Economia e direito concorrencial

AuthorJosé Antonio Farah Lopes de Lima
Pages101-147

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4.1. Introdução

O direito concorrencial na União européia é agora apresentado pela Diretoria da Comissão européia encarregada da aplicação deste direito como uma série de regras dominadas por um paradigma econômico focado no bem-estar dos consumidores. Agora nós iremos aprofundar a análise do que significa esta abordagem econômica do direito concorrencial. O objetivo deste capítulo é examinar a relação entre o direito concorrencial e as teorias econômicas relacionadas. Dada a recente conversão da União européia à esta abordagem econômica do direito concorrencial, nós utilizaremos o direito concorrencial norte-americano como referência comparativa. A tese central deste capítulo é a seguinte: dependendo das premissas econômicas com as quais trabalhemos, as prescrições ao direito concorrencial variam, e muitas vezes de forma subtancial. Isto quer dizer que adotar uma abordagem econômica ao direito concorrencial é apenas o ponto de partida de nossa análise. O que é imperativo é a identificação de qual abordagem econômica a Comissão européia utiliza para análise de seus casos. O significado dos paradigmas econômicos, a partir de uma perspectiva norte-americana, foi constatado pelo Professor Baker nos seguintes termos: “Enquanto advogados e magistrados estão no controle das escolhas processuais e das decisões judiciais, é justo afirmar que a longo prazo e dentro de uma perspectiva mais global, o direito concorrencial tem sido moldado de forma mais significativa por economistas e cientistas de teorias econômicas”1. Esta posição é muito otimista, já que também existe uma dimensão política/jurídica que orienta a adoção de teorias econômicas. Uma nova teoria econômica deve ser consistente com a doutrina jurídica e a política de aplicação do direito concorrencial daquele momento para que ela tenha alguma chance de sucesso. Transições para a adoção de novos paradigmas econômicos são geralmente precedidas por com-

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promissos políticos que caminham na mesma direção. Em outras palavras, o paradigma econômico muda quando o paradigma político é alterado.

Este capítulo oferece uma descrição resumida dos três modelos econômicos que têm sido a base teórica da evolução do direito concorrencial nos Estados Unidos: os modelos SCP, Chicago e Pós-Chicago), destacando suas diferenças analíticas e como estas diferenças afetam o direito concorrencial, pela revisão jurisprudencial, ou seja, de como o direito sobre fusões e preços predatórios muda de acordo com variações de posicionamento adotadas pelas autoridades concorrenciais e tribunais de justiça. A lição a ser aprendida deste estudo é a de como modelos econômicos e política concorrencial sofrem uma influência recíproca. Além disso, uma disputa ligada ao direito concorrencial pode ser vencida quando o aplicador do direito adota uma determinada análise econômica (defendida por uma das partes). Assim, é importante levar em consideração quais referências jurídicas juízes e autoridades concorrenciais adotam quando decidem pela aplicação de um novo paradigma econômico como base de suas decisões judiciais ou administrativas. O forte vínculo entre economia e direito concorrencial não está presente na história do direito concorrencial da Comunidade européia. A razão desta realidade e a emergência de uma orientação mais econômica do que política do direito concorrencial europeu foram analisadas no capítulo anterior e serão ainda examinadas no fim deste capítulo, onde indicaremos as características fundamentais do modelo econômico adotado pelo direito concorrencial europeu no momento presente.

4.2. Premissas compartilhadas

As diferenças entre os diversos modelos econômicos não devem ser exageradas. A maioria das prescrições econômicas à política concorrencial compartilha um número grande de características comuns e pesquisas americanas mostram que economistas de todas as tendências sustentam a política concorrencial mais do que qualquer outra política econômica2: o apoio público à aplicação do direito concorrencial é tão forte que se considera a proteção à concorrência como uma “religião”3. As diferenças concernem como aplicar teorias econômicas para regular mercados. A necessidade da aplicação do

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direito concorrencial surge principalmente quando existe uma falha no mercado. Enquanto o mercado se mantém competitivo, os consumidores se beneficiam de baixos preços e inovações de produtos porque as empresas são estimuladas a maximizar seus lucros e vender tantos bens quanto forem possíveis ao preço mais baixo. O livre mercado é então percebido como o mecanismo ideal através do qual questões econômicas fundamentais são respondidas: que bens devem ser produzidos, quantos bens devem ser produzidos e como distribuir estes bens. Como visto no capítulo precedente, para economistas a concorrência é um termo que identifica um estado de negócios segundo o qual “interesses dos consumidores são mais bem servidos do que como um processo de rivalidade entre concorrentes”4.

Quando existe concorrência no mercado, os benefícios econômicos surgem sem a necessidade de intervenção governamental e sem que as empresas tenham a intenção de gerar bem-estar econômico: as empresas atuam para maximizar lucros pela satisfação da demanda dos consumidores, e como se existisse uma “mão invisível”, isto leva ao mais efetivo uso dos recursos escassos existentes. Ocorre uma falha no mercado quando o modo das empresas maximizarem lucros deixa de ser a redução de preços e a maximização da produção e passa a ser a limitação da produção e o aumento dos preços. Isto leva a um uso ineficiente dos recursos existentes e deste modo a sociedade como um todo resta fortemente prejudicada. O direito concorrencial neste caso aparece para “curar” a falha de mercado e restaurar a concorrência no mercado. Até agora, focamos em como o direito concorrencial pode melhorar a eficiência alocativa. Todavia, como observa o Professor Vickers, a proteção à concorrência também é um meio para se atingir eficiência produtiva, de três maneiras: primeiro, pressões concorrenciais geram nas empresas maiores incentivos à redução de custos para evitarem de serem controladas ou adquiridas por empresas mais fortes ou se tornarem insolventes diante de concorrentes mais competitivos; em segundo lugar, a concorrência é um meio de seleção das empresas mais eficientes, que serão bem sucedidas; finalmente, a concorrência para inovação é uma fonte de eficiência produtiva. A concorrência por fim pode também ser um meio de se alcançar eficiência dinâmica.

A partir destas observações, falhas no mercado são quase que de forma unânime condenadas. Um cartel com todos os fabricantes de um certo produto capaz de monopolizar um mercado resulta em ineficiência alocativa: a produção

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é reduzida, levando ao desperdício de recursos. Um monopólio reduz eficiência alocativa e pode também acarretar ineficiência produtiva. Como ele não encara nenhuma concorrência, ele não tem qualquer incentivo à redução de preços e à organização de seus recursos de modo eficiente. Porém, economistas têm a tendência de serem práticos e utilitaristas. O interesse dos economistas é o bem-estar global da sociedade. Assim, se um monopólio traz mais eficiência produtiva do que um mercado com várias empresas concorrendo entre si, se os ganhos na eficiência produtiva são maiores do que as perdas da eficiência alocativa, economistas então irão aprovar o monopólio.

Economistas também concordam com o seguinte ponto: medir os custos das falhas de mercado é uma tarefa difícil. Um estudo americano mostrou que as perdas do mercado relativas à existência de monopólios atingia 0.1% do PIB5. Neste caso, o valor agregado pelo direito concorrencial – para punir e combater tal prática – seria muito reduzido. Todavia, os custos sociais mais relevantes causados por um monopólio são a redução das eficiências produtiva e dinâmica. Uma empresa com poder de mercado pode usar seus lucros extras para impedir a entrada de novos concorrentes naquele mercado. Este comportamento acarreta um desperdício, já que receitas crescentes não são alocadas ao aumento da eficiência produtiva da empresa dominante; pelo contrário, este comportamento destrói os recursos econômicos de outros concorrentes6. Outro tipo de perda econômica é denominada de “ineficiência – X”7. Este é um termo usado para indicar que o monopolista dominante não tem incentivos para reduzir os custos de produção ou para inventar novos produtos, pois está feliz com a vida tranquila que leva às custas da introdução de maior bem-estar econômico à sociedade. A eficiência dinâmica também pode sofrer caso o comportamento do monopolista venha a criar desincentivos a outras empresas a entrar no mercado com produtos inovadores. Estes tipos de perdas são mais relevantes do que reduções na eficiência alocativa e, enquanto o vínculo entre estas eficiências e políticas concorrenciais deva ser analisado com maior profundidade, considera-se sem muito questionamento o direito concorrencial como um meio de promoção das eficiências alocativa, produtiva e dinâmica.

Se é verdade que existem certos pontos teóricos econômicos convergentes quanto ao direito concorrencial – por exemplo, ineficiências econômicas são maléficas e devem ser punidas e...

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