O Aumento do número de Órgãos Judiciais Internacionais e suas repercussões para a Sociedade Internacional

AuthorLeonardo Nemer Caldeira Brant - Délber Andrade Lage
PositionPresidente do Centro de Direito Internacional (CEDIN). Jurista Adjunto na Corte Internacional de Justiça (CIJ). - Diretor do CEDIN, coordenador do Programa de Pós-Graduação em Direito Internacional do CEDIN e das Faculdades Milton Campos
Pages155-206
OAumento do Número de Órgãos Judiciais Internacionais e suas Repercussões
para a Sociedade Internacional
155
O Aumento do Número de Órgãos Judiciais Internacionais e suas
Repercussões para a Sociedade Internacional
LEONARDO NEMER CALDEIRA BRANT1
DÉLBER ANDRADE LAGE2
Resumo
Orecente movimento de expansão não uniforme do Direito Internacional (DI) é
caracterizado por um lado, pela especialização de regimes e, por outro, pelo aumento do
número de cortes etribunais internacionais. Oproblema que se coloca, no âmbito desse
trabalho, refere-se àanálise das implicações da jurisdicionalização do DI para anoção
de unidade de seu ordenamento jurídico. Discute-se, em um primeiro momento, oque
caracteriza esse movim ento, bem como são identicas suas tendências conjunturais.
Apartir disso, há uma a colocação e análise da tese de acordo com a qual o aumento
de órgãos judiciais internacionais é, ao mesmo tempo, um reexo eumreforço do
movimento de expansão não uniforme do Direito Internacional, e, dentro das alternativas
desenhadas pela necessidade política, atua de forma decisiva para a consolidação do
sistema normativo internacional.
Abstract
The recent movement of uneven expansion of International Law is characterized in
one hand, for the specialization of regimes and, on the other hand, for the increase in
the number of international courts and tribunals. This paper examines the implications
of the judicialization of the International Law to the notion of unity of its legal order.
Firstly,itisargued what characterizes this movement, as well as how its conjunctural
tendencies are identied. On that account, it is dened and analyzed the argument which
considers that the increase of internationallegal organs is, at the same time, areex
and astrengthen of the movement of uneven expansionofthe International Law,and
between the alternatives designed by the political needs, acts in adecisive way in the
consolidation of the international normative system.
1Presidente do Centro de Direito Internacional (CEDIN). Jurista Adjunto na Corte Internacional de Justiça
(CIJ). Professor convidado da Université Panthéon-Assas Paris II e da Université Caen Basse-Normandie,
França. Visiting Fellow do Lauterpacht Centre, Cambridge University. Professor Adjunto de Direito
Internacional Público da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e da Pontifícia Universidade
Católica de Minas Gerais (PUC Minas).
2Diretor do CEDIN, coordenador do Programa de Pós-Graduação em Direito Internacional do CEDIN edas
Faculdades Milton Campos, Professor de Direito Internacional da Faculdade de Direito da UFMG (2009) e
do Centro Universitário UNA; Professor do Curso de Relações Internacionais da PUC Minas (2010).
156 VANUÁRIO BRASILEIRO DE DIREITO INTERNACIONAL | V. 1
Arecente tendência de adjudicação dos conitos internacionais,caracterizada por
uma signicativaespecialização dos órgãos jurisdicionais internacionais edesuas
competências tem acirrado odebate acerca da fragmentação do DI. Para que se possa
compreender esse cenário, deve-se, primeiramente, analisar oreal alcance da proliferação
de cortes tribunais internacionais (parte I), para que então se possa discutir de que forma
essa tendência interfere na dinâmica do ordenamento jurídico internacional (parte II). A
hipótese defendida éadeque ela reete atensão existente na sociedade internacional
entre aexistência de valores comuns eosideais voluntaristas decorrente do corolário da
soberania dos Estados econseqüente anarquia do sistema internacional.
Parte I AProliferaçãode Cortes e Tr ibunais Internacionais
Seção 1 - ACaracterização do Movimento: Expansão e Especicidade
Institucional
Osignicativo aumento do número de cortes etribunais internacionais, ocorrido
nos últimos quinze anos, éprovavelmenteoindicador mais latente do movimento de
expansão não uniforme do Direito Internacional.Amagnitudedesse fenômeno éatestada,
por exemplo, quando se percebe que, apesar de existirem hámais de um século, sessenta
etrês por cento de toda aatividade das cortes internacionais ocorreu nos últimos doze
anos3.Ele não se caracteriza, contudo, apenas por seu aspecto quantitativo, uma vez que é
acompanhado por uma tendência de expansão e transformação da natureza e competência
desses órgãos judiciais4. Para que se possa analisar de que forma a jurisdicionalização
repercute na aunidade do ordenamento internacional, faz-se necessária acompreensãodo
contexto no qual essas mudanças ocorreram5.Faz-se necessária, igualmente, adiscussão
de suas implicações no padrão normativo tradicional, apartir de questões relativas à
possibilidade de conito de decisões, a “constitucionalização” do sistema normativo
internacional, a comunicação transjudicial, e a “possibilidade do fórum shopping”6.
