O Parlamento do Mercosul

AuthorWelber Barral
PositionProfessor de Direito Internacional Económico (UFSC)
Pages256-265

Page 256

1. Introdução

O presente texto busca contribuir para o atual debate sobre a maior ínstitucionalidade do Mercosul, apresentando uma análise de seu Parlamento, a partir do texto do Protocolo Constitutivo que recentemente entrou em vigor.

Observe-se que a urgência desse debate se justifica pelo momento decisivo que atualmente atravessa o Mercosul, Há desafios políticos consideráveis no plano externo, como reflexo de negociações concomitantes na esfera multilateral e bi-regional. Também no plano externo, a iniciativa norte-americana de criação de comércio por acordos bilaterais apresenta um desafio adicional ao tema da institueionalidade. No plano regional, o ingresso de um novo Estado-Membro em um momento em que proliferam disputas bilaterais apresenta questionamentos pertinentes sobre a capacidade das atuais instituições regionais de responder rápida e eficientemente aos problemas surgidos.

Assim, concordando com Barbosa que "O principal problema do Mercosul, nos dias de hoje, é o seu déficit institucional"2, este paper busca analisar se o Parlamento do Mercosul constitui uma resposta adequada à demanda por maior institueionalidade para o bloco. Note-se, neste sentido, que o Parlamento já constitui uma realidade atuaímente, e que sua plena efetivação já está agendada nas regras constitutivas, como se explicará adiante. Para alcançar o objetivo deste texto, a seção seguinte revisará (à guisa de modelo analítico), alguns consensos sobre a correlação entre instituições e desenvolvimento regional. Em seguida, o texto se concentra na estrutura do Parlamento do Mercosul e suas principaisPage 257características. A parte conclusiva contrasta essas características com o modelo proposto, para indicar sugestões para o funcionamento futuro do Parlamento.

Em conformidade com as orientações do CEBRI, este é um texto propositalmente curto, no qual se transcreve primeiras impressões e reflexões concisas sobre o Parlamento do Mercosul, a partir das poucas fontes legislativas e bibliográficas disponíveis.

2. Instituições regionais e desenvolvimento

Um marco analítico para avaliar a eventual contribuição do Parlamento do Mercosul à maior institueionalidade do bloco requer, inicialmente, uma definição do que se pode entender por institucionalização, institucionalidade e instituições. Essa delimitação conceituai é necessária, pára que o debate não se perca em invocações descomprometidas, em razão da vagueza dos termos empregados. Essa preocupação é tão mais necessária quando os termos empregados implicam conotações distintas, mesmo entre politólógos.

De fato, o termo "institucionalização" tanto pode significar um fenómeno psiquiátrico de dependência3, quanto a organização de uma comunidade científica4. Burdeau, por sua vez, definia institucionalização como "a operação jurídica pela qual o poder político se transfere da pessoa dos governantes para uma entidade abstraía, o Estado"

Para efeitos do presente texto, entretanto, instituicionalização deve ser entendida como o processo pelo qual as instituições se tornam mais organizadas e identificadas, diferenciando-se de outras organizações políticas5. Quanto ao conceito de instituições, essas devem ser entendidas genericamente, como as "regras do jogo" e sua forma de efetivação, para adotar a definição clássica de Douglass North6.

Adotando essa conotação, o processo de institucionalização passa a ser compreendido como um fenómeno positivo. Institucionalizar implica promover a autonomia e a identidade de uma organização em direção a seus objetivos declarados. Embora a literatura sobre institucionalização em áreas de integração regional ainda seja incipiente, Héritier identifica - a partir da experiência da União Europeia - três processos possíveis: (a) a modificação explícita das regras formais existentes, por meio de acórdãos ou negociações; (b) a formação de novas regras e estratégias informais; (a) Outros métodos indiretos de evitar impasses, comprometendo previamente os atores com decisões relevantes, ao restringir as questões mais delicadas a círculos limitados, e ao incluir essas questões em novos contextos políticos onde elas têm maior chance de serem resolvidas por consenso7.

