A Petição 4.625-1, República do Sudão e a Obrigação do Brasil de Cooperar com o Tribunal Penal Internacional

AuthorLeonardo Nemer Caldeira Brant/Bruno de Oliveira Biazatti
Pages97-116
XII ANUÁRIO BRASILEIRO DE DIREITO INTERNACIONAL 97
Anuário Brasileiro de Direito Internacional, ISSN 1980-9484, vol.1, n.22, jan. de 2017.
A PETIÇÃO 4.625-1/REPÚBLICA DO SUDÃO E A OBRIGAÇÃO DO BRASIL
DE COOPERAR COM O TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL
THE PETITION 4.625-1 / REPUBLIC OF THE SUDAN AND THE OBLIGATION OF
BRAZIL TO COOPERATE WITH THE INTERNATIONAL CRIMINAL COURT
Leonardo Nemer Caldeira Brant1
Bruno de Oliveira Biazatti2
RESUMO
Sabendo que o Tribunal Penal Internacional (TPI) não possui mecanismos próprios para
implementar suas decisões, o Estatuto de Roma determina que os Estados devem
cooperar com este Tribunal. O presente artigo objetiva descrever o sistema de
cooperação estabelecido pelo Estatuto e também o caso Omar Al Bashir, que é o caso
paradigmático do TPI quanto à falta de cooperação pelos Estados. Depois disso,
analisar-se-á a decisão do Supremo Tribunal Federal no âmbito da Petição no. 4625/1,
referente à República do Sudão do Sul. Trata-se de pedido de cooperação enviado ao
Brasil pelo TPI demandando a prisão e entrega do réu Omar Hassan Ahmad Al Bashir,
o atual Presidente do Sudão, caso ele venha ao Brasil. O artigo focará em dois tópicos
analisados na decisão: a imunidade de chefe de Estado do Presidente Al Bashir e a
distinção entre extradição e entrega.
Palavras-chave: Tribunal Penal Internacional; Cooperação com o Tribunal Penal
Internacional; Petição no. 4625/1/República do Sudão do Sul; imunidades perante
tribunais penais internacionais; entrega; extradição.
ABSTRACT
Knowing that the International Criminal Court (ICC) does not have its own mechanisms
to implement its decisions, the Rome Statute requires States to cooperate with this
Tribunal. This article aims to describe the system of cooperation established by the
Statute and also the Omar Al Bashir case, which is the paradigmatic case of the ICC
regarding the lack of cooperation by States. After that, the decision of the Federal
Supreme Court in the context of Petition no. 4625/1, referring to the Republic of South
Sudan, will be analyzed. This is a request for cooperation sent to Brazil by the ICC
demanding the arrest and surrender of the defendant Omar Hassan Ahmad Al Bashir,
the current President of Sudan, should he come to Brazil. The article will focus on two
topics discussed in the decision: President Al Bashir's immunity of head of state and the
distinction between extradition and surrender.
1 Doutor em Direito Internacional pela Université Paris X Nanterre, com tese laureada com o Prix du
Ministère de la Recherche. J urista Adjunto na Corte Internacional de Justiça CIJ. Membro do Comitê
Consultivo para Nomeações do Tribunal Penal Internacio nal TPI. Professor associado d e Direito
Internacional Público d a UFMG e da PUC Minas. Professor convidado na Université Paris X, no Institut
des Hautes Études Internationales da Université Panthéon-Assas Paris II, na Université Caen Basse-
Normandie, e no XXXVII Curso de Direito Internacional da OEA. Visiting Fellow no Lauterpacht Center
da Cambridge University. Presidente e fundador do Centro de Direito Internacional CEDIN. Editor
Chefe do Anuário Brasileiro de Direito Internacional ABDI.
2 Mestrando do Programa de Pós-Graduação e m Direito da Universidade Federal de Minas Gerais
(UFMG), linha Direito Internacional Contemporâneo. Bacharel em Direito pela UFMG.
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Anuário Brasileiro de Direito Internacional, ISSN 1980-9484, vol.1, n.22, jan. de 2017.
Keywords: International Criminal Court; Cooperation with the International Criminal
Court; Petition no. 4625/1 / Republic of South Sudan; immunities before international
criminal courts; delivery; extradition.
1. INTRODUÇÃO
O ímpeto de trazer justiça a graves violações contra a dignidade humana foi
determinante para a criação de uma corte criminal internacional permanente,
empoderada para investigar, julgar e punir indivíduos responsáveis pelas “[...]
atrocidades inimagináveis que chocam profundamente a consciência da humanidade”
(TPI, 1998, preâmbulo). A fim de criar essa corte, os Estados se reuniram em Roma, em
julho de 1998, e adotaram o Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional (TPI).
Esse Tribunal foi estabelecido oficialmente no dia 1º de julho de 2002, data em que o
Estatuto de Roma entrou em força (CASSESE, 2013, p.261-263; CANÇADO
TRINDADE, 2015b, p.21-22). Em junho de 2017, ele tinha 23 casos em andamento3 e
seu Estatuto contava com 124 Estados partes4, sendo o Brasil um deles. A promulgação
do Estatuto pelo Brasil ocorreu em 25 de setembro de 2002, quando o Presidente
Fernando Henrique Cardoso publicou o Decreto no. 4.388.
A criação do TPI representa um grande avanço para a efetivação dos direitos
humanos internacionalmente reconhecidos e também para o combate à impunidade. Isso
porque, o TPI possui uma função específica na responsabilização internacional pelas
violações graves dos direitos humanos: enquanto outros tribunais internacionais focam
na responsabilidade dos Estados, o TPI determina a responsabilidade penal dos
indivíduos (CANÇADO TRINDADE, 2015a, p.701). São duas funções complementares
e igualmente relevantes, em especial porque nenhum tribunal internacional possui
hierarquia ou importância superiores em face dos outros (CANÇADO TRINDADE,
2015b, p.37-39).
O presente artigo visa analisar o pedido de cooperação judiciária submetido ao
governo brasileiro pelo TPI, com o objetivo de prender e entregar Omar Hassan Ahmad
Al Bashir, o Presidente do Sudão, àquele Tribunal, caso o sudanês entre no território do
Brasil. O TPI emitiu dois mandados de prisão contra Al Bashir, em razão da suposta
prática de crimes de guerra, crimes contra a humanidade e atos de genocídio previstos
no Estatuto de Roma. O pedido de cooperação foi submetido ao Brasil por meio do
Embaixador brasileiro no Reino dos Países Baixos, país onde a sede do TPI se localiza.
Posteriormente, por meio da Petição 4.625-1, o referido pedido de cooperação foi
enviado ao Supremo Tribunal Federal (STF) para análise. Essa Corte emitiu a sua
decisão em 17 de julho de 2009, na forma de um despacho do Ministro Celso de Mello,
o presidente do STF em exercício à época.
A análise aqui proposta se dividirá em três partes. Na primeira, examinar-se-á o
escopo e as caraterísticas da obrigação dos Estados de cooperar com o TPI, nos termos
do Estatuto de Roma. Num segundo momento, o caso de Omar Al Bashir será descrito,
indicando, notadamente, as dificuldades encontradas pelo TPI para assumir a custódia
do acusado. Por fim, o despacho do Ministro Celso de Mello, no âmbito da Petição
3 A lista com todos os casos em andamento no TPI pode ser encontrada no seguinte link:
. Acesso em: 12/06/2017.
4 A lista com todos os Estados partes do Estado de Roma pode ser encontrada no seguinte link:
cpi.int/en_menus/asp/states%20parties/Pages/the%20states%20parties%20to%20the%20rome%20statute.
aspx . Acesso em: 12/06/2017.
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4.625-1, será minuciosamente analisado, destacando os dois principais pontos
abordados pelo Ministro na decisão, quais sejam a imunidade penal de Omar Al Bashir
como chefe de Estado e a diferença entre o procedimento de extradição e entrega.
2. A OBRIGAÇÃO DOS ESTADOS DE COOPERAR COM O TPI À LUZ DO
ESTATUTO DE ROMA
Apesar de sua inquestionável relevância, o TPI pode ser descrito como “[...] um
gigante sem braços e pernas, que precisa de membros artificiais para andar e trabalhar”
(CASSESE, 1998, p.13). Essa frase ilustra que o TPI não possui mecanismos próprios
para garantir a eficácia de suas decisões, sendo, em grande medida, dependente da
cooperação dos Estados para investigar, prender, julgar e punir os indivíduos que
cometeram os crimes internacionais sob sua jurisdição (PHOOKO, 2011, p.195). Com
isso, as autoridades estatais são os membros artificiais responsáveis pela
operacionalidade daquela corte (CASSESE, 1998, p.13).
O caráter essencial da obrigação dos Estados de cooperar com o TPI se torna
evidente ao analisarmos o artigo 63 do Estatuto de Roma, segundo o qual “[o] acusado
estará presente durante o julgamento” (TPI, 1998, art.63). Diante disso, os
procedimentos no TPI não podem prosseguir enquanto o acusado não estiver sob a
custódia do Tribunal e presente na sala de julgamento. Se o próprio réu não se entregar
voluntariamente, ao TPI apenas resta esperar que os Estados cooperem, prendendo o
acusado e o enviando à Haia. Devido a essa exigência específica do artigo 63, cinco
ações criminais perante o TPI ainda não prosseguiram para a fase de julgamento, pois os
acusados estão foragidos5.
Esse cenário revela que a falta de cooperação pelos Estados, em especial a
recusa de deter e entregar os acusados, possui a nefasta consequência de impedir que o
TPI exerça as suas funções e competências outorgadas pelo Estatuto de Roma. Assim, o
TPI não funciona como uma corte doméstica tradicional. Sem o intermédio das
autoridades nacionais, ele não pode executar mandados de prisão, coletar material
probatório, coagir testemunhas a prestar depoimento e nem periciar os locais onde os
crimes foram supostamente cometidos (CASSESE, 1999, p.164). A cooperação estatal
com o TPI é tão essencial que o Estatuto de Roma dedicou um capítulo inteiro a esta
temática: o Capítulo IX.
A obrigação geral de cooperar com o Tribunal se encontra positivada no
primeiro artigo do Capítulo IX: o artigo 86. Esse dispositivo afirma que “[o]s Estados
Partes deverão, em conformidade com o disposto no [Estatuto de Roma], cooperar
plenamente com o [TPI] no inquérito e no procedimento contra crimes da competência
deste” (TPI, 1998, art.86). O artigo 86 deixa claro que o dever de cooperar com o
Tribunal é uma obrigação objetiva e vinculante, não sendo passível de disposição pelos
Estados conforme suas conveniências políticas (BIATO, 2016, p.1238). O Estatuto de
Roma também indica que “[o]s Estados Partes deverão assegurar-se de que o seu direito
interno prevê procedimentos que permitam responder a todas as formas de cooperação
especificadas [no Capítulo IX do Estatuto]” (TPI, 1998, art.88).
Na Conferência de Roma que adotou o Estatuto, os Estados tinham duas opções
de modelos normativos para regular a cooperação com o TPI: um modelo interestatal e
outro supraestatal (também chamado de modelo hierárquico). O primeiro deles o
5 Os casos são os seguintes: Procurador v. Saif Al-Islam Gaddafi; Procurador v. Ahmad Muhammad
Harun e Ali Muhammad Ali Abd-Al-Rahman; Procurador v. Abdel Raheem Muhammad Hussein;
Procurador v. Abdallah Banda Abakaer Nourain; e Procurador v. Omar Has san Ahmad Al Bashir. O
primeiro se refere à situação na Líbia e os outros quatro à situação em Darfur, no Sudão .
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interestatal determina que a relação entre os Estados e o Tribunal seria similar àquela
já existente na cooperação judiciária interestatal em matéria penal. Nesses moldes, o
TPI não estaria numa posição de superioridade em face dos Estados, restando impotente
para coagi-los a efetivamente cooperar. Assim, a soberania dos Estados teria muito mais
influência, sendo um grande empecilho a qualquer tentativa do Tribunal de constranger
um Estado recalcitrante a colaborar (CASSESE, 1999, p.164).
Por outro lado, o modelo supraestatal ou hierárquico afasta-se do tradicional
arquétipo de cooperação judiciária Estado-Estado, no qual todos os países são entidades
soberanas e iguais, sem qualquer hierarquia entre eles. No modelo supraestatal, o TPI
estaria numa posição acima dos Estados, possuindo amplos poderes para ordená-los, de
forma vinculante, a cooperar. Caso os Estados se mantenham inadimplentes, o Tribunal
estaria autorizado a solicitar a tomada de medidas coercitivas contra os Estados que não
cooperam (CASSESE, 1999, p.165).
Em linhas gerais, o Estatuto de Roma adotou um modelo híbrido, que funde
elementos do modelo supraestatal com o interestatal (CASSESE, 2013, p.305; BIATO,
2016, p.1240). Assim, apesar do artigo 86 estabelecer uma obrigação geral de cooperar,
o Estatuto reconhece que os procedimentos internos dos Estados possuem um papel
importante nesta seara, dando margem para que o regime de cooperação com TPI seja
flexibilizado, até certa medida, pela lei interna do país. Nesse sentido, os Estados têm o
dever de cumprir os pedidos de cooperação pelo Tribunal, mas também têm a
prerrogativa de regulamentar os procedimentos e modalidades que serão seguidos na
implementação da cooperação (BIATO, 2016, p.1240). Apesar disso, os Estados não
podem aprovar leis ou práticas domésticas em flagrante desconformidade com o
Estatuto de Roma, estabelecendo verdadeiros empecilhos legislativos à cooperação com
o Tribunal. O direito dos Estados de regulamentar os procedimentos de cooperação
jamais pode ser visto como uma brecha normativa para efetivamente impedir qualquer
uma das formas de cooperação previstas no Estatuto de Roma (OOSTERVELD,
PERRY e MCMANUS, 2002, p.772). Como defendido por Hans-Peter Kaul, ex-juiz
alemão no TPI, o Estatuto exige que “[...] os Estados promulguem legislações [...] que
sejam suficientemente precisas para permitir uma cooperação direta, sem a necessidade
de disposições adicionais” (KAUL, 2008, p.89).
