A posse-trabalho, prevista no art. 1.228, §§4º e 5º, do Código Civil, como forma de aquisição da propriedade através da usucapião especial coletivo.

AuthorJoana Tonetti Biazus
PositionMestre em Ciência Jurídica pela Fundinopi. Juíza de Direito do Estado do Paraná. Professora

Como é de conhecimento dos operadores do direito, o novo Código Civil, que entrou em vigor em 2002, trouxe inúmeras inovações, dentre elas, o relacionado ao conceito de propriedade, que passou a ser visto sob novo ângulo, muito mais voltado à sua função social , o que leva as noções de uso adequado da terra em prol do bem comum ou interesse social. Por outro lado, a propriedade ainda continua a ser elemento essencial da estrutura econômica e social do Estado, merecendo especial proteção jurídica.

Neste sentido, de acordo com o princípio da função social da propriedade, que leva a limitação ao uso, gozo e disposição da propriedade em prol do bem estar coletivo, temos o art. 1228, e seus §§4º e 5º, cujo conteúdo será objeto de análise.

O art. 1228, §§4º e 5º, do CC/2002, apresenta um novo instituto jurídico ainda não totalmente desvendado e que causou, e está ainda causando, inúmeras divergências doutrinárias quando à sua classificação jurídica, se analisado superficialmente ou numa interpretação apenas gramatical.

Reza o citado artigo e seus parágrafos que:

Art. 1228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente o possua ou detenha.

Omissis

§4º.O proprietário também pode ser privado da coisa se o imóvel reivindicado consistir em extensa área, na posse ininterrupta e de boa-fé, por mais de cinco anos, de considerável número de pessoas, e estas nelas houverem realizado, em conjunto ou separadamente, obras e serviços considerados pelo juiz de interesse social e econômico relevante.

§5º. No caso do parágrafo antecedente, o juiz fixará a justa indenização devida ao proprietário; pago o preço, valerá a sentença como título para o registro do imóvel em nome dos possuidores.

O dispositivo, tal como escrito, leva a um certo temor, diante das constantes invasões de terras ocorridas no país, já que, numa primeira análise, indicaria uma autorização legal para a invasão de terras, uma vez que o dispositivo citado não exige que a posse seja MANSA e PACÍFICA, sendo inclusive autorizada a posse VIOLENTA como forma de aquisição da propriedade pelo decurso do tempo.

No entanto adentrando na análise do instituto com mais profundidade, verifica-se que se trata de proteção à posse pro labore , segundo denominação da Maria Helena Diniz1, ou posse-trabalho na denominação de Miguel Reale, na exposição de motivos do Novo Código Civil, pois através do instituto se autoriza que determinado número de pessoas obtenham a propriedade, desde que construam sua moradia e efetuem benfeitorias de caráter social e cultural produtivo, exercendo a posse em conjunto de determinada área, por 05 (cinco) anos.

Mas de que forma se dará este reconhecimento da posse-trabalho?

Surgiram duas correntes para explicar o instituto, a primeira entendendo que se trata de uma nova espécie de desapropriação, e outra, como sendo uma espécie de usucapião coletivo.

Filiam-se à primeira corrente, ou seja, que entendem como forma desapropriação judicial através da posse-trabalho, Marco Aurélio S. Viana2e Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery3.

Segundo Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, a norma cria a desapropriação judicial, considerada uma inovação do mais alto alcance, inspirada no sentido social de propriedade, implicando não só novo conceito desta, mas também novo conceito de posse, que se poderia qualificar como sendo posse trabalho.

Para realçar o posicionamento, afirmam seus defensores que no prisma topográfico, com interpretação sistemática do código, percebe-se que se trata de expropriação (desapropriação judicial), já que no parágrafo antecedente, o legislador, a teor do art. 5º, XXIV, da Constituição Federal, regulou, expressamente, as hipóteses de desapropriação por necessidade ou utilidade...

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