O ministério público e a tutela dos direitos sociais

AuthorLeonardo Augusto Gonçalves
PositionPromotor de Justiça no Estado de São Paulo; Professor de Direito Processual Penal das Faculdades Integradas de Ourinhos
01. Introdução

O art. 127 da Carta da República define o Ministério Público como instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis .

Tal definição traz ao Ministério Público especial relevância no rol das instituições que estruturam o Estado Democrático de Direito, colocando-o como base de sustentação de um de seus fundamentos, qual seja, a cidadania (art. 1º, inciso II, CF).

A cidadania, em um de seus aspectos, traz em si a idéia do direito fundamental da pessoa à educação, à saúde, ao trabalho, à moradia, ao lazer, à segurança, entre outras garantias que o Estado deve assegurar.

Ao lhe atribuir a missão institucional correspondente à defesa dos interesses sociais indisponíveis, o legislador constitucional, representando a soberania da vontade popular, depositou no Ministério Público a confiança de que se caracterizaria como o guardião dos chamados direitos sociais, conforme discriminados no art. 6º da CF1 .

Na lição de Alexandre de Moraes, os sociais são direitos fundamentais do homem, caracterizando-se como verdadeiras liberdades positivas, de observância obrigatória em um Estado Social de Direito, tendo por finalidade a melhoria de condições de vida dos hipossuficientes, visando à concretização da igualdade social, e são consagrados como fundamentos do Estado democrático, pelo art. 1º, IV, da Constituição Federal .

A previsão constitucional nos termos em que restou consignada na Carta da República de 1988 revela o traço concernente à indisponibilidade dos direitos sociais, bem como a característica da auto-aplicabilidade da regra prevista no art. 6º.

Diante de tais premissas, mostra-se evidente a conclusão de que a efetiva implementação e cumprimento dos direitos sociais, conforme previstos no art. 6º da CF, caracterizam-se como missão institucional do Ministério Público.

Este trabalho, partindo do raciocínio preliminar até aqui apresentado, tem como objetivo trazer breves considerações sobre o papel que o Ministério Público, de acordo com o seu atual perfil constitucional, deve cumprir na busca do efetivo respeito aos direitos sociais, fazendo com que o Estado cumpra o seu dever de garantir ao cidadão o direito de viver em uma sociedade que busque, por meio da atuação dos poderes constituídos e da sociedade civil organizada, a erradicação da pobreza e da marginalização, reduzindo as desigualdades sociais e regionais e promovendo o bem de todos, nos exatos termos do que estabelece o art. 3º, III e IV, da CF.

02. Políticas Públicas e Poder Discricionário da Administração

Partindo da clássica divisão apresentada por Montesquieu relativa à divisão dos Poderes do Estado, ao Executivo compete a prática dos atos de chefia, de governo e de administração.

Segundo Eduardo Appio, as políticas públicas podem ser conceituadas como instrumentos de execução de programas políticos baseados na intervenção estatal na sociedade com a finalidade de assegurar igualdade de oportunidades aos cidadãos, tendo por escopo assegurar as condições materiais de uma existência digna a todos os cidadãos . E, ainda com Appio, citando Ronald Dworkin, uma política é aquele tipo de padrão que estabelece um objetivo a ser alcançado, em geral uma melhoria em algum aspecto econômico, político ou social da comunidade (ainda que certos objetivos sejam negativos pelo fato de estipularem que algum estado atual deve ser protegido contra mudanças adversas) .

Posto isto, as indagações que devem nortear a análise do tema ora proposto são as seguintes: a) está o Poder Executivo vinculado à elaboração e cumprimento das políticas públicas que tenham por objetivo a efetiva implementação dos direitos sociais? b) qual o papel que o Ministério Público deve assumir na busca da elaboração e cumprimento de tais políticas públicas?

Conforme ensinamento de Hely Lopes Meirelles, à Administração é concedido o chamado poder discricionário para a prática de atos administrativos, com liberdade na escolha de sua conveniência, oportunidade e conteúdo .