Diante disso, o regime legal do Capítulo IX é, de forma geral, flexível em
diversos aspectos. Primeiramente, o dever de cooperar apenas se aplica às modalidades
previstas no Estatuto. Apesar da lista de formas de cooperação do Estatuto ser ampla e
aparentemente satisfatória para atender aos propósitos do Tribunal,6 os Estados possuem
a prerrogativa de rejeitar qualquer outra modalidade não prevista no Estatuto. O artigo
39(1)(l) expressamente afirma que os Estados devem “[p]restar qualquer outra forma de
auxílio não proibida pela legislação do Estado requerido, destinada a facilitar o
inquérito e o julgamento por crimes da competência do Tribunal” (TPI, 1998,
art.39.1.1). Esse dispositivo ilustra que aos Estados é facultado proibir qualquer forma
de cooperação não enumerada no Estatuto (CASSESE, 2013, p.305).
6 Essa lista se encontra prevista nos artigos 89 - 93 do Estatuto e inclui, entre outros: detenção e entrega
de pessoas; entrega de documentos; interrogatórios de qualquer p essoa que seja o bjeto de inquérito ou de
procedimento criminal; transferência temporária de pessoas; realização de inspeções, nomeadamente a
exumação e o exame de cadáveres enterrados em fossas comuns; realização de buscas e apreensões;
transmissão de registros e documentos, nomeadamente registros e documentos oficiais; e proteção de
vítimas e testemunhas, bem como preservar elementos de prova.
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Outro dispositivo flexibilizante da obrigação de cooperar é o artigo 93(4). Este
indica que um Estado poderá recusar, no todo ou em parte, um pedido de auxílio
formulado pelo Tribunal quando este pedido se reportar unicamente à produção de
documentos ou à divulgação de elementos de prova que atentem contra a sua segurança
nacional. Trata-se de uma exceção ao dever de cooperar, com o propósito de garantir o
direito dos Estados de recusar a entrega de qualquer informação que coloque a sua
segurança em risco. De forma problemática, o Estatuto de Roma não apresenta qualquer
indicativo sobre o que efetivamente pode ser considerado segurança nacional
(CASSESE, 2013, p.306-307).
O artigo 87(7) do Estatuto de Roma empodera o TPI com a prerrogativa de
decidir sobre o não cumprimento de um pedido de cooperação “[...] e remeter a questão
à Assembleia dos Estados Partes [do Estatuto de Roma] ou ao Conselho de Segurança,
quando tiver sido este a submeter o fato ao Tribunal” (TPI, 1998, art.87.7)7. Porém, o
Estatuto não indica quais são as medidas que a Assembleia dos Estados Partes está
autorizada a tomar contra o Estado recalcitrante, o que enseja certas dúvidas sobre os
limites de sua competência nesta área (BIATO, 2016, p.1242). Além disso, seria uma
forma de fortalecer o sistema de cooperação se o Conselho de Segurança também
recebesse o relatório de non-compliance nos casos não iniciados por ele. Naturalmente,
o Conselho de Segurança, agindo conforme o Capítulo VII da Carta da ONU, pode
tomar medidas contra o Estado que não coopera em qualquer caso, se entender que a
situação constitui uma ameaça à paz. Apenas teria sido mais coerente se o Estatuto
também tivesse previsto este procedimento de forma expressa (CASSESE, 1999,
p.166).
3. OMAR AL BASHIR: O CASO PARADIGMÁTICO QUANTO À FALTA DE
COOPERAÇÃO PELOS ESTADOS
Omar Hassan Ahmad Al Bashir é o atual Presidente do Sudão e foi acusado, pela
Procuradoria do TPI, de vários crimes internacionais cometidos na região de Darfur, na
parte ocidental do Sudão. Apesar do TPI já ter emitido dois mandados de prisão contra
ele (o primeiro em 4 de março de 2009 e o segundo em 12 de julho 2010), Al Bashir
continua em liberdade, o que inviabiliza o andamento do processo criminal contra ele
naquela corte internacional8. Segundo estes dois mandados de prisão, Al Bashir foi
indiciado por cinco crimes contra a humanidade (homicídio, extermínio, transferência
forçada, tortura e estupro), dois crimes de guerra (dirigir ataques intencionais contra a
população civil e pilhagem), e três acusações de genocídio contra os grupos étnicos Fur,
Masalit e Zaghawa (homicídio dos membros do grupo, ofensas graves à integridade
física ou mental dos membros do grupo, e sujeição intencional do grupo a condições de
vida com o propósito de provocar a sua destruição física, total ou parcial)9.
O Sudão não é parte do Estatuto de Roma, mas a situação no país foi submetida
ao TPI pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas através da Resolução no. 1593,
datada de 31 de março de 2005. Devido a essa resolução, o TPI tem competência para
julgar todos os crimes ocorridos no território sudanês ou por nacionais sudaneses depois
7 Decisões dessa natureza já foram emitidos contra vários Estados, tais como Uganda, Malawi, Quênia e
Chade.
8 Co mo j á explicado acima, nos termos do artigo 63 do Estatuto de Roma, procedimentos no TPI não
podem prosseguir quando o acusado não esteja presente no julgamento.
9 Todas as informações referentes ao caso Procurador v. Oma r Hassan Ahmad Al Bashir podem ser
encontradas aqui: . Acesso em: 21/06 /2017.
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do dia 1º de julho de 2002. O Conselho de Segurança tem a prerrogativa de submeter
situações ao TPI garantida pelo artigo 13, alínea “b” do Estatuto de Roma10.
A Resolução no. 1593 expressamente menciona a obrigação dos Estados e
outros atores de cooperar com o TPI, a fim de viabilizar a persecução criminal dos
responsáveis pelos crimes no Sudão. A resolução afirma o seguinte:
[...] o Governo do Sudão e todas as outras partes no conflito em Darf ur,
cooperarão plenamente com a assistência neces sária ao [TPI] e ao Procurador
[do TPI] , nos termos da presente resolução e, embora reconhecendo que os
Estados que não sejam partes do Estatuto de Roma não têm qualquer
obrigação nos termos do Estatuto, [o Conselho de Segurança das Nações
Unidas] insta a todos os Estados e organizações regionais e outras
organizações internacionais interessadas a cooperarem plenamente (ONU,
2005, p.1; tradução livre).11
À luz do dever de cooperar, todos os Estados Partes do Estatuto e também o
Sudão têm a obrigação de executar aqueles dois mandados de prisão, devendo prender
Al Bashir e entregá-lo para o TPI. Apesar disso, o acusado já realizou viagens
internacionais na África e nenhum Estado que ele visitou o prendeu.
Em julho de 2010, o Chade foi o primeiro país que Al Bashir visitou depois de
emitido o primeiro mandato de prisão. O sudanês foi até o Chade por ocasião de uma
reunião da Comunidade dos Estados Sahel-Saarianos, uma organização sub-regional
africana. Ele não foi preso ou enviado ao TPI pelas autoridades chadianas sob o
argumento principal de que a imunidade de Al Bashir como chefe de Estado em
exercício impede o cumprimento dos mandados de prisão. Em 27 de agosto de 2010, a
Câmara de Instrução I do TPI, composta por Cuno Tarfusser (da Itália), Sylvia Steiner
(do Brasil) e Sanji Mmasenono Monageng (da Botsuana), emitiu uma decisão
informando o Conselho de Segurança das Nações Unidas e a Assembleia dos Estados
Partes do Estatuto de Roma sobre a presença de Omar Al-Bashir no território do Chade.
Em nenhum momento, a decisão fez menção expressa ao artigo 87(7) do Estatuto (TPI,
2010a).
Em 27 de agosto de 2010, Al Bashir esteve no Quênia para participar das
celebrações pela promulgação da nova Constituição queniana. O governo do Quênia não
deteve Al Bashir, apesar daquele país ter uma lei interna (o International Crimes Act,
adotado em 2008) expressamente afirmando que as imunidades dos chefes de Estado
não prejudicarão a cooperação com o TPI. No dia que o acusado estava no Quênia (27
de agosto de 2010), a Câmara de Instrução I emitiu uma decisão alertando o Conselho
de Segurança das Nações Unidas e a Assembleia dos Estados Partes sobre a presença de
Al Bashir no Quênia. Novamente, nenhuma decisão foi emitida pelo TPI reconhecendo
o non-compliance com os mandados de prisão por parte do Quênia (TPI, 2010b).
10 Segundo o artigo 13, alínea “b” do Estatuto de Roma: “O [TPI] poderá exercer a sua jurisdição em
relação a qualquer um dos crimes a que se refere o artigo 5o, de acordo com o disposto no [Estatuto de
Roma], se: [...] O Conselho de Segurança, agindo nos termos do Capítulo VII da Carta das Nações
Unidas, denunciar ao Procurador qualquer sit uação em que haja indícios de ter ocorrido a prática de um
ou vários desses crimes”.
11 O texto original em inglês segue: “[…] the Government of Sudan and all other parties to the conflict in
Darfur, shall cooperate fully with and provide any necessary assistance to the Court and the Prosecutor
pursuant to t his resolution and, while recognizing that States not party to the Rome Statute have no
obligation under the Statute, urges all States and concerned regional and other international organizations
to cooperate fully
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Em 8 de maio de 2011, Al Bashir esteve no Djibuti para a cerimônia de posse do
Presidente Ismael Omar Guelleh e também não foi detido pelas autoridades locais. Em
12 de maio daquele ano, a Câmara de Instrução I notificou o Conselho de Segurança e a
Assembleia dos Estados Partes sobre esta visita. Nenhuma condenação foi emitida pelo
TPI contra o Djibuti, nos termos do artigo 87(7) do Estatuto (TPI, 2011d).
Nos dias 7 e 8 de agosto de 2011, Al Bashir realizou nova visita ao Chade por
ocasião da cerimônia de posse do Presidente Idriss Deby Itno. Novamente, ele não foi
preso. Em 13 de dezembro de 2011, a Câmara de Instrução I emitiu a primeira decisão
no caso Procurador v. Omar Hassan Ahmad Al Bashir, nos termos do artigo 87(7) do
Estatuto, declarando que o Chade violou a sua obrigação de cooperar e submetendo a
situação ao Conselho de Segurança e à Assembleia dos Estados Partes do Estatuto (TPI,
2011a).
Em outubro de 2011, Al Bashir visitou o Malawi para participar de uma cúpula
do Mercado Comum para a África Oriental e Austral. Sabendo que o Malawi não deteve
o acusado, o TPI emitiu, em 13 de dezembro de 2011, uma decisão condenando este
país pela falta de cooperação (TPI, 2011b).
Posteriormente, o caso Procurador v. Omar Hassan Ahmad Al Bashir foi
redistribuído para a Câmara de Instrução II, que substituiu a Câmara de Instrução I. A
nova Câmara era composta pelos juízes Ekaterina Trendafilova (da Bulgária), Hans-
Peter Kaul (da Alemanha) e Cuno Tarfusser (da Itália). A Câmara de Instrução II emitiu
sua primeira decisão de non-compliance em 26 de março de 2013, condenando o Chade
mais uma vez por uma visita de Al Bashir neste país entre 16 e 17 de fevereiro de 2013
(TPI, 2013).
Entre 26 e 27 fevereiro de 2014, Al Bashir esteve na República Democrática do
Congo para participar de outra cúpula do Mercado Comum para a África Oriental e
Austral. Em 9 de abril de 2014, o TPI emitiu a sua decisão reprovando o
descumprimento dos mandados de prisão por parte da República Democrática do Congo
(TPI, 2014).
De forma curiosa, em 9 de março de 2015, a Câmara de Instrução II12 publicou
decisão condenando a falta de cooperação do Sudão por não entregar o seu próprio
presidente ao TPI. Sabendo que o Sudão não é parte do Estatuto de Roma, o seu
descumprimento dos mandados de prisão foi encaminhado apenas ao Conselho de
Segurança e não à Assembleia dos Estados Partes do Estatuto (TPI, 2015).
Em 2016, Al Bashir realizou as suas duas últimas viagens internacionais: em 8
de maio, ele esteve no Djibuti e, em 12 de maio, em Uganda. Em 11 de julho 2016, a
Câmara de Instrução II, agora composta por Cuno Tarfusser (da Itália), Marc Perrin de
Brichambaut (da França) e Chang-ho Chung (da Coreia do Sul), emitiu duas decisões
condenando o Djibuti e Uganda pela falta de cooperação e remetendo a situação à
Assembleia de Estados Partes do Estatuto de Roma e ao Conselho de Segurança das
Nações Unidas para que as medidas cabíveis sejam tomadas (TPI, 2016a e 2016b).
12 À época, a Câmara de Instrução II era composta pelos juízes Ekaterina Trendafilova (da Bulgária),
Cuno Tarfusser (da Itália) e Christine Van den Wyngaert (da Bélgica).
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Ainda em 2015, Al Bashir visitou a África do Sul por ocasião de uma reunião de
cúpula da União Africana, ocorrida em Johannesburgo, entre 7 e 15 de junho daquele
ano. As autoridades sul-africanas nada fizeram para deter o acusado, de forma que ele
voltou ao Sudão sem qualquer constrangimento. Diante disso, em 6 de julho de 2017 (a
decisão mais recente quanto ao caso de Al Bashir), a Câmara de Instrução II condenou a
África do Sul pelo descumprimento dos mandados de prisão. Porém, pela primeira vez,
o TPI não submeteu a situação à Assembleia de Estados Partes do Estatuto de Roma ou
ao Conselho de Segurança das Nações Unidas. Segundo a decisão da Câmara, a África
do Sul foi o único Estado até o momento que solicitou um parecer ao TPI quanto à
extensão da obrigação de executar os mandados de prisão contra Al-Bashir. Além disso,
a Câmara concluiu que submeter o descumprimento da África do Sul à Assembleia dos
Estados Partes ou ao Conselho de Segurança das Nações Unidas não seria necessário
para garantir a cooperação daquela, que os tribunais nacionais sul-africanos,
incluindo a suprema corte, já decidiram que o país violou as suas obrigações tanto
internas quanto internacionais ao não prender Al Bashir (TPI, 2017).
4. A PETIÇÃO 4.625-1 PERANTE O STF: O PEDIDO DE ENTREGA DE OMAR
AL BASHIR FEITO PELO TPI AO BRASIL
Em sua decisão quanto ao pedido de cooperação submetido pelo TPI (Petição
4.625-1), o STF, na pessoa do Ministro Celso de Mello, analisou certos pontos
relevantes quanto à aplicabilidade do Estatuto de Roma em face do Brasil, em especial a
obrigação de cooperar com o TPI. As duas principais questões discutidas pelo Ministro
são as seguintes: (4.1) a imunidade do Presidente Al Bashir; e (4.2) a distinção entre
extradição e entrega.
4.1 Da imunidade do Presidente Al Bashir
De forma apropriada, o despacho do Ministro Celso de Mello não ignorou o fato
de que o réu, Omar Al Bashir, ainda exerce as funções de Presidente do Sudão. Segundo
o Direito Internacional costumeiro, chefes de Estado e de governo gozam de imunidade
jurisdicional em face do Poder Judiciário interno dos outros Estados, não podendo ser
julgados pelo juiz doméstico destes. Trata-se de imunidade funcional do próprio Estado,
que é exercida na pessoa dos agentes estatais. Conforme dito pela Comissão de Direito
Internacional das Nações Unidas, “ações contra representantes ou agentes de um
governo estrangeiro que dizem respeito a atos oficiais são essencialmente
procedimentos contra o Estado que representam” (CDI, 1991, p.18).
Nesse sentido, podemos afirmar que a imunidade jurisdicional consiste na
restrição do exercício da jurisdição territorial dos Estados quando outro Estado soberano
ou seus agentes oficiais são demandados em um litígio perante um órgão jurisdicional
interno de outro Estado (MELLO, 1992, p.360)13. É, assim, uma prerrogativa dos
Estados soberanos, que encontra fundamento no princípio par in parem non habet
imperium (ARAÚJO, 2011, p.261; MADRUGA FILHO, 2003, p.107; DOLINGER,
1982, p.7). Segundo esse brocardo, a igualdade soberana e a independência dos Estados
13 Ian Brownlie define a imunidade jurisdicional como "um obstáculo à jurisdição do Estado do foro"
(BROWNLIE, 1997, p.344) August Reinisch, por sua vez, a conceitua como "uma limitação ao poder
adjudicatório das cortes nacionais" (REINISCH, 200 6, p.803). Nessa mesma linha, o professor britânico
Malcolm Shaw a caracteriza como "uma derrogação da juri sdição do E stado territorial" (SHAW, 2008,
p.697).
A Petição 4.625-1/República do Sudão e a Obrigação do Brasil de Cooperar com o Tribunal Penal Internacional 105
Anuário Brasileiro de Direito Internacional, ISSN 1980-9484, vol.1, n.22, jan. de 2017.
impedem que suas controvérsias sejam unilateralmente resolvidas pelos tribunais
domésticos de um deles ou que seus agentes oficiais sejam submetidos à jurisdição de
cortes estrangeiras (BROWNLIE, 1997, p.345-346; SALIBA, 2010, p.21).
A imunidade penal dos agentes oficiais dos Estados foi reconhecida pela Corte
Internacional de Justiça (CIJ) no Caso do Mandado de Prisão de 11 de abril de 2000,
entre Bélgica e a República Democrática do Congo. A disputa se iniciou quando um
magistrado belga emitiu, em 11 de abril de 2000, um mandado de prisão contra o
Ministro das Relações Exteriores congolês, Abdoulaye Yerodia Ndombasi, quando este
ainda estava no pleno exercício de suas funções. A pedido da Bélgica, o mandado teve
circulação internacional por meio da Interpol. Em resposta, a República Democrática do
Congo iniciou ação na CIJ em desfavor da Bélgica, alegando que o mandado de prisão
viola a imunidade jurisdicional de seu oficial (o Ministro das Relações Exteriores). Em
seu julgamento, a CIJ acolheu o argumento congolês e concluiu que
[...] a emissão do mandado de prisão de 11 de abril de 2000 contra o Sr.
Abdulaye Yerodia Nd ombasi e sua circulação internacional constituíram
violações de uma obrigação jurídica do Reino da Bélgica em relação à
República Democrática do Congo, na medida em que não respeitou a
imunidade de jurisdição criminal e a inviolabilidade que o Ministro das
Relações Exteriores da República Democrática do Co ngo em exercício
possuía à luz do Direito Internacional (CIJ, 2002, p.33; tradução livre).14
Apesar da imunidade jurisdicional dos agentes oficiais, incluindo os chefes de
Estado, ser norma sólida do direito consuetudinário internacional, essa imunidade não é
oponível ao TPI. Isso porque, o Estatuto de Roma, em seu artigo 27, determina que a
qualidade oficial do réu (elemento chave para a imunidade jurisdicional) é
absolutamente irrelevante e inaplicável em face do Tribunal. O artigo 27 afirma o
seguinte:
O presente Estatuto será aplicável de forma igual a todas as pes soas sem
distinção alguma baseada na qualidade oficial. Em particular, a qualidade
oficial de Chefe de Estado ou de Governo, de membro de Governo ou do
Parlamento, de representante eleito ou de funcionário p úblico, em caso algum
eximirá a pessoa em causa de responsabilidade criminal nos termos do
presente Estatuto, nem constituirá de per se motivo de redução da pena.
As imunidades ou normas de procedimento especiais decorrentes da
qualidade oficial de uma pessoa; nos termos do direito interno ou do direito
internacional, não deverão obstar a que o Tribunal exerça a sua jurisdição
sobre essa pessoa (TPI, 1998, art.27).
Seguindo os preceitos deste dispositivo, o STF corretamente concluiu que a
função oficial de Al Bashir como Presidente do Sudão não afeta a obrigação do Brasil
de prendê-lo e entregá-lo ao TPI, pois [...] o Estatuto de Roma submete, à jurisdição
dessa Alta Corte judiciária, qualquer pessoa que haja incidido na prática de crimes de
genocídio, de guerra, contra a humanidade ou de agressão, independentemente de sua
qualidade oficial” (STF, 2009, p.6). Nessa linha, o Ministro Celso de Mello explica que
[...] mostra-se irrelevante, para fins de “persecutio criminis”, a condição
política do agente, que não poderá opor, ao Tribunal Penal Internacional,
ainda que se cuide de Chefe de Estado ou de Governo, a denominada
“sovereign immunity” ou “crown immunity”, tal como estipula,
expressamente, o Artigo 27 [do Estatuto de Roma] (STF, 2009, p.7).
14 O texto original em inglês segue: “[…] the issue against M r. Abdulaye Yerodia Ndombasi of the arrest
warrant of 11 April 2000, and its international circulation, constituted violations of a legal obligation of
the Kingdom of Belgium towar ds the Democratic Republic of the Congo, in that thry failed to respect the
immunity from cri mninal jurisdiction and the inviolabliity which the incumbent Minister for Foreign
Affairs of the Democratic Republic of the Congo enjoyed under international la w”.
106 XII ANUÁRIO BRASILEIRO DE DIREITO INTERNACIONAL
Anuário Brasileiro de Direito Internacional, ISSN 1980-9484, vol.1, n.22, jan. de 2017.
Apesar da conclusão do STF quanto à inaplicabilidade da imunidade de
jurisdição de Omar Al Bashir em face do TPI, com fulcro no artigo 27 do Estatuto de
Roma, estar correta, o STF não analisou uma questão jurídica crucial: a aplicabilidade
do artigo 98 do Estatuto de Roma. Segundo este dispositivo:
O [TPI] pode não dar seguimento a um pedido de entrega ou de auxílio por
força do qual o Estado requerido devesse atuar de forma incompatível com as
obrigações que lhe incumbem à luz do direito internacional em matéria de
imunidade dos Estados ou d e imunidade diplomática de pessoa ou de bens de
um Estado terceiro, a menos que obtenha, previamente a cooperação desse
Estado terceiro com vista ao levantamento da imunidade (TPI, 1998, art.98).
Assim, à luz do artigo 98, o TPI se encontra proibido de exigir o cumprimento
de um pedido de entrega ou assistência se este pedido exigir que o Estado requerido
atue de forma incompatível com as obrigações que lhe são exigíveis pelo Direito
Internacional em relação a um Estado não parte do Estatuto de Roma, salvo se este
último consentir (SCHABAS, 2004, p.81). O artigo 98 foi introduzido no Estatuto para
garantir aos Estados partes que, nos casos de conflito entre a obrigação de cooperar com
o TPI e outra obrigação jurídica relativa às imunidades garantidas pelo Direito
Internacional, essa última deverá prevalecer. Assim, se um indivíduo visado por um
mandado de prisão do TPI se encontra no território do Estado X, que é parte do Estatuto
de Roma, e esse mesmo indivíduo goza de imunidade em razão de suas ligações com o
Estado Y, que não é parte do Estatuto de Roma, o Estado X, à luz do artigo 98 do
Estatuto, se encontra isento da obrigação de prender e entregar esse indiciado ao TPI.
Caso o Estado X prendesse e entregasse o indiciado, ele estaria violando a obrigação
internacional de respeitar a imunidade jurisdicional relativa ao Estado Y
(CHAUMETTE, 2016, p.1469).
O artigo 98 é um reflexo da regra geral do Direito Internacional dos Tratados,
segundo a qual os tratados são considerados res inter alias acta, isto é, “[u]m tratado
não cria obrigações nem direitos para um terceiro Estado sem o seu consentimento”
(BRASIL, 2009, art.34). Voltando ao exemplo acima, percebemos que ao se tornar parte
do Estatuto de Roma, o Estado X concordou que seus nacionais não mais teriam direito
a qualquer imunidade perante o TPI. Assim, o Estado X aceitou que as imunidades que
seus agentes oficiais teriam à luz do Direito Internacional não seriam oponíveis ao TPI.
Por outro lado, o Estado Y, que não é parte do Estatuto de Roma, não concordou com
tal regime jurídico. Em outras palavras, ele não se submeteu a regra prevista no artigo
27 do Estatuto. Com isso, se fosse exigido de Estado X prender e entregar ao TPI os
nacionais do Estado Y com direito à imunidade, aquele Estado estaria utilizando o
artigo 27 do Estatuto de Roma em face do Estado Y, um Estado terceiro.
O artigo 98 do Estatuto é relevante ao presente caso, porque o Sudão não é parte
do Estatuto de Roma. Com isso, ele não expressou seu consentimento para se vincular
ao artigo 27 do Estatuto, que afastaria a imunidade jurisdicional de Al Bashir em face
do TPI. Para tanto, o artigo 98 é o principal alicerce jurídico para o argumento dos
Estados africanos que se recusaram a entregar Al Bashir ao TPI. Segundo estes Estados,
como o Sudão não é parte do Estatuto de Roma, a imunidade de chefe de Estado que Al
Bashir possui à luz do Direito Internacional costumeiro ainda deve ser respeitada por
eles, inviabilizando qualquer ato de detenção em desfavor do Presidente sudanês, ainda
que para entregá-lo ao TPI.
Ao analisar a legalidade do descumprimento da obrigação de prender e entregar
Al Bashir pelos Estados africanos, o TPI se debruçou sobre a aplicabilidade do artigo 98
ao caso. Segundo essa corte, o artigo 98 não é capaz de justificar o inadimplemento do
dever de cumprir os mandados de prisão. O TPI concluiu que quando o Conselho de
A Petição 4.625-1/República do Sudão e a Obrigação do Brasil de Cooperar com o Tribunal Penal Internacional 107
Anuário Brasileiro de Direito Internacional, ISSN 1980-9484, vol.1, n.22, jan. de 2017.
Segurança das Nações Unidas submeteu a situação do Sudão a sua jurisdição, o
Conselho determinou que a imunidade de Al-Bashir como chefe de Estado não poderia
ser usada como obstáculo aos procedimentos criminais. É nada mais do que lógico
concluir que quando o Conselho de Segurança deu poderes ao TPI para julgar os crimes
no Sudão, ele teve a intenção de afastar qualquer impedimento ao julgamento dos
acusados, incluindo a imunidade destes. Diante disso, segundo o TPI, o Conselho de
Segurança implicitamente renunciou as imunidades que Al Bashir teria direito sob a lei
internacional, não havendo, assim, qualquer empecilho normativo capaz de justificar o
inadimplemento dos mandados de prisão contra ele (TPI, 2016a, p.6-7).
O TPI ainda explicou que o descumprimento dos mandados de prisão contra Al
Bashir não viola apenas o Estatuto de Roma, mas também a Carta da ONU, pois
ensejam uma violação da Resolução do Conselho de Segurança no. 1593, submetendo a
situação do Sudão ao TPI. Assim, os conflitos entre as normas internacionais garantindo
as imunidades de Al Bashir e a Carta da ONU serão resolvidos com fundamento nos
artigos 25 e 103 da própria Carta da ONU. Segundo o artigo 25, “[o]s Membros das
Nações Unidas concordam em aceitar e executar as decisões do Conselho de Segurança,
de acordo com a presente Carta” (ONU, 1945, art.25). Ao interpretar este dispositivo, a
CIJ, na sua Opinião Consultiva sobre a Namíbia, já indicou que resoluções do Conselho
de Segurança com fundamento no Capítulo VII da Carta da ONU devem ser
obrigatoriamente respeitadas pelos Estados membros desta organização. Caso contrário,
as principais funções do Conselho como guardião da paz e da segurança internacionais
seriam esvaziadas (CIJ, 1971, p.53-54).
O TPI também mencionou o artigo 103 da Carta da ONU, que afirma o seguinte:
“No caso de conflito entre as obrigações dos Membros das Nações Unidas, em virtude
da [Carta da ONU] e as obrigações resultantes de qualquer outro acordo internacional,
prevalecerão as obrigações assumidas em virtude da [Carta da ONU]” (ONU, 1945,
art.103). Diante deste dispositivo, as obrigações internacionais referentes às imunidades
de Al Bashir devem ser afastadas para garantir a plena aplicação da Carta da ONU e das
resoluções do Conselho de Segurança (TPI, 2014, p.15).
Pelo exposto, concluiu-se que a decisão do STF apresentou uma análise correta
do artigo 27 do Estatuto de Roma. Porém, o despacho do Ministro Celso de Mello
deixou de considerar elementos relevantes quanto à imunidade do Presidente Al Bashir,
em especial o artigo 98, que cria uma exceção à regra geral do artigo 27. Assim, cabe
destacar que o artigo 98 não pode ser aplicado no caso Al Bashir, pois as imunidades
que ele teria direito como Presidente do Sudão foram revogadas pelo Conselho de
Segurança, a fim de permitir que o TPI exercesse a sua jurisdição criminal de forma
plena no caso.
4.2 Da distinção entre extradição e entrega
O despacho do Ministro Celso de Mello também indica que o pedido de
cooperação judiciária protocolado pelo TPI não se confunde com o instituto da
extradição. Na verdade, o envio de acusados a tribunais penais internacionais, incluindo
o TPI, consiste em entrega (“surrender”) (STF, 2009, p.8). De forma precisa, Celso de
Mello assim afirmou:
[...] embora a entrega de determinada pessoa constitua resultado comum a
ambos os instit utos [entrega e extradição], considerado o contexto d a
cooperação internacional na rep ressão aos delitos, há, dentre outros, um
elemento de relevo que os diferencia no plano conceitual, eis que a
extradição somente pode ter por autor um Estado soberano, e não organismos
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Anuário Brasileiro de Direito Internacional, ISSN 1980-9484, vol.1, n.22, jan. de 2017.
internacionais, ainda que revestidos de personalidade juríd ica de direito
internacional público, como o Tribunal Penal Internacional (STF, 2009, p.9).
