissível, ademais, com base no artigo 34(c) do Regulamento da C., em função de informação superveniente. Segundo o Estado, a petição ante a CIDH foi apresentada em junho de 2013, contudo, foi proferida sentença que julgou a ação criminal e absolveu os réus em 14 de outubro de 2013, com trânsito em julgado em 21 de outubro de 2013. Esse fato superveniente, afirma o Estado, demonstraria que houve prestação jurisdicional. O Estado alega, ademais, que a parte peticionária não esgotou os recursos internos, pois apresentou a petição à CIDH antes que a ação criminal fosse julgada. Segundo o Estado, o processo interno foi conduzido regularmente e a C.I. não pode funcionar como instância recursal da decisão do Tribunal de Júri que absolveu os policiais.

VI. ANÁLISE DE ESGOTAMENTO DOS RECURSOS INTERNOS E PRAZO DE APRESENTAÇÃO

  1. Em relação ao esgotamento dos recursos internos, as informações prestadas pelas peticionárias indicam que houve demora injustificada na decisão sobre os citados recursos. O Estado, em contrapartida, afirma que a petição não apresenta os fatos, impedindo que haja defesa estatal; que os recursos internos não tinham sido esgotados no momento em que a petição foi apresentada à CIDH; que o esgotamento ocorrido meses após a apresentação da petição à CIDH representa fato superveniente que determina a inadmissibilidade do caso; e, por fim, que não cabe à C. reanalisar o mérito das decisões adotadas em âmbito interno.

  2. A C.I. nota que a parte peticionária relatou fatos de maneira suficiente a permitir tanto a defesa do Estado quanto a possibilidade de a C. analisar o caso. Quanto às alegações relativas ao art. 34 (c) do Regulamento, a C. esclarece que o requisito em questão demanda da CIDH uma análise prima facie com o único objetivo de determinar se os fatos expostos caracterizam uma possível violação de direitos humanos, bem como se os fatos não resultam manifestamente infundados ou improcedentes. 6 No presente assunto, os fatos expostos cumprem esse requisito. A posição do Estado de que houve prestação jurisdicional demonstrada por fato superveniente ao protocolo da petição ante a CIDH diz respeito ao mérito do caso, mais precisamente se houve violação ou não de normas relativas às garantias judiciais e à proteção judicial, o que não faz parte do escopo de análise do presente relatório de admissibilidade.

  3. Em relação ao esgotamento dos recursos internos, a C. observa que i) em situações que incluem delitos contra a vida e a integridade, os recursos internos a serem esgotados são aqueles relativos à investigação penal e à sanção dos responsáveis7; e que ii) a análise sobre os requisitos de admissibilidade deve ser feita “à luz da situação vigente no momento em que [a CIDH] se pronuncia sobre a admissibilidade ou inadmissibilidade da denúncia”.8 Por essa razão, o fato de a petição ter sido apresentada antes do trânsito em julgado da ação penal não impede sua admissibilidade.

  4. Estabelecidas essas premissas, a C. destaca que os recursos foram esgotados com a decisão de 14 de outubro de 2013 que absolveu os policiais, com trânsito em julgado no dia 21 de outubro de 2013.9 Diante de todo o exposto, a C. considera preenchidos os requisitos exigidos pelo artigo 46.1 da Convenção Americana, tendo em vista o esgotamento dos recursos internos pela parte peticionária e, ainda, a apresentação dentro do prazo de seis meses.

VII. ANÁLISE DE CARACTERIZAÇÃO DOS FATOS ALEGADOS

  1. A presente petição inclui alegações a respeito de agressões e do homicídio da Sra. K. por policiais militares; a demora no processamento dos responsáveis e a consolidação de um cenário de impunidade com a sua absolvição; o crível sofrimento dos familiares de K. em virtude dos fatos indicados e, por fim, a possível ausência de reparações aos mesmos.

  2. Em atenção a estas considerações e após examinar os elementos de fato e de direito expostos pelas partes, a C. estima que as alegações da parte peticionária não são manifestamente infundadas e requerem um estudo de mérito, pois os fatos alegados, se corroborados como certos, podem caracterizar violações aos direitos protegidos pelos artigos 4 (vida), 5 (integridade pessoal), 8 (garantias judiciais), e 25 (proteção judicial), todos relacionados ao artigo 1.1 (obrigação de respeitar os direitos) da Convenção Americana.


  1. Finalmente, quanto à alegação do Estado de que a admissão da presente petição caracterizaria violação à fórmula da quarta instância, a C. reitera que dentro do marco do seu mandato, é competente para declarar admissível uma petição e decidir sobre o mérito quando esta se refira a processos internos que poderiam violar os direitos garantidos pela Convenção Americana.

VIII. DECISÃO

  1. Declarar admitida a presente petição em relação aos artigos 4, 5, 8 e 25 da Convenção Americana, relacionados ao artigo 1.1;

  2. Notificar as partes sobre a presente decisão, continuar com a análise de mérito da questão, publicar a decisão e inclui-la em seu R. Anual à Assembleia-Geral da Organização dos Estados Americanos.

Aprovado pela C.I. de Direitos Humanos aos 24 dias do mês de novembro de 2020. (Assinado): Joel Hernández García, P.; A.U., Primeira Vice-P.; Esmeralda E. Arosemena Bernal de T. e Stuardo Ralón Orellana, M. da C..


1 Manoel Félix de Lima (pai) e M.J. de Souza (mãe).

2 Conforme disposto no artigo 17.2.a do Regulamento da C., a C.F.P., de nacionalidade brasileira, não participou no debate nem na decisão do presente assunto.

3 Adiante “Convenção Americana”.

4 As observações de cada parte foram devidamente transladadas à parte...

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