O debate sobre institucionalização, por sua vez, é compreensível uma vez quePage 258se aceite que elevar a eficiência de instituições em processo de integração regional é um componente essencial para um projeto conjunto de desenvolvimento. Com efeitos o que demonstram estudos empíricos recentes é que o papel das instituições para o desenvolvimento é, sobretudo numa sociedade do conhecimento, muito mais importante do que imaginavam os primeiros teóricos do desenvolvimento económico8.

Destarte, a fragilidade das instituições tem impacto direto na redução de investimentos na região económica em questão; eleva custos de transação, distorcidos por corrupção ou falta de credibilidade, e diminui o retorno de atividades produtivas9.

Uma correlação já demonstrada, mais especificamente, é entre fragilidade de instituições jurídicas (que se pode abranger no conceito de estrutura regulatória) e desenvolvimento económico. A menor segurança jurídica compromete o planejamento dos agentes privados, além de aumentar a incerteza e os riscos. Da mesma forma, a insegurança jurídica também afeta as liberdades públicas, reduzindo qualidade de vida e comprometimento dos atores sociais com as instituições.

Uma missão dos formuladores de políticas públicas é, portanto, elevar o grau de institucionalidade. Os mecanismos para elevação de institucionalidade podem ser, genericamente, agrupados em fatores internos à organização, fatores de relação com o ambiente político e fatores normativos.

No que se refere aos fatores internos, deve-se: promover maior coordenação e comunicação entre as divisões e componentes da organização; aumentar a estabilidade decisória, alcançando maior segurança nos processos internos; assegurar a continuidade dos projetos, para evitar desperdício de tempo e recursos em projetos inconclusos; garantir eficiência e rapidez na implementação das decisões; e aumentar o nível de confiança entre os administradores da instituição, e entre estes e os destinatários de sua missão institucional.

No que se refere à relação com o ambiente sócio-político, uma organização quePage 259busca maior institucionalidade deve: reduzir o tempo para respostas a demandas da sociedade e dos agentes económicos afetados; garantir transparência do processo decisório, de forma a alcançar legitimidade política; permitir participação de entidades organizadas da sociedade civil, de forma a evitar críticas de déficit democrático; prover informação pública quanto às suas aíividades; asseverar sua identidade e capacidade de representação equânime dos interesses envolvidos.

Ainda, podem-se indicar alguns traços necessários à maior institucionalidade, no que se refere ao plano normativo: as regras da organização devem ser claras e previsíveis; devem, essas regras, garantir um tratamento equitativo aos cidadãos afetados; devem trazer diretivas quanto à atribuição de responsabilidades dos administradores; deve haver garantias de participação democrática; devem constituir um sistema de solução de controvérsias ágil e com garantias de cumprimento de suas decisões.

A partir desse modelo analítico, ainda que simplificado e genérico, podem-se tecer algumas considerações sobre a constituição do Parlamento do Mercosul, o que se fará na seção seguinte.

3. Parlamento do Mercosul

A idéia de suprir o processo de integração do Mercosul com uma entidade de representação parlamentar não é nova. Já no Tratado de Assunção havia a previsão, sem data definida, para um parlamento supranacional10. O Tratado de Assunção estabeleceu uma Comissão Parlamentar conjunta, cujo regulamento interno foi aprovado em 1991.

Na reestruturação do Mercosul pelo Protocolo de Ouro Preto, a Comissão Parlamentar Conjunta foi incluída como um dos principais órgãos, mas sem outorga de capacidade decisória, nem de controle legislativo das regras do bloco. Em termos de processo legislativo, a competência da Comissão Parlamentar Conjunta foi restringida à possibilidade de formular recomendações11. Na prática, a Comissão serviu para contatos entre os parlamentares indicados pelos respectivos congressos nacionais, além de promover a compilação de normas do Mercosui e realizar seminários. Na avaliação de Bouzas e Stoltz, a Comissão...

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