O próprio Estatuto de Roma diferencia de forma expressa a entrega da
extradição, sendo que o seu artigo 102 foi inserido precisamente com essa função. Esse
dispositivo afirma que o procedimento de entrega consiste “[n]a entrega de uma pessoa
por um Estado ao [TPI], nos termos do presente Estatuto” (TPI, 1998, art.102). Por
outro lado, define-se extradição como “[...] a entrega de uma pessoa por um Estado a
outro Estado, conforme previsto em um tratado, em uma convenção ou no direito
interno” (TPI, 1998, art.102).
Os Estados decidiram inserir o artigo 102 no Estatuto de Roma, pois,
historicamente, as normas internas dos Estados relativas à extradição de nacionais e
estrangeiros já trouxeram sérias dificuldades à cooperação dos Estados com tribunais
penais internacionais. Antônio Cassese indica que diversos Estados de tradição jurídica
do civil law proíbem a extradição de seus próprios nacionais. Essa regra em particular se
mostrou um grande desafio ao Tribunal Penal Internacional para a ex-Iugoslávia15
(CASSESE, 2004, p.5-6). A Constituição da República Federal da Iugoslávia, aprovada
em abril de 1992, expressamente afirmava que os nacionais deste Estado não seriam
extraditados (REPÚBLICA FEDERAL DA IUGOSLÁVIA, 1992, art.17). O governo
da ex-Iugoslávia utilizou esse dispositivo constitucional para se recusar a entregar seus
nacionais ao Tribunal Internacional para a ex-Iugoslávia. Outros Estados balcânicos,
tais como Croácia, Eslovênia e Macedônia, cujas constituições foram em grande medida
formuladas a partir da Constituição da República Federal da Iugoslávia, também
apresentaram resistência em cooperar com o Tribunal com base na proibição de
extradição de nacionais (CROÁCIA, 1990, art.9; ESLOVÊNIA, 1991, art.47;
MACEDÔNIA, 1991, art.4).
Além disso, Estados que adotam a cultura jurídica do common law normalmente
não extraditam estrangeiros sem um tratado prevendo a extradição. Essa regra particular
trouxe problemas ao Tribunal Penal Internacional para Ruanda16, no caso Promotor v.
Elizaphan Ntakirutimana. O réu - Elizaphan Ntakirutimana - era um hutu e pastor da
Igreja Adventista do Sétimo Dia em Ruanda. Ele administrava o Complexo de
Mugonero, onde permitiu que diversos tutsis se refugiassem durante o genocídio de
1994. Depois de dias acolhendo famílias tutsis, ele foi até as autoridades policiais e
membros da milícia que estavam perseguindo os tutsis e os levou, em seu próprio carro,
até o Complexo de Mugonero. Depois disso, os hutus realizaram um massacre contra os
tutsis ali abrigados.
15 O Tribunal Penal Internacional para a ex-Iugoslávia foi criado em 25 de maio de 1993, através da
Resolução no. 827, aprovada pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas. Nos termos do artigo 1º de
seu Estatuto, esse Tribunal tem competência cri minal para j ulgar pessoas física s responsáveis por graves
violações do direito internacional humanitário, cometidas no território da Ex-Iugoslávia (hoje
correspondendo aos Estad os da Bósnia e Herzegovina, Eslovênia, Croácia, Macedônia, Montenegro e
Sérvia, incluindo as r egiões do Kosovo e Voivodina), desde 1º de janeiro de 1991. A sua sede se localiza
em Haia, nos Países Baixos.
16 O Tribunal Penal Internacional para Ruanda foi estabelec ido pelo Conselho d e Segurança das Nações
Unidas, por meio da Resolução no. 955, de 8 de novembro de 1994, com o objetivo de julgar e condenar
aqueles que foram responsáveis pelo crime de genocídio e outras violações graves do direito internacional
humanitário cometidos no território de Ruanda e também os cidadãos ruandeses que cometeram esses
mesmos crimes no território de Estados vizinhos, entre 1 de janeiro de 1994 e 31 de dezembro de 1994. O
Tribunal tem sede em Arusha, na Tanzânia, mas a sua Câmara de Recursos está localizada em Haia, nos
Países Baixos. Ele também tem escritórios em Kigali, a capital ruandesa. O Tribunal foi for malmente
fechado pelo Conselho de Segurança em dezembro de 2015, sendo que suas funções residuais têm sido
implementadas pelo Mecanismo Residual Internacional para Tribunais Penais.
A Petição 4.625-1/República do Sudão e a Obrigação do Brasil de Cooperar com o Tribunal Penal Internacional 109
Anuário Brasileiro de Direito Internacional, ISSN 1980-9484, vol.1, n.22, jan. de 2017.
Ntakirutimana foi indiciado pelo Tribunal Penal Internacional para Ruanda pela
sua participação no genocídio tutsi. Sabendo que, à época, ele estava residindo no
Texas, nos Estados Unidos, o Tribunal solicitou a este país a entrega de Ntakirutimana.
Em resposta, o governo norte-americano deu início a um procedimento de extradição no
Tribunal do Distrito Sul do Texas. Relevante destacar que em 1995, o Presidente Bill
Clinton concluiu um acordo do executivo (executive agreement) com o Tribunal Penal
Internacional para Ruanda, sem a autorização do Senado, assumindo o compromisso de
entregar ao Tribunal os acusados que estivessem em solo norte-americano. Em 1996, o
Congresso aprovou uma lei implementando esse acordo (a Public Law 104-106). O juiz
texano competente para adjudicar o caso negou o pedido de extradição sob o argumento
de que os Estados Unidos extraditam estrangeiros com base apenas em tratado, e não
em leis aprovadas pelo Congresso (ESTADOS UNIDOS, 1997).
O governo dos Estados Unidos instruiu sua petição mais uma vez e iniciou os
procedimentos de extradição novamente no Tribunal do Distrito Sul do Texas. Em sua
nova decisão, a corte deferiu o pedido, alegando que a Public Law 104-106 é um
fundamento constitucional válido para a extradição de Ntakirutimana (ESTADOS
UNIDOS, 1998). Diante disso, o acusado apelou para a Corte de Apelações do Quinto
Circuito, em Nova Orleans. Esse tribunal manteve a segunda decisão do Tribunal do
Distrito Sul do Texas, alegando que a autoridade para extraditar uma pessoa deve ser
prevista em um instrumento normativo, que pode ser tanto um tratado, quanto um ato
normativo do Congresso (ESTADOS UNIDOS, 1999). Percebe-se que as cortes
internas dos Estados Unidos incorretamente trataram o pedido de cooperação judicial do
Tribunal Penal Internacional para Ruanda como uma extradição qualquer, e não como
um pedido de entrega.
Com o propósito de proteger o TPI contra qualquer dificuldade similar a essas
enfrentadas pelo Tribunal Penal Internacional para Ruanda e pelo Tribunal Penal
Internacional para a ex-Iugoslávia, o Estatuto de Roma, no seu artigo 102,
expressamente menciona o instituto da entrega, o diferenciando da extradição.
