Rawls e Habermas - Leitores de Kant

AuthorAlexandre Parola
PositionDiplomata de carreira, Alexandre Parola é Doutor em Filosofia, com Pós-Doutorado na Universidade de Oxford, U.K.
Pages19-48
Rawls e Habermas - Leitores de Kant 19
Rawls e Habermas - Leitores de Kant
ALEXANDRE PAROLA1
If a reasonably just society that subordinates power to its aims
is not possible and people are largely amoral, if not incurably
cynical and self-centered, one might ask with Kant whether it
is worthwhile for human beings to live on the earth.2
Resumo
No presente artigo, trato de discutir as contribuições de John Rawls e Jürgen
Habermas para a losoa política, com especial ênfase em sua discussão da ordem
internacional. Nesse esforço, as obras de ambos são situadas no âmbito de sua matriz
kantiana. Aanálise se concentra essencialmente na discussão das teses centrais dos
conceitos de justiça como equidade e de situação discursiva ideal naquilo que estas se
relacionam ao temário da ordem e da justiça na sociedade internacional.
Abstract
In this article, I try to discuss John Rawls’ and Jürgen Habermas’ contribution
to political philosophy, with special emphasis on the discussion of the international
order. In this effort, the works of bothauthors are located within a Kantian framework.
The analysis focuses mainly on discussing the central theses of the concepts of justice
as equity and ideal discursive situation considering the relationship of these concepts
to the agenda of order and justice in the international society.
cd
O artigo que segue parecerá talvez curioso ao leitor de revista especializada em
Direito Internacional. Honrado com o convite para submeter à publicação neste
prestigioso Anuário texto de minha autoria, não poderia, seja recusar, seja pretender
contribuir para o pensamento na área especíca de concentração dos intelectuais e
juristas que aqui publicam. Aalternativa que me pareceu única a meu alcance – e
registro meu agradecimento ao corpo editorial por tê-la aceito - seria oferecer algo
de minha reexão sobre tema que me parece de particular interesse na área da
losoa política, a saber, as leituras contemporâneas de Kant como demarcando um
1Diplomata de carreira, Alexandre Parola éDoutor em Filosofia, com Pós-Doutorado na Universidade de
Oxford, U.K.
2John Rawls, Political Liberalism (New York: Columbia University Press, 1993), p. lxii
20 VANUÁRIO BRASILEIRO DE DIREITO INTERNACIONAL | V. 1
espaço importante no qual se dáo debate conceitual sobre ordem, justiça, liberdade e
autonomia. É nessa perspectiva que, no texto que segue, pretendo apresentar algumas
das linhas centrais da obra de John Rawls e de Jürgen Habermas, como leitores de
Kant. nfase estará em estudar o que têm a oferecer, para o entendimento da ordem
internacional, dois autores centrais do pensamento político contemporâneo, Rawls
e Habermas. O artigo começa, assim, com breve recapitulação de algumas teses
kantianas para, em seguida, expor a contribuição de Rawls consolidada em seu Law of
Peoples e, nalmente, analisar os contornos gerais daquilo que Habermas denomina
de “constelações pós-nacionais.” Passo ao texto.3
“Duas coisas enchem o ânimo de admiração e veneração sempre novas e crescentes,
quanto mais freqüentemente e com maior assiduidade delas se ocupa a reexão: O
céu estrelado sobre mim e a lei moral em mim.”4Afamosa passagem deixa claro
que a revolução copernicana promovida pela Crítica da Razão Pura não se restringe
à determinação do que pode ser conhecido, mas também se estende ao campo da
reexão ética.
Arevolução promovida por Kant tem, entre seus traços essenciais, o princípio da
autonomia da vontade, o qual expressa a vontade como atribuindo a si própria sua
lei universal.5Em contraste com os resultados de sua losoa teórica, no marco da
qual a razão humana não pode buscar apreender o concreto além das condições de
possibilidade da experiência, em sua losoa moral Kant faz da liberdade um dos
postulados da razão prática. Prático é tudo aquilo que é possível pela liberdade.6A
importância da liberdade é rearmada na Fundamentação da Metafísica dos Costumes,
quando o conceito é apresentado como fundamento da possibilidade de um imperativo
categórico.7Ora, se éeste o caso, a moral kantiana se desenha tendo a liberdade como
princípio moral último, o qual se desdobra na capacidade de a razão humana atribuir
a si mesma leis que sejam universalizáveis, que tratem a humanidade como m em si
mesmo e, assim fazendo, que constituam um reino dos ns no seio do qual cada ser
humano está livre para buscar seus propósitos dentro dos limites dados pelo respeito à
liberdade alheia. Atraduçãopolítica dessa teoria moral é obviamente poderosa em sua
de justiça deixar o registro de meu agradecimento aos comentários e à revisão judiciosa de que pude
beneciar-me por parte do colega João Ernesto Christófolo. Os erros que persistam são, naturalmente,de
minha exclusiva responsabilidade.
4Immanuel Kant, Crítica da Razão Prática (Lisboa, Portugal: Edições 70, 2001), p. 183 [5:161]. Nos
comentários aos textos de Kant, atenho-me às traduções para oportuguês, indicando, entre parênteses, seja
apaginação da edição original, seja apaginação da edição das obras completas pela Academia de Berlim.
Nesta segunda opção, onúmero inicial indica ovolumedentro da coleção, seguido pela referência àpágina
citada.
5Immanuel Kant, Fundamentação da Metafísica dos Costumes (Lisboa, Portugal: Edições 70, 2005), p. 72
[4:431].
6Immanuel Kant, Crítica da Razão Pura,trad. Manuela Pinto dos Santos eAlexandre Fradique Morujão
(Lisboa, Portugal: Fundação Calouste Gulbenkian, 1989), p. 636 [A 801/B829].
7Kant, Fundamentação da Metafísica dos Costumes , pp. 67-68 [4:428].

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