3ALTER, Karen J., International Legal Systems, Regime Design and the Shadow of International Law in
International Relations. Paper presented at the American Political Science Association Conference, Boston,
MA, 2002.
4ROMANO, Cesare P.R., The Proliferation of International Judicial Bodies: The Pieces of The Puzzle; 1999,
p.710.
5Nesse sentido, relevantes colocações são feitas por Romano, que argumenta que essa “proliferação” fora
resultado dos seguintes fatores estruturais: Fim da Guerra Fria e conseqüente abandono das concepções de
Marxistas eLeninistas acerca das RI (i); substantiva expansão do Direito Internacional, capitaneada pela
consolidação de novos regimes (ii); grande número de acordos comerciais regionais – os quais normalmente
trazem provisões acerca da solução de controvérsias (iii); eaemergência de atores de natureza não estatal
na Sociedade Internacional –tais quais Organizações Internacionais, indivíduos ecortes nacionais –cujas
demandas criaram a necessidade de novas instituições internacionais (iv). (ROMANO, Cesare P.R., The
Proliferation of International Judicial Bodies: The Pieces of The Puzzle; 1999, pp. 729-748).
6Ver,por exemplo, The Proliferation of International Tribunals: Piecing Together the Puzzle, 31 New Yo rk
Journal of International Law and Politics, 1999.
OAumento do Número de Órgãos Judiciais Internacionais e suas Repercussões
para a Sociedade Internacional
157
Conforme será argumentado, a criação de cortes e tribunais internacionais é marcada
por sua diversidade funcional7e institucional8.Por essa razão, muito tem sido discutido
sobre uma pretensa fragmentação do DI, causada pela desmedida “proliferação” desses
órgãos9. Esse é, repita-se, justamente o foco desse trabalho. Faz-se necessária, portanto,
uma observação preliminar aesse respeito: em virtude desse recorte epistemológico,a
avaliação acerca das razões pelas quais os Estados têm optado por delegar aavaliação
das questões normativas a terceiros10 éalgo que se coloca apenas de forma incidental.
Oque se quer frisar,com isso, éque ofoco desse estudo privilegia os impactos desse
movimento para aSociedade Internacional.Isso signicaque, do ponto de vista teórico,
ajurisdicionalização será colocada como uma variável independente.
Face à incipiência desse cenário, bem como aos problemas relativos à diculdade de
uniformização conceitual acerca do tema, a determinação do que será considerado como
CorteseTribunais internacionais no âmbito desse trabalho éalgo de suma importância.
Algunsautores optam por trabalhar comanoçãocunhada por Martin Shapiro,deacordo com
a qual há quatro elementos envolvidos: (1) juízes independentes; (2) normas relativamente
precisas e preexistentes; (3) procedimento que consagre o contraditório; e (4) decisão de
acordo com a qual uma parte necessariamente vença11.Essa, contudo, se mostra limitada
por pressuporuma correspondência entre os órgãos judiciais domésticos einternacionais.
Não se pode negligenciarofato de que aadjudicação, na esfera internacional, assume
dinâmica própria, notadamente distinta daquela dos ordenamentos nacionais.
Nesse último caso, oacesso às cortes é, normalmente, um direito inerente ao sujeito, e
seinsere dentro de um sistema judicialhierarquizadoecujomecanismo de implementação
das sanções éecaz. Nas relações internacionais, por sua vez, apresença de Estados
Soberanos como os principais agentes do Direito Internacionalimplica especicidades
para aprópria idéia do exercício da jurisdição, dramaticamente ligado ao consentimento
desses12.Ademais, as vicissitudes desse contexto impedem que haja um sistema judicial
análogo aqueleexistente na esfera doméstica. Os mecanismos de implementação
7Especialização da competência, regime legal aplicável, acesso, dentre outros.
8Medidas provisionais,procedimentos internos, mecanismos de monitoramento eimplementação das
decisões, por exemplo.
9Ver, por exemplo, KINGSBURY, Benedict, Foreword: Is the Proliferation of International Courts and
Tribunals aSystemic Problem?, pp.680-688; BURGENTHAL, Thomas, Proliferation of International
Courts and Tribunals: Is it Good or Bad?, 2001. Para uma exaustiva análise a esse respeito, inclusive
sobre aexistência real de eventuais conitos de decisões, ver CHARNEY,Jonathan I., Is International Law
Threatened by Multiple International Tribunals?, RECUEIL DES COURS 101, 1998 (No qual oautor
argumenta que, até aquele momento, não havia nenhum indício de fragmentação).
10 Para uma discussão sobre as razões políticas que envolvem oprocesso de delegação, ver ALTER, Karen,
International Courts in International Politics: Four Judicial Roles and Their Implications for State-IC
relations, 2005.
11 SHAPIRO, Martin, Courts, a Comparative and Political Analysis, 1981, p.1. Ve r, igualmente, MERRILS,
International Dispute Settlement, 1998, pp. 293-296; ALVA REZ, José E., New Dispute Settlers: (Half)
Truths and consequences, 2003, p.407; CARON, David, Towards a Political Theory of International Courts
and Tribunals, 2006, p.406.
12 Ver, aesserespeito, ROMANO, Cesare P. R., The Shift from the Consensual to the Compulsory Paradigm in
International Adjudication: Elements for a Theory of consent, 2007.

To continue reading

Request your trial

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT