Dedicação ao Ensino e Evolução do Direito das Gentes

AuthorVicente Marotta Rangel
PositionProfessor Em&eacute;rito da Faculdade de Direito da Universidade de S&atilde;o Paulo; Juiz do Tribunal Internacional do Direito do Mar; Membro do <i>Institut de Droit International </i>
Pages183-190

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  1. Deferência me é outorgada: a do discurso de abertura do Terceiro Curso de Inverno de Direito Internacional, o qual se propõe a render preito ao ilustre professor da tradicional Casa de Ensino, em que nos encontramos: Arthur José de Almeida Diniz. A homenagem ao docente de direito das gentes se efetiva, aliás, por feliz coincidência sob a égide de relevante efeméride, que tem alcançado profunda ressonância alhures e em nosso país.

    Refiro-me à Segunda* Conferência da Paz da Haia, que precisamente há um século estava a ocorrer. Pela primeira vez o Brasil então participava de conferência em âmbitoPage 184universal, donde a merecida ressonância alcançada naquele ensejo e até agora entre nós. Embora convidado para integrar a conferência precedente, reunida igualmente na Haia, no período de 18 de maio de 1.898 a 29 de julho do mesmo ano, o nosso país havia declinado do convite recebido. Da primeira conferência haviam participado, como se sabe, vinte e seis Estados, dos quais vinte europeus, os Estados Unidos, quatro asiáticos, e apenas um latino-americano, o México. A razão da ausência se devera, segundo nota diplomática então assinada por nosso representante diplomático em São Petersburgo, às crises por que havia então recentemente passado o Brasil. Todavia, da conferência subseqüente, cujo centenário estamos hoje a celebrar, ocorrida de 15 de junho a 18 de outubro de 1.907, o nosso país não apenas participou mas teve nela atuação relevante, graças à personalidade atuante e diligente, entre outros, de Ruy Barbosa e do Barão do Rio Branco. Como se sabe, ambos adquiriram conhecimento e tirocínio em escolas de direito instituídas no Brasil cinco anos após a proclamação de nossa independência. A evocação da efeméride tem, desse modo, pertinência com o anfiteatro universitário em que agora nos encontramos e o destinatário desta aula inaugural, o ilustre professor titular de direito internacional público da Universidade de Minas Gerais, um dos sucessores daqueles que iniciaram o ensino do direito das gentes em nosso país. É para mim prazenteiro vislumbrar hoje essa construtiva seqüência de pesquisa e de docência.

  2. Como todo ramo de direito, o que concerne às relações entre Estados é definido e dinamizado por seu caráter tridimensional. Nele se incorporam de forma solidária e atuante as dimensões do fato social, dos valores e da norma. Tais dimensões persistem, embora nem sempre em mesmo nível, em todos os ítens da temática do curso que ora se inicia. Elas subsistem igualmente, em maior ou menor grau, no escritos do Professor Arthur José Almeida Diniz, sedimentados em sua experiência de docente e de pesquisador, haurida tanto nesta Universidade e demais de nosso país como alhures, verbi gratia na Tulane University, na "Faculté de Droit et des Sciences Économiques", na Universidade de Grenoble, no curso de especialização patrocinado pelo UNITAR, no programa da Fulbright, realizado nas Universidades de Harvard e Tufts. Dada essa abrangência de experiência pessoal, permitir-nos-emos relembrar ensinamentos inscritos em suas obras e com os quais, diga-se desde logo, também comungamos.

    Quanto à dimensão normativa do direito, recorda-nos o professor Arthur Diniz que no artigo 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça estão delineadas as fontes orientadoras das decisões do tribunal, "bem como se registra a descrição das fontes do próprio Direito Internacional Público". Essa enumeração, diz ele, embora não seja hierarquizante, oferece roteiro seguro à elaboração desse direito, em termos de adequação à realidade. Menciona os instrumentos para o levantamento da vida internacional, em seu aspecto formal. "A importância do estudo do direito constitucional comparado" - sinaliza a seguir - "vai consistir no desenvolvimento de conceitos e categorias que permitam a incorporação dos tratados, convenções e acordos na vida da comunidade interna." (Subdesenvolvimento e Direito das Gentes, Revista Brasileira de

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    Estudos Políticos, 1.977, p. 96). A referência que o Autor faz à relevância desse estudo nos conduz a evocar a necessidade de aprimorar a própria Constituição brasileira a respeito da processualística da conclusão de normas convencionais e de sua introdução no ordenamento interno, e lembrar, a propósito, o texto da Constituição argentina, reformada em 1.994, cujo artigo 75, inciso 22, estabelece nitidamente superioridade dos tratados internacionais sobre as leis. Comentário igualmente judicioso é aditado em relação ao costume internacional em face das "condições do progresso científico que vieram alterar...

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