A Organização Internacional do Trabalho (OIT)

AuthorMarcio Morena Pinto
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“(...) existem condições de trabalho que implicam, para grande número de indivíduos, miséria e privações, e que o descontentamento que daí decorre põe em perigo a paz e a harmonia universais, (...) é urgente melhorar essas condições no que se refere, por exemplo, à regulamentação das horas de trabalho, à fixação de uma duração máxima do dia e da semana de trabalho, ao recrutamento da mão de obra, à luta contra o desemprego, à garantia de um salário que assegure condições de existência convenientes, à proteção dos trabalhadores contra as moléstias graves ou profissionais e os acidentes do trabalho, à proteção das crianças, dos adolescentes e das mulheres, às pensões de velhice e de invalidez, à defesa dos interesses dos trabalhadores empregados no estrangeiro, à afirmação do princípio ‘para igual trabalho, mesmo salário’, à afirmação do princípio de liberdade sindical, à organização do ensino profissional e técnico, e outras medidas análogas (...)”

(Constituição da OIT, trecho do Preâmbulo, 1919).

3. 1 O surgimento da organização internacional do trabalho (OIT)

As organizações de trabalho institucionalizaram-se no plano internacional com basicamente duas finalidades. A primeira delas é jurídica, ou seja, a de

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regulamentar e normatizar as regras atinentes à proteção do trabalhador, fixando princípios programáticos ou regras imperativas de âmbito internacional. A segunda de suas finalidades é científica, pois esse tipo de organização também busca promover estudos aprofundados sobre as condições dos trabalhadores no mundo.

Nascimento (2008, p. 94-95) classifica as organizações internacionais em: gerais ou regionais, genéricas ou específicas, ou ainda em consultivas ou jurisdicionais. As organizações são especializadas quando se dedicam exclusivamente a temas concernentes às relações de trabalho, como é o caso da Organização Inter-nacional do Trabalho (OIT), e são genéricas quando apenas parte da sua atividade é voltada para essa temática de interesse, sendo esse o caso da Organização das Nações Unidas (ONU).

As organizações classificam-se ainda em regionais quando têm uma esfera de atuação em um determinado território, geralmente incluindo alguns países nele situados e que resolveram, como expressão da sua soberania, unir-se formando uma Comunidade, uma União ou, simplesmente, pactuando normas comuns aduaneiras, migratórias ou econômicas destinadas a agilizar o processo produtivo e a facilitar a circulação de mercadorias entre as fronteiras dos respectivos países. É o caso da União Europeia e do Mercado Comum do Sul (MERCOSUL).

Há, outrossim, organizações que não têm finalidade normativa ou regulamentar, mas uma função do tipo arbitral ou jurisdicional, para conhecer e decidir conflitos que surjam envolvendo aquelas organizações ou pessoas, físicas ou jurídicas, que estabeleçam relações jurídicas internacionais. É o caso do Tribunal de Justiça da Comunidade Europeia, por exemplo.

Por sua vez, as instituições meramente consultivas existem para debater as diretrizes maiores que devem ser observadas, como o Foro Consultivo Econômico--Social, previsto nos arts. 28 a 30 do Protocolo de Outro Preto para o MERCOSUL. Trata-se nitidamente de um organismo internacional de representação dos setores econômicos e sociais, de composição paritária, com a participação de representações de trabalhadores e empregadores com igual número de integrantes de cada Estado-Parte. Sua função, como o próprio nome indica, é consultiva e não executiva ou decisória, podendo fazer recomendações para o MERCOSUL e seus integrantes.

É cediço que a mais importante das organizações que se dedicam ao direito do trabalho é sem dúvida a Organização Internacional do Trabalho (OIT), também referida pela siglas ILO, do inglês, International Labour Organization. Como já pudemos analisar historicamente, as suas raízes se encontram no início do século XIX, quando os líderes industriais Robert Owen e Daniel Le Grand apoiaram o desenvolvimento e a harmonização de legislação trabalhista e melhorias nas relações de trabalho.

A Organização Internacional do Trabalho (OIT) foi criada na Conferência das Nações, em 1919, por ocasião da assinatura do Tratado de Versalhes, visando à criação de instrumentos disciplinadores das relações de trabalho em todo o mundo. Na parte XII do tratado se encontra a sua constituição jurídica, que foi

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complementada pela Declaração da Filadélfia de 1944. Observe-se de antemão que sua constituição experimentou sucessivas reformas em 1953, 1962, 1972 e 1986.

