Report No. 37 (2013) IACHR. Petition No. 1279-04 (Brasil)

Report Number37
Petition Number1279-04
Alleged VictimM.V.M. y P.S.R.
Respondent StateBrasil
Case TypeAdmissibility
CourtInter-American Comission of Human Rights
Relatório No. 37/13

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RELATÓRIO No. 37/13
PETIÇÃO 1279-04

M.V.M. e P.S.R.

ADMISSIBILIDADE
BRASIL

11 de julho de 2013



I. RESUMO


  1. Em 30 de novembro de 2004, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (doravante “CIDH” ou “Comissão Interamericana”) recebeu uma petição contra a República Federativa do Brasil (“Estado” ou “Brasil”) apresentada pela THEMIS – Assessoria Jurídica e Estudos de Gênero, Católicas pelo Direito de Decidir, Comitê Latino-americano de Defesa dos Direitos da Mulher – CLADEM/SP e Justiça Global/RJ (“peticionários”). A petição alega que o Estado é responsável por violações dos artigos 1.1, 5, 7, 11, 24 e 25 de Convenção Americana sobre Direitos Humanos (“Convenção Americana”), assim como violações dos artigos 1, 2, 3, 4 e 7 da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (“Convenção de Belém do Pará”). De acordo com os peticionários, as aludidas violações resultam da omissão do Poder Judiciário brasileiro em agir com a devida diligência a fim de sancionar os reiterados atos de estupro perpetrados por um padre católico em 1996 e 1997, em Porto Alegre, estado do Rio Grande do Sul, em detrimento de M.V.M. e P.S.R., esta última com 16 anos de idade (“as supostas vítimas”).1


  1. O Estado argumenta que a petição é inadmissível porque não expõe fatos que caracterizariam violação dos direitos garantidos pela Convenção Americana e pela Convenção de Belém do Pará. Nesse sentido, o Estado alega que o fato de que uma decisão judicial não coincida com as aspirações dos denunciantes não presume nenhuma violação do direito à proteção judicial. Consequentemente, o Estado assevera que os peticionários estão meramente tentando utilizar a CIDH como um tribunal de quarta instância para obter uma revisão adicional da sentença proferida em nível interno. Adicionalmente, o Brasil alega que os recursos internos não foram previamente esgotados, pois as supostas vítimas não denunciaram os fatos perante o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) ou a Ouvidoria da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres. Por essas razões, o Estado considera que a petição é inadmissível, conforme os artigos 47.b e 46.1.a da Convenção Americana.


  1. Sem pré-julgar o mérito da denúncia, e após examinar as posições das partes à luz dos requisitos estabelecidos nos artigos 46 e 47 da Convenção Americana, a Comissão Interamericana decide declarar o caso admissível a fim de analisar a suposta violação dos direitos previstos nos artigos 5, 8.1, 11, 19, 24 e 25 da Convenção Americana, em concordância com o artigo 1.1 daquele tratado, e com o artigo 7 da Convenção de Belém do Pará. A respeito da suposta violação do artigo 7 da Convenção Americana, a Comissão Interamericana decide que a petição é inadmissível. Adicionalmente, no concernente aos artigos 1, 2, 3 e 4 da Convenção de Belém do Pará, a CIDH levará os mesmos em consideração, quando pertinente, na sua interpretação do artigo 7 daquele tratado durante a etapa de mérito. A CIDH também decide notificar esta decisão às partes, publicá-la, e inclui-la em seu Relatório Anual à Assembleia Geral da OEA.


II. TRÂMITE PERANTE A CIDH


  1. A petição foi recebida pela CIDH através de correio postal em 30 de novembro de 2004. Em 8 de janeiro de 2010, a CIDH transmitiu a cópia das partes pertinentes da petição ao Brasil. O Estado apresentou sua contestação em 12 de março de 2010, e a CIDH remeteu esta comunicação aos peticionários para seus comentários. Os peticionários apresentaram informações adicionais nas seguintes datas: 27 de abril de 2010, 22 de julho de 2010, e 21 de fevereiro de 2011. Estas comunicações foram devidamente transmitidas ao Estado. O Estado, por sua vez, apresentou informações adicionais nas seguintes datas: 8 de junho de 2010 e 16 de outubro de 2010. Estas comunicações foram devidamente enviadas aos peticionários.


III. POSIÇÃO DAS PARTES


A. Posição dos peticionários


  1. Em relação à primeira suposta vítima – M.V.M. – os peticionários afirmam que, a partir de julho de 1996 até dezembro de 1997, ela trabalhou na paróquia como faxineira para um padre católico, na cidade de Porto Alegre, estado do Rio Grande do Sul. De acordo com os peticionários, em 1997 esse padre começou a estuprar M.V.M., então com 24 anos de idade.2 Os peticionários alegam que o padre católico usou sua posição de autoridade como empregador de M.V.M., inclusive ameaçando não pagar o seu salário, para forçá-la a manter relações sexuais com ele. Os peticionários acrescentam que o padre também a chantageou com informação obtida durante confissão, no sentido de que ela havia previamente trabalhado como prostituta, para submetê-la à sua vontade. Eles indicam que o primeiro estupro ocorreu numa noite em 1997, quando o padre agarrou-a pelos cabelos, dando-lhe vários tapas no rosto e chutes, e a estuprou sem utilizar camisinha. Os peticionários alegam que ele também a ameaçou, ao dizer que se ela denunciasse os estupros, ninguém acreditaria nela, pois ele era padre, enquanto que ela era uma faxineira que havia sido prostituta. Conforme a petição, o último incidente de estupro ocorreu em dezembro de 1997, quando M.V.M. pediu demissão e foi morar com uma tia.


  1. No que diz respeito à segunda suposta vítima – P.S.R. – que tinha 16 anos de idade na época dos fatos denunciados,3 os peticionários asseveram que ela trabalhava como voluntária catequista na paróquia porque ela tinha aspiração de ser freira. Os peticionários alegam que P.S.R. foi estuprada duas vezes pelo mesmo padre católico que supostamente estuprou M.V.M. Em junho de 1996, de acordo com os peticionários, ela foi estuprada pela primeira vez. Os peticionários afirmam que P.S.R. decidiu passar a noite na casa paroquial porque ela não tinha meios de ir para casa após um evento na igreja. No meio da noite, de acordo com os peticionários, P.S.R. acordou e encontrou o padre católico sentado na cama tocando nela. Os peticionários indicam que P.S.R. disse a ele que saísse, mas o padre católico mandou-a calar a boca e tapou sua boca para impedi-la de gritar. Segundo os peticionários, o padre católico arrancou violentamente a blusa dela, e lhe disse que ela ia gostar de transar com ele, e a estuprou depois de tirar suas próprias roupas. Após o ocorrido, os peticionários observam que o padre católico disse a ela que esquecesse o que aconteceu. Em março de 1997, os peticionários alegam que P.S.R. foi estuprada pelo padre católico novamente, ao sair do colégio. Os peticionários argumentam que o padre católico obrigou P.S.R. a entrar em seu automóvel, então a levou para um motel. No motel, de acordo com os peticionários, ele a forçou a subir as escadas até um quarto enquanto ela chorava, deu vários tapas no rosto dela, e a estuprou novamente. Eles argumentam que P.S.R. não reagiu porque estava paralisada de medo. Desde tais incidentes, conforme os peticionários, P.S.R. desistiu do sonho de ser freira e sofre de distúrbios emocionais.


  1. Os peticionários indicam que, em 10 de março de 1998, as supostas vítimas denunciaram os estupros sofridos perante a Delegacia de Polícia especializada em violência contra a mulher, na cidade de Porto Alegre, estado do Rio Grande do Sul. Os peticionários observam que, devido a que os estupros supostamente ocorreram em 1996 e 1997, as provas físicas coletadas foram muito limitadas, e o Estado não providenciou meios alternativos de instrução probatória, como realizar avaliações psicológicas nas supostas vítimas, particularmente para transtorno de estresse pós-traumático. Com efeito, os peticionários ressaltam que não foi realizada nenhuma avaliação psicológica por autoridades estatais após a denúncia sobre os estupros. Em outras palavras, os peticionários denunciam o Estado porque suas autoridades não empregaram a devida diligência a fim de sancionar os crimes de estupro cometidos por um ator não-estatal, isto é, o padre católico em questão. Apesar disso, em 27 de maio de 1998, o Ministério Público apresentou uma denúncia contra o padre católico por três acusações de estupro – uma contra M.V.M. em dezembro de 1997, e duas contra P.S.R. em junho de 1996 e abril de 1997 – e o juiz recebeu a denúncia em 29 de maio de 1998.


  1. De acordo com os peticionários, em 24 de julho de 2001, o juiz de primeira instância condenou o padre católico a 24 anos de prisão por três...

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