Quando o STF concluiu que a entrega de Al Bashir ao TPI consiste em entrega e
não em extradição, uma série de complicações jurídicas, inclusive de ordem
constitucional, foram evitadas. Por exemplo:
1) Segundo sólida posição jurisprudencial do STF, apenas Estados soberanos têm
legitimidade ativa em sede extradicional (STF, 2013a; STF, 2013b). Assim, o
TPI estaria excluído do direito de pleitear a extradição de um acusado.
2) O art. 5º, inciso LI da Constituição Federal afirma que “nenhum brasileiro será
extraditado, salvo o naturalizado, em caso de crime comum, praticado antes da
naturalização, ou de comprovado envolvimento em tráfico ilícito de
entorpecentes e drogas afins, na forma da lei”. Com isso, como poderia o Brasil
extraditar seus nacionais, especialmente os natos, ao TPI?
3) Como pode o Brasil extraditar uma pessoa ao TPI, que, nos termos do artigo 77,
do Estatuto de Roma, pode impor pena de prisão perpétua, quando o art. 5º,
XLVII, “b” da Constituição Federal expressamente proíbe esse tipo de pena?
4) Poderia o Brasil enviar indiciados ao TPI sabendo que, nos termos do artigo 29
do Estatuto de Roma, todos os crimes da competência desta corte são
imprescritíveis?
A doutrina majoritária nacional e estrangeira corretamente entende que as
normas internas dos Estados, até mesmo as de natureza constitucional, não justificam o
inadimplemento da obrigação de cooperar com o TPI, tal como previsto no Estatuto de
Roma (DUFFY, 2001, p.20; JAPIASSÚ, 2009, p.110; RAMOS, 2000, p.267-274;
MAZZUOLI, 2008, p.847-856). Primeiramente, é uma regra sólida e clássica do Direito
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Anuário Brasileiro de Direito Internacional, ISSN 1980-9484, vol.1, n.22, jan. de 2017.
Internacional aquela segundo a qual os Estados não podem se valer de seu direito pátrio
para justificar o descumprimento de uma obrigação jurídica internacional (CACHAPUZ
DE MEDEIROS, 2000). Nesse sentido, o artigo 27 da Convenção de Viena de 1969
sobre o Direito dos Tratados, ratificada pelo Brasil em 2009 por meio do Decreto no.
7030, afirma que “[u]ma parte não pode invocar as disposições de seu direito interno
para justificar o inadimplemento de um tratado (BRASIL, 2009, art.27). A
jurisprudência internacional também corrobora essa norma, como se identifica em casos
da Corte Permanente de Justiça Internacional17 e da Corte Internacional de Justiça18.
Além disso, as restrições constitucionais e legais aplicáveis à extradição não
podem ser aplicadas ao instituto da entrega de acusados ao TPI (LASMAR, 2016,
p.1518; DUFFY, 2001, p.20; GUPTA, 2000, p.3). Isso porque, a extradição e a entrega
são dois institutos normativos internacionais distintos, com regras específicas para cada
um deles. Enquanto a extradição é uma forma de cooperação entre Estados, que se
encontra sujeita ao princípio da igualdade soberana formal, a entrega é uma forma de
cooperação entre um Estado e um tribunal internacional (FERNANDES, 2015, p.474).
A entrega não se opera seguindo uma lógica de solidariedade entre duas partes em plena
igualdade, mas, na verdade, encontra fundamento no princípio hierárquico, segundo o
qual o Estado está subordinado ao órgão jurisdicional internacional. Seria ilógico
permitir que os Estados opusessem suas normas internas em face das organizações
internacionais, incluindo o TPI, pois, se assim fosse, os Estados teriam a prerrogativa de
efetivamente bloquear a operacionalidade das organizações internacionais, as tornando
pessoas jurídicas inertes e reféns de seus membros (CASSESE, 2004, p.5-6; LIMA e
COSTA BRINA, 2006, p.162-166).
Ao invés de apresentar esses argumentos em seu despacho, o Ministro Celso de
Mello preferiu, em especial devido à alta relevância jurídico-constitucional das questões
suscitadas pela aplicação doméstica do Estatuto de Roma no Brasil, submeter os autos à
Procuradoria-Geral da República para essa se manifestasse. Assim, especificamente
quanto as questões apresentadas acima, o STF não apresentou uma posição final até o
momento.
5. CONCLUSÃO
O TPI não possui procedimentos e instituições com a finalidade específica de
garantir a eficácia (o enforcement) de suas decições. Assim, esse tribunal resta
inexoravalmente dependente da cooperação dos Estados. O Estatuto de Roma - muito
corretamente - não negou ou ignorou essa realidade fática e jurídica. Ao contrário, ele
estabeleceu regras específicas sobre a cooperação. O sistema jurídico de colaboração
com o TPI se pauta no princípio hierárquico, garantindo uma posição proemimente ao
Tribunal em face dos Estados. Essa escolha na Conferência de Roma representa um
17 Cf.: CPJ I. S.S. “Wimbledon”, United Kingdom v. Germany, 1923, P.C.I.J. Series A, No. 01, p. 29-30;
CPJI. Greco-Bulgarian Communities, Advisory Opinion, 1930, P.C .I.J., Series B, No. 17, p. 32; CPJI.
Free Zones of Upper Savoy and the District of Gex, France v. Switzerland, 1932, P.C.I.J., Series A/B, No.
46, p.167; CPJI. Treatment of Polish Nationals and Other Persons o f Polish Origin or Speech in the
Danzig Territory, Advisory Opinion, 1932, P.C.I.J., Series A/B, No. 44, p. 4.
18 Cf.: CIJ. Fisheries, United Kingdom v Norway, Judg ment, I.C.J. Reports 1951, p. 132; CIJ. Nottebohm,
Preliminary Objection, Judgment, I.C.J. Reports 1953, p.123; CIJ Application of the Convention of 1902
Governing the Guardianship of Infants, Judgment, I.C.J. Reports 1958, p. 67; CIJ. Applicability of the
Obligation to Arbitrate under Section 21 of the United Nations Hea dquarters Agreement of 26 June 1947,
Advisory Opinion, I.C.J. Reports 1988, p.3435; CIJ. Elettronica Sicula S.p.A. (ELSI), United States of
America v. Italy, Judgment, I.C.J. Reports 1989, p.51; CIJ. Questions relating to the Obligation to
Prosecute or Extradite, Belgium v. Senegal, Judgment, I.C.J. Reports 201 2, p.460.
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avanço, pois supera as vicissitudes do tradicional modelo interestatal de cooperação
judicial.
Sabendo que o Brasil é parte contratante do Estatuto de Roma, nosso país se
encontra vinculado à obrigação de cooperar com o TPI, inclusive por meio da detenção
e entrega de acusados. Referindo-se de forma específica à situação do Sudão, o
despacho do Ministro Celso de Mello, no âmbito da Petição 4.625-1, adequadamente
concluiu que Al Bashir não pode alegar as suas imunidades jurisdicionais de chefe de
Estado em face do TPI. Apesar desta conclusão final estar correta, o STF deixou de
analisar detalhes jurídicos relevantes, em especial a inaplicabilidade do artigo 98 do
Estatuto de Roma ao caso de Al Bashir. Além disso, as normas internas brasileiras,
notadamente aquelas relativas à extradição, não podem ser empregadas como obstáculo
ao cumprimento do dever de cooperar com TPI.
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