Segundo Oliveira (1994, p. 73), com a criação da OIT os países signatários do Tratado de Versalhes objetivavam buscar a paz social, incentivando o estabelecimento de condições humanitárias de trabalho para todos, pugnando pelo respeito à dignidade e pela elevação do homem que trabalha a uma condição de protetibilidade, “sempre com vistas a uma internacionalização das normas sociais de proteção e à adoção dessas normas pelo governo interno dos Estados-membros”.

É perceptível que desde o momento de sua instituição a OIT vem desempenhando relevante papel na internacionalização do Direito do Trabalho, fomentando a uniformização de preceitos trabalhistas fundamentais e a sua harmonização com a ordem interna dos países celebrantes de seus tratados e convenções.

No que tange à sua vinculação com a ONU, o art. 57 da Carta das Nações Unidas, adotada em 1945, estatuiu que os organismos especializados estabelecidos por acordos intergovernamentais que tenham amplas atribuições internacionais definidas em seus estatutos e relativas a matérias de caráter econômico, social, cultural e educativo, sanitário e outras conexas, estariam a ela vinculados.

Na 27ª Sessão da Conferência Internacional do Trabalho, realizada em Paris, em novembro de 1945, foram aprovadas duas importantes resoluções visando à realização desse objetivo: a) a nomeação de uma delegação especial para o exame de todas as questões relativas à Constituição e à prática constitucional da Organização, cujos fins já estavam delineados na Declaração de Filadélfia; e b) a confirmação do desejo da OIT de travar relações com a ONU, mediante convênio a ser estipulado por mútuo acordo.

O texto original de constituição da OIT, aprovado em 1919, sofreu uma revisão geral consubstanciada pelo instrumento de Emenda de 1945, que entrou em vigor a 26 de setembro de 1946. Nesse mesmo ano, mas alguns meses antes, eram concluídas as gestões visando ao acordo entre a ONU e a OIT, o qual foi assinado em Nova York.

Consoante seu artigo primeiro, as Nações Unidas reconhecem a OIT como um organismo especializado, competente para empreender a ação que considere apropriada, de conformidade com seu instrumento constitutivo básico, para o cumprimento dos propósitos nele expostos.

3. 2 Finalidades e funções da OIT

A OIT é uma organização permanente de caráter internacional, encarregada de trabalhar pela realização dos ideais que inspiraram a sua criação e para atingir os fins a que se destina.

Nesse sentido, Ridruejo (2006, p. 760) destaca esses ideais que estão na base de sua criação. São eles: a busca pela paz internacional, por meio do alcance da

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justiça nas relações laborais e pelo respeito aos postulados da justiça social; e a adoção de um regime de trabalho realmente humano e de caráter universal, calcando-se na interdependência entre os Estados.

Note-se que somente quando esses dois ideais alcançaram maturidade suficiente na opinião pública internacional, ao término da Primeira Guerra Mundial, é que se determinou a sua criação, por meio do Tratado de Versalhes em 1919, Parte XIII, como já vimos.

O artigo 1º da Constituição da OIT afirma tratar-se de uma organização de caráter internacional, encarregada de trabalhar pela realização do programa exposto no seu preâmbulo, bem como do prescrito na Declaração, no que se refere aos seus fins e objetivos, adotados na Filadélfia em 10 de maio de 1944. O mencionado preâmbulo afirma, inicialmente, que “a paz universal e permanente só pode basear-se na justiça social”.

A seguir assinala que existem condições de trabalho que contêm tal grau de injustiça, miséria e privações para grande número de seres humanos, que o descontentamento causado constitui uma ameaça à paz e à harmonia universais. Nesse sentido, considerando que é urgente melhorar essas condições, enumera como exemplos diversos aspectos da proteção ao trabalho; a contratação do trabalhador; a luta contra o desemprego; a previdência social; a posição do trabalhador estrangeiro; o princípio da liberdade sindical; a organização do ensino técnico-profissional; e, abrindo larga porta ao estudo de outros temas, refere-se a “outras medidas análogas”.

Por fim, o artigo 1º da Constituição da OIT proclama que a não adoção por qualquer nação de um regime de trabalho realmente humano criará obstáculos aos esforços das outras nações desejosas de melhorar a sorte dos trabalhadores nos seus próprios territórios.

No que tange aos fins e objetivos da OIT, bem como aos princípios que devem inspirar a política dos seus membros, há que se destacar o texto da Declaração de Filadélfia de 1944, que enumera variadas questões pertinentes à dignidade da pessoa humana e à segurança socioeconômica do homem que vive do trabalho.

Para alcançar o fim proposto...

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