Entretanto, no âmbito dos direitos sociais, o poder discricionário da Administração deve ser analisado com profunda cautela posto que, conforme anteriormente salientado, a elaboração das políticas públicas e a realização dos atos administrativos tendentes à efetiva implementação de tal modalidade de direitos estão vinculadas ao cumprimento de dispositivo constitucional de ordem pública, arraigado aos critérios da imperatividade e inviolabilidade, possuindo natureza de norma auto-aplicável e, assim, não podendo ser afastada pela discricionariedade do Administrador.

Surge, desta forma, o conceito de políticas públicas constitucionais vinculativas, a partir do qual se chega ao entendimento de que, para a garantia dos direitos sociais, a Administração estará compelida à elaboração de estratégias de atuação visando implementá-los.

Desta forma, temos que o Poder Executivo não poderá furtar-se à elaboração das políticas públicas relacionadas aos direitos sociais, bem como à efetiva implementação destes, sob pena de descumprir norma constitucional de ordem pública, imperativa, inviolável e auto-aplicável.

Caso a Administração não cumpra tais deveres, deixando de elaborar (ou elaborando de maneira inadequada) as políticas públicas relacionadas aos direitos sociais, ou, ainda, deixando de cumprir as políticas públicas elaboradas, competirá ao Ministério Público dar efetividade a seu dever institucional de defender os interesses sociais indisponíveis.

03. Elaboração e Cumprimento das Políticas Públicas

Mais uma vez colhendo os ensinamentos de Eduardo Appio, temos que as políticas públicas no Brasil se desenvolvem em duas frentes, quais sejam, políticas públicas de natureza social e de natureza econômica, ambas com um sentido complementar e uma finalidade comum, qual seja, de impulsionar o desenvolvimento da Nação, através da melhoria das condições gerais de vida de todos os cidadãos .

Tradicionalmente, o próprio Poder Executivo, por meio do planejamento de suas estratégias de atuação, é quem elabora as políticas públicas, inclusive aquelas vinculadas à implementação dos direitos sociais.

Atualmente, o Poder Executivo muito tem se auxiliado das atividades dos chamados Conselhos de Gestão no que diz respeito à elaboração das políticas públicas, sobretudo nas áreas da saúde, crianças e adolescentes, educação e assistência social. Tais Conselhos, que contam com a participação de diversos segmentos da sociedade (poder público, entidades de classe, associações, clubes de serviço, etc.), contribuem para o diagnóstico das prioridades dos Municípios nas áreas correspondentes aos direitos sociais, formulando projetos, encaminhando sugestões e requerimentos ao Poder Executivo no sentido de que sejam implementados.

Também o Poder Legislativo, por meio das atividades de seus membros, sobretudo na elaboração e votação de projetos de leis (mormente de natureza orçamentária), possui papel fundamental na elaboração das políticas públicas.

A sociedade civil organizada, em especial as instituições que atuam no chamado terceiro setor , também colaboram no encaminhamento de diversas questões inerentes aos direitos sociais, promovendo gestões a respeito do tema junto aos órgãos do Poder Executivo e demonstrando quais as prioridades a serem implementadas em suas respectivas áreas de atuação.

Mostra-se importante observar que no campo das políticas públicas a questão orçamentária revela-se como de especial relevância posto que todo e qualquer projeto a ser desenvolvido pela Administração demanda investimento.

Neste ponto, vale acentuar a necessidade de que todos os envolvidos na elaboração e cumprimento das políticas públicas tenham como ponto de partida o conhecimento da forma pela qual o orçamento é elaborado e executado.

É de extrema importância compreender o papel da Lei do Orçamento Anual (LOA), do Plano Plurianual (PPA) e da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) posto que desempenham função relevante na definição e priorização das ações governamentais .

De se destacar, ainda, que as principais determinações legais para elaborar e...

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