A Ordem Política e Econômica Mundial no Início do Século XXI: Questões da Agenda Internacional e suas Implicações para o Brasil

AuthorPaulo Roberto de Almeida
PositionDoutor em Ciências Sociais, Mestre em Planejamento Econômico, Diplomata de Carreira desde 1977; Professor de Economia Política Internacional no Mestrado em Direito do Centro Universitário de Brasília – Uniceub.
Pages151-181

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Este ensaio tem por objetivo apresentar e discutir alguns dos problemas relevantes da agenda mundial, ao início do século XXI, e discutir suas implicações para o Brasil. Trata-se de uma exposição descritiva, que não se pretende abrangente, sistemática ou completa, mas que cubra, ainda assim, os problemas considerados mais importantes das relações internacionais contemporâneas, introduzindo, para cada um deles, sua interação ou impacto para o Brasil, enquanto ator ou espectador de alguns dos processos ou eventos enfocados. Pode ser considerada uma “digressão livre”, pelo fato de que não pretende fundamentar a análise dos tópicos tratados em remissões exaustivas, baseadas em fontes documentais relativas aos casos selecionados ou em referências bibliográficas completas; mas a lista de leituras indicativas, apresentada ao final, oferece, ainda assim, um guia de informação complementar para a maior parte dos problemas abordados no texto.

O ensaio recolhe algumas décadas de atento estudo das questões internacionais e a experiência adquirida no trato profissional de vários dos assuntos nele abordados. O texto foi organizado em três seções, apresentadas a seguir. Cada uma delas foi dedicada a um conjunto de questões com relevância internacional, nos planos político e econômico, para as quais são mencionadas as implicações ou o seu significado para o Brasil. A terceira seção aborda com maior grau de detalhe o impacto da presentePage 152ordem política e econômica mundial para o país. Este texto analítico-descritivo está assim estruturado:

1) A ordem política mundial: novos problemas, velhas soluções?

1.1. Segurança estratégica

1.2. Relações entre as grandes potências

1.3. Conflitos regionais

1.4. Cooperação política e militar nos hot-spots;

2) A ordem econômica mundial: velhos problemas, novas soluções?

2.1. Regulação cooperativa das relações econômicas internacionais

2.2. Assimetrias de desenvolvimento

2.3. Cooperação multilateral e Objetivos do Milênio

3) A ordem política e econômica mundial e o Brasil

3.1. Crescimento econômico

3.2. Investimentos

3.3. Acesso a mercados

3.4. Integração regional

3.5. Recursos energéticos

3.6. Segurança e estabilidade

1) A ordem política mundial: novos problemas, velhas soluções?

A primeira observação que compete fazer a respeito desta seção, tem a ver com o contraste oferecido em relação à seção seguinte, no sentido da inversão de caráter entre o velho e o novo. No caso da ordem política, acredito que o mundo enfrenta novos problemas, e eles não se situam apenas em supostas “ameaças globais”, como os problemas do meio ambiente ou da ameaça do terrorismo fundamentalista. A curta visão histórica das gerações presentes tende a crer que o “aquecimento global” tem sido produzido pela Revolução industrial ou pelas atividades “civilizatórias” de modo geral, esquecendo que, em escala geológica, o planeta Terra já enfrentou ciclos de aquecimento e de resfriamento globais que impactaram profundamente – em alguns casos fatalmente – o destino de sociedades humanas inteiras (ver Jared Diamond, Armas, Germes e Aço e Colapso). Da mesma forma, independentemente do fato de que os atuais fundamentalistas islâmicos matam, atualmente, um “pouco mais” de gente do que os anarquistas de um século atrás – que tendiam a se concentrar em lideranças políticas –, a violência indiscriminada como arma política está conosco há muito tempo, sendo que as guerras globais do século XX foram insuperáveis em sua obra homicida (Niall Ferguson: The War of the World).

Os problemas são novos no sentido em que, depois dessas matanças indescritíveis do século XX, tão bem descritas por Ferguson, o mundo parece encaminhar-se para um período de “relativa paz” no que se refere aos grandes sistemas imperiais. MinhaPage 153leitura do problema da paz e da guerra – certamente situada na tradição aroniana (Raymond Aron: Paz e Guerra entre as nações), mas dela divergindo quanto à natureza dos conflitos contemporâneos, que me parecem retroceder em relação ao panorama de guerras totais, de estilo clausewitziano, que ele contemplava – pode ser resumida da seguinte forma. As grandes nações guerreiras deixaram o cenário de pequenas guerras de posição, muitas vezes travadas com o recurso eventual a tropas mercenárias, típicas dos séculos XV e XVI, para as guerras de conquista e ocupação, conduzidas pelos Estados-nacionais em formação dos séculos XVII e XVIII. Importantes inovações táticas e estratégicas foram introduzidas pelo estilo napoleônico de conduzir os combates, envolvendo a mobilização de forças nacionais em larga escala, o que dominou o cenário mundial na era dos grandes impérios nacionais (basicamente o século XIX, até a Primeira Guerra Mundial). O século XX conheceu, sob a forma das guerras globais (em duplo sentido), uma inacreditável explosão de violência, que não mais poupou instalações ou populações de espécie alguma, até o advento da arma atômica, que sinalizou um limite para o exercício dessa violência. É minha crença – talvez subjetiva e otimista, mas ainda assim fundamentada numa certa percepção objetiva dos “custos” da guerra para os atuais “impérios” – que as superpotências não mais voltarão a se enfrentar diretamente, em grandes guerras totais, mas procurarão se acomodar mutuamente com o recurso às negociações ou, quando for necessário, às guerras localizadas e aos conflitos militares por procuração – proxy wars – que não mais envolverão a escalada final, isto é, a destruição completa do inimigo (pois isso poderia significar a sua própria destruição, quando não uma hecatombe em escala planetária).

Por outro lado, o desaparecimento do socialismo, que significava um messianismo em bases universalistas, retira um dos mais poderosos indutores a um conflito global no plano militar, pois, como disse Francis Fukuyama (“The End of History?”) – e nisso estou em acordo com ele –, não existe mais uma alternativa credível aos sis-temas de mercado e ao capitalismo, ainda que as democracias demorarão um pouco mais para atingir a universalidade. Ou seja, os “impérios” porventura existentes – americano, europeu, chinês, russo, indiano – se encontrarão na interdependência do capitalismo global, ainda que possam ter suas divergências econômicas, políticas e militares, e mesmo conflitos localizados, mas todos eles equacionáveis diplomatica-mente em bases de mútua conveniência.

Os problemas são, portanto, “novos”, pois o recurso à guerra total já não é mais possível na era nuclear, com a crescente interpenetração dos “impérios” regionais. Isto não quer dizer que o direito internacional – e suas manifestações institucionais, como a ONU e outras agências intergovernamentais – venha a prevalecer sobre a vontade dos Estados-nacionais e, sobretudo, acima desses impérios: a ameaça do uso da força deve permanecer como a ultima ratio da política internacional durante um bom tempo ainda, enquanto, pelo menos, a lógica westfaliana continuar a prevalecer (e isto pode durar mais um século e meio, aproximadamente). As soluções são, portanto, “velhas”, por isso mesmo: a lógica imperial e o uso da força continuarão conosco peloPage 154futuro previsível, e esta me parece a base da segurança e da estabilidade do mundo que conhecemos, que não corre nenhum risco de tornar-se “kantiano” antes de três ou quatro gerações, pelo menos. A soberania continuará com os Estados-nacionais pelo futuro previsível; menos na Europa, que está construindo sua própria soberania co-munitária (mas este será um processo longo, pois os europeus não parecem acreditar muito na força bruta, sendo, neste caso, suplantados pelos chineses e indianos, que com russos e americanos continuarão a dominar o panorama da segurança estratégica nas próximas décadas).

Quanto à ordem econômica, que me parece apresentar os mesmos “velhos” problemas de sempre – desigualdades de acesso e de riqueza entre as nações, diferenciais de renda e de prosperidade, com convergências e divergências operando em ritmo muito lento para eliminar os ainda imensos bolsões de miséria abjeta –, algumas novas soluções parecem estar em curso; elas se situam justamente na interdependência crescente dos sistemas econômicos nacionais. Neste caso, o sistema “westfaliano” já saltou pelos ares e o nacionalismo econômico parece uma coisa tão antiquada quanto o machado de bronze e a roca de fiar. A internacionalização crescente das atividades produtivas e de circulação de bens tangíveis e intangíveis me parece constituir a base de uma sociedade global que existirá antes na prática do que no direito, este ainda dominado pelos nacionalismos de base política que são duros de morrer. Aprofundarei estes temas na seção pertinente.

Feita esta introdução de caráter geral, vejamos agora os problemas da agenda política mundial.

1.1. Segurança estratégica

Na equação estratégica contemporânea, a detenção de artefatos nucleares continua a ser o elemento dominante, em ultima ratio, do jogo do poder. Existem, obviamente, outros vetores de poder, em especial o tecnológico e o econômico, este constituindo, em última instância – segundo o modelo analítico marxista, que neste particular conserva plena validade –, o elemento crucial de afirmação de supremacia, de modo continuado. Não se compreende...

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