O direito do trabalho no mercosul

AuthorJosé Soares Filho
ProfessionJuiz do Trabalho aposentado. Membro efetivo do Instituto Latinoamericano de Derecho del Trabajo y de la Seguridad Social, do Instituto dos Advogados Brasileiros
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5.1. Um enfoque de direito comparado

As Constituições dos países latino-americanos, especialmente os componentes do Mercosul, têm pontos comuns e, logicamente, pontos divergentes, resultantes de suas origens e sua evolução histórica.

A par dos traços culturais e ideário comuns a esses países, que se traduzem em simetrias em seus sistemas jurídicos, existem entre eles diferenças resultantes da identidade nacional, que se convertem em assimetrias nos referidos ordenamentos. É o que se passa a analisar, com enfoque maior dos dispositivos das Constituições dos Estados componentes do Mercosul pertinentes aos direitos sociais, objeto medular deste trabalho.

Como traços comuns dos regimes jurídicos daqueles países, sobre a matéria ora sub examine, registrem-se os seguintes, assinalados por Osvaldo Mantero de San Vicente (1996, p. 58):

  1. Os quatro foram elaborados e em parte funcionam como regimes protetores dos trabalhadores;

  2. O Direito do Trabalho é considerado nos quatro países, como um ramo autônomo do Direito, sujeito a seus próprios princípios e a critérios especiais de interpretação e integração;

  3. Como consequência de sua finalidade protetora, o Direito do Trabalho assume caráter imperativo e irrenunciável e em sua aplicação se altera a ordem hierárquica das distintas fontes normativas e os critérios de vigência no tempo;

  4. A principal fonte formal foi nos quatro países, a legislação. Conquanto haja sob esse aspecto, diferenças substanciais, tanto em relação à utilização de outras fontes, quanto ao caráter da legislação.

Cássio Mesquita Barros (1993, p. 199) e San Vicente (1996, p. 40 s) apontam, como importante fator de similitude entre os ordenamentos jurídicos dos países integrantes do Mercosul - e o sistema jurídico latino-americano em geral, -, o fato de terem se baseado na tradição e na técnica jurídica do Direito Romano e do Direito Canônico, bem assim, a partir do século XIX, haverem recebido a influência do processo de codificação do Código Civil francês (o denominado Código

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de Napoleão). Além disso, segundo Barros (1993, p. 199), os traços de semelhança, sob o ponto de vista econômico, são acentuados pela dependência e o modo de inserção deles nas relações econômicas mundiais.

Além disso, "a constitucionalização do Direito do Trabalho e da seguridade social, na atualidade, é uma das pedras angulares da ordem constitucional dos países do Mercosul", dada a circunstância de que, desde as primeiras décadas do século XX, o constitucionalismo incorpora, com os direitos civis, os direitos sociais, nos quais se inserem o direito do trabalho e o da seguridade social (BARROS, 1993, p. 166).

Característica marcante, no aspecto das similitudes, é que, à exceção do Uruguai, os países do Mercosul têm o direito do trabalho como um conjunto de preceitos uniformes para todo o país, preponderantemente de ordem pública, sob forte intervencionismo estatal, formado, em nível infraconstitucional, por uma legislação muito ampla e minuciosa.

No tocante à negociação coletiva, da comparação dos sistemas jurídicos dos quatro países que integram o Mercosul, observa-se que, à exceção do Uruguai, a matéria é regulada em nível constitucional; porém, todos reconhecem o direito à negociação coletiva.

Veja-se, a seguir, como os direitos sociais são tratados, naqueles países, pelas respectivas Constituições.

5.2. Brasil

Nossas Cartas Políticas, desde 1934, incluem em seus textos disposições acerca da ordem econômica e social.

A atual, de 1988, valoriza sumamente os direitos sociais, pois:

  1. já no seu Preâmbulo 140 indica, como objetivo do Estado Democrático por ela instituído, dentre outros, assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais;

  2. entre os Princípios Fundamentais inclui os valores sociais do trabalho e da livre-iniciativa (art. 1º, IV);

  3. os objetivos fundamentais da República compreendem, direta ou indiretamente, direitos sociais, especialmente o de "erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais" (art. 3º, III);

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  4. todo o Capítulo II do Título II é dedicado aos direitos sociais, com resenha vasta e detalhada de direitos trabalhistas que, na melhor técnica constitucional, poderia ser deferida à legislação infraconstitucional.

    Em princípio, como nota Gislene Aparecida Sanches (1998, p. 38), as normas de proteção ao trabalho, em nosso país, não podem ser derrogadas por negociação individual ou coletiva, exceto nas hipóteses que a própria Constituição menciona: redução do salário e da jornada de trabalho, mediante negociação coletiva (art. 7º, VI e XIII, respectivamente).

    A Carta Magna brasileira, pois, confere validade restrita a esse procedimento, sob o prisma de alteração do arcabouço legal. Todavia, reconhece-o (convenções e acordos coletivos de trabalho, art. 7º, XXVI) como legítimo para a normatização das relações laborais e solução dos conflitos nessa área, bem assim atribui aos atores sociais, por esse meio, a faculdade de flexibilizar o direito do trabalho.

    Atribui à Justiça do Trabalho poder normativo, dando-lhe a competência para, em caso de recusa das partes à negociação ou à arbitragem, estabelecer, em dissídio coletivo, normas e condições de trