O exercício dos direitos sem discriminação

AuthorJosé Antonio Farah Lopes de Lima
ProfessionFuncionário do Estado de São Paulo
Pages97-102

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Ver Nota1

1. Caso linguístico belga, 23 de julho de 1968

Os2 requerentes deste litígio alegavam que diversas disposições da legislação belga relativas ao regime linguístico escolar dificultavam o acesso de seus filhos às escolas de língua francesa e constituíam, assim, uma discriminação quanto ao direito à educação. A decisão proferida pela Corte, além de permitir que ela precisasse o conteúdo do direito à instrução, fixa o regime de interdição de discriminação enunciado no artigo 14 da Convenção Européia, definindo-se os princípios que governam a aplicação (e suas modalidades) do direito à não-discriminação.

I – A aplicabilidade do direito à não-discriminação
A cláusula de não-discriminação prevista no artigo 14 não possui existência autônoma, pois ela se limita a interditar toda discriminação dos “direitos e liberdades reconhecidos na presente Convenção”; uma violação do artigo 14, considerada isoladamente, não é destarte concebível. Não sendo um direito “com vida própria”, o direito à não-discriminação fica subordinado à discriminação vinculada a um dos direitos garantidos pela Convenção ou seus Protocolos.
A) A primeira contribuição da decisão de 23 de julho de 1968 é a afirmação de que a interdição de discriminação, embora não tenha existência independente, possua um conteúdo autônomo.
1. A aplicabilidade do artigo 14 não poderia ser limitada às hipóteses de violação concomitante de um outro artigo da Convenção, pois isto a privaria

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de todo efeito útil. O artigo 14 completa as outras cláusulas normativas da Convenção e “faz parte integrante de cada um dos artigos que consagram direitos e liberdades” (§9). A exigência de não-discriminação é portanto incorporada a cada direito garantido pela Convenção. A Corte Européia, afirmando o conteúdo autônomo do artigo 14, põe o princípio que esta disposição pode valer mesmo em ausência de violação de um ou outro dos direitos garantidos (§9). Assim, uma medida conforme em si mesmo às exigências do artigo consagrando o direito em questão pode porém violar este artigo, se combinado com o artigo 14, pelo motivo de sua aplicação se revestir de um caráter discriminatório.

O artigo 14 permite então de censurar a discriminação na fruição de um direito garantido: por exemplo, uma medida de controle de imigração, conforme ao direito ao respeito da vida privada e familiar, mas revestindo-se de um caráter discriminatório, é incompatível com a Convenção, pela combinação dos artigos 8 e 14 (Abdulaziz e al. c/ Reino-Unido, 28 de maio de 1985); uma decisão de retirada de um certificado de urbanismo, que respeita em si o direito de propriedade, viola entretanto, havendo uma aplicação discriminatória, o artigo 14 combinado com o artigo primeiro do Protocolo 1 (Pine Valley Developments c/ Irlanda, 29 de novembro de 19913).

O caráter complementar da interdição de discriminação reaparece quando o juiz europeu, constatando uma violação distinta daquela sobre um direito garantido pela Convenção, estima inútil de se pronunciar a respeito da discriminação, considerando que esta questão particular fica inserida na apreciação da violação do direito principal (C. Goodwin, §108). Este raciocínio somente deixará de valer “quando uma desigualdade de tratamento no gozo de um direito em causa constituir um aspecto fundamental do litígio” (Dudgeon, §67). Esta possibilidade é explorada pela primeira vez com a decisão Chassagnou c/ França (29 de abril de 1999, §89), ao se examinar sob o ângulo do artigo 14 duas cláusulas normativas (artigo 1°, Protocolo 1 e artigo 11) donde a violação já fora constatada isoladamente.

A aplicabilidade do artigo 14 é então...

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