Marco Temporal e as Violações aos Direitos dos Povos Indígenas - Análise da Constitucionalidade e da Convencionalidade a Partir da Jurisprudência da CIDH

AuthorSusanna Schwantes/Gilberto Starck
Pages148-173
148 XII ANUÁRIO BRASILEIRO DE DIREITO INTERNACIONAL
Anuário Brasileiro de Direito Internacional, ISSN 1980-9484, vol.2, n.23, jul. de 2017.
MARCO TEMPORAL E AS VIOLAÇÕES AOS DIREITOS DOS POVOS
INDÍGENAS: ANÁLISE DA CONSTITUCIONALIDADE E DA
CONVENCIONALIDADE A PARTIR DA JURISPRUDÊNCIA DA CIDH
TEMPORARY FRAMEWORK AND VIOLATIONS TO THE RIGHTS OF
INDIGENOUS PEOPLES: ANALYSIS OF CONSTITUTIONALITY AND
CONVENTIONALITY FROM THE IACHR'S JURISPRUDENCE
Susanna Schwantes1
Gilberto Starck2
RESUMO
O presente estudo pretende analisar porque o marco temporal para demarcação de terras
indígenas, fixado pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do caso Raposa Serra
do Sol, viola direitos dos povos indígenas. Pretende-se demonstrar que a fixação do
marco temporal fere os direitos indígenas e, abordar especificamente as violações ao
direito à vida, tendo como parâmetro as sentenças da Corte Interamericana de Direitos
Humanos sobre direitos possessórios indígenas. O estudo é fruto de pesquisa
bibliográfica e jurisprudencial com o intuito de analisar casos semelhantes de violações
e não reconhecimento de direito à terra tradicional de comunidades indígenas e que se
assemelham ao caso brasileiro. De forma a sustentar a inconstitucionalidade e
incovencionalidade do marco temporal, segundo o qual para que haja reconhecimento
das terras tradicionais, é necessária comprovação de que os índios estavam na posse das
terras quando da promulgação da Constituição de 1988 ou desde que provem o esbulho
renitente. Como será demonstrado, o atual entendimento fere diversos direitos das
comunidades indígenas que podem lhes custar a própria sobrevivência física e cultural.
Palavras-chave: Povos indígenas; Marco temporal; Direito à vida; Constitucionalidade;
Convencionalidade
ABSTRACT
The present study intends to analyze why the temporal framework for demarcation of
indigenous lands, set by the Federal Supreme Court in the Raposa Serra do Sol trial,
violates the rights of indigenous peoples. It is intended to demonstrate that the
establishment of the temporal framework violates indigenous rights and specifically
addresses violations of the right to life, based on the judgments of the Inter-American
Court of Human Rights on indigenous property rights. The study is the result of
bibliographical and jurisprudential research in order to analyze similar cases of
violations and non-recognition of the traditional land rights of indigenous communities,
which resemble the Brazilian case in order to support the unconstitutionality and
1 Professora do Centro Universitário Ritter dos Reis/Uniritter nas disciplinas de Direito Ad ministrativo,
Econômico, núcleo de prática de direito administrativo, núcleo de prática de direito constitucional, núcleo
de mediação e iniciação à prática jurídica. Mestre em Direito Ambiental pela Universidad e de Caxias do
Sul UCS em Direito Ambiental. Currículo Lattes: < http://lattes.cnpq.br/094845578043 1123>. E-mail:
professorasusanna@yahoo.com.br.
2Aluno do Curso Especialização Direitos Humanos e Políticas Públicas na Universidade do Vale dos
Sinos (Unisinos). Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Ritter dos Reis (Canoas/RS).
Pesquisador voluntário do Projeto de Extensão Clínica de Direitos Humanos do Centro Universitário
Ritter dos Reis/Uniritter/Laureate International Universities. Currículo Lattes:
. E-mail: starckadvogado@gmail.com.
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Marco Temporal e as Violações aos Direitos dos Povos Indígenas: Análise da Constitucionalidade e da
Convencionalidade a Partir da Jurisprudência da CIDH
Anuário Brasileiro de Direito Internacional, ISSN 1980-9484, vol.2, n.23, jul. de 2017.
inconvenience of the temporal framework, according to For recognition of traditional
lands, it is necessary to prove that the Indians were in possession of the lands when the
Constitution of 1988 was promulgated or since they provoke the reluctant snooping. As
will be shown, the current understanding hurts various rights of indigenous
communities that can cost them their own physical and cultural survival.
Keywords: Indian people; Time frame; Right to life; Constitutionality; Conventionality
INTRODUÇÃO
Desde o           
sofreram com o processo de colonização, escravização, usados para defender as
fronteiras, foram considerados empecilho ao desenvolvimento do Brasil, passaram por
um processo cruel de eliminação física e cultural.3 Enfim, os povos indígenas já
sofreram inúmeras e variadas violações de direitos humanos em nosso País.
Apesar dos avanços trazidos com a Constituição Federal no campo dos direitos
humanos, os índios continuam sua luta contra um processo de aculturamento e
extermínio de sua cultura e principalmente pelo direito de terem suas terras
reconhecidas. O Relatório Violência contra os Povos Indígenas no Brasil de 2015, de
autoria Conselho Indigenista Missionário, aponta para um grande número de
assassinatos, conflitos por terra, e pelo avanço na destruição dos direitos indígenas,
principalmente pelo fortalecimento de uma bancada ruralista na Câmara Federal e no
Senado.4
Além disso, recentemente, durante o julgamento do Caso Raposa Serra do Sol5 o
Supremo Tribunal Federal fixou dezoito condições que devem ser consideradas nos
processos de reconhecimento e demarcação de terras indígenas. Entre essas condições
está a fixação de um marco temporal, segundo o qual, para que seja reconhecida como
terra tradicional indígena é necessário demonstrar que os índios estavam na posse da
terra na data da Promulgação da Constituição Federal de 1988 ou que seja prova o
esbulho renitente.
Ocorre que como será demonstrado nessa pesquisa tal entendimento fere
dispositivos constitucionais e documentos internacionais de proteção dos direitos
humanos e dos povos indígenas. Além disso, o posicionamento adotado pela nossa
Corte contraria a mais recente jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos
Humanos.
Trata-se de uma tese que restringe o acesso das comunidades indígenas sob suas
terras e coloca em risco a vida dessas comunidades. A presente pesquisa se dividirá em
quatro pontos.
Primeiramente será mostrado como ocorreu a fixação do marco temporal no
Supremo Tribunal Federal quando do Julgamento da Pet. 3.338.6 Em seguida será
3CARNEIRO DA CUNHA, Manuela. Índios no brasil - História, direitos e cidadania. 1. ed. São P aulo:
Claro Enigma, coleção Agenda brasileira, 2013. p. 11 e ss.
4 BRASIL. Relatório Violência contra os Povos Indígenas no Brasil 2015. Disponível em:
http://www.cimi.org.br/pub/relatorio2015/relatoriodados2015.pdf>. Acesso em: 23 fev. 2017.
5 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Petição 3.338-4. Relator (a): Min. Ayres Britto, j ulgado em
19/03/2009. Disponível em:
Teo
r%20Pet%20/%203388>. Acesso em 10 jan. 2017.
6 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Petição 3.338-4. Relator (a): Min. Ayres Britto, julgado em
19/03/2009. Disponível em:

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