O Direito Internacional do Trabalho

AuthorMarcio Morena Pinto
Pages33-42

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2. 1 A positivação do direito internacional do trabalho: o tratado de versalhes

Como analisamos no capítulo anterior, a consolidação do capitalismo e a rápida evolução econômica que a Europa experimentou ao longo século XIX como consequência da industrialização acabaram por submeter o operariado a condições de vida degradantes, exigindo da sociedade, e do próprio Estado, um posicionamento no sentido de oferecer-lhes uma legislação de caráter protetivo. Os fundamentos históricos do Direito Internacional do Trabalho coincidem exatamente com esse momento, vindo a consagrar-se definitivamente com a assinatura do Tratado de Versalhes.

Nesse percurso de universalização e positivação dos direitos trabalhistas, dois industriais tiveram um papel de grande relevância, como afirma Valticos (1977, p.
29): o inglês Robert Owen (cuja contribuição para o Direito do Trabalho já examinamos no capítulo anterior) e o francês Daniel Le Grand.

Le Grand não poupou esforços para que fosse adotada uma lei internacional do trabalho, atuando ativamente entre os anos de 1840 e 1855, dirigindo-se aos

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governantes dos principais países da Europa em prol da consolidação dos direitos trabalhistas, com especial destaque para a França.

Scelle (1927, p. 122) sustenta que a primeira iniciativa oficial para se criar uma legislação do trabalho de cunho internacional coube à Suíça que, em 1855, através de uma proposta do Cantão de Glaris, criou uma verdadeira legislação industrial internacional. No entanto, a primeira Conferência Internacional do Trabalho foi convocada posteriormente, em Berlim, em 1890.

Nessa conferência estiveram presentes os representantes da Alemanha, áustria, Bélgica, Dinamarca, Espanha, França, Holanda, Inglaterra, Itália, Luxemburgo, Noruega, Portugal e Suécia. Na ocasião, várias nações fizeram sugestões para a criação de uma Repartição Internacional para estudos e estatísticas de trabalho.

Para tornar realidade essas sugestões, Guilherme II pediu o apoio do Papa Leão XIII que, como resposta, trouxe à luz, em 1891, a já referida Encíclica Rerum Novarum que propôs, pela primeira vez, soluções para resolver a situação precária do operariado, considerada como uma consequência do capitalismo liberal e da falta de princípios éticos e morais nas relações socioeconômicas da época.

Em 1901 foi constituída a Associação Internacional para a Proteção Legal dos Trabalhadores, em Bruxelas. E em maio de 1905 teve lugar a Conferência de Berna, com a participação de quinze Estados, seguida de uma conferência diplomática, em setembro de 1906, com a presença de diversas nações, a qual resultou em duas convenções: uma sobre a proteção dos trabalhadores nas atividades em contato com fósforo branco e a segunda sobre a proibição do trabalho noturno das mulheres.

Dando um breve salto na história, chega-se ao período entre as duas grandes guerras mundiais, chamado por Hobsbawn de a Era das Catástrofes (2005, p. 15). Durante esse tempo, consideráveis reflexos sobre o Direito Internacional do Trabalho foram projetados e merecem ser analisados brevemente.

Durante a Primeira Guerra, deflagrada em 1914, houve a queda do império czarista e o triunfo da revolução soviética, o que proporcionou, pela primeira vez, a instauração de um regime nacional dirigido, ao menos teoricamente, pela classe trabalhadora.

Do ponto de vista jurídico, uma das principais consequências geradas com o término da Primeira Guerra foi a assinatura do Tratado de Versalhes,1 que se tornou uma das primeiras e mais importantes fontes do Direito Internacional do Trabalho, representando uma etapa importante para o início de uma institucionalização do sistema internacional de proteção aos trabalhadores.

Esse tratado de paz, assim como o seu protocolo anexo, foi assinado aos 28 de junho de 1919, tendo como celebrantes os Estados Unidos da América, o Império

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Britânico, França, Itália e Japão, como “potências principais aliadas”, secundados pela Bélgica, Bolívia, Brasil, China, Cuba, Equador, Grécia, Guatemala, Haiti, Hedjaz, Honduras, Libéria, Nicarágua, Panamá, Peru, Bolívia, Portugal, Romênia, Estado Servo-Croata-Sloveno, Sião, Tchecoslováquia e Uruguai, enquanto “potências associadas”, e a Alemanha (CASELLA, SILVA, ACCIOLY, 2010, p. 107).

O Tratado de Versalhes fixou diversos princípios trabalhistas, os quais foram sendo positivados pelos países industrializados ou em processo de industrialização, tratando de temas como: duração diária e semanal do trabalho, repousos do trabalhador, isonomia salarial, proteção especial ao menor e à mulher, direito de associação e tantos outros direitos responsáveis por formar o arcabouço do Direito Internacional do Trabalho tal qual conhecemos hoje.

Outra relevante consequência da Primeira Guerra foi a criação da Liga das Nações, como parte do acordo de paz. Acerca do tema, analisa Ridruejo (2006, p. 683) que a Liga, baseada na filosofia política da manutenção da paz por meio da trilogia arbitragem-segurança-desarmamento, foi um grande fracasso no cumprimento dos seus objetivos. Não se instaurou a obrigação completa de solucionar jurisdicionalmente as controvérsias e nem se proibiu totalmente o recurso à guerra, pois não havia mecanismos de controle eficientes para tanto. No campo do desarmamento, os resultados obtidos foram minimamente significativos.

Lamentavelmente, a proposta de uma Sociedade de Nações logo veio a falir no seu maior propósito: alcançar a paz mundial. Como afirma Hobsbawn (1995,
p. 42), o acordo de Versalhes não podia ser a base de uma paz estável, estando condenado, desde o início e, portanto, outra guerra era praticamente certa. De fato, pouco tempo depois a ascensão do nazifascismo culminou no início de uma Segunda Guerra Mundial, em 1939.

Ambos fatos históricos são importantes para o Direito Internacional do Trabalho, pois tanto a Conferência das Nações como a assinatura do Tratado de Versalhes semearam o terreno para o surgimento daquele que seria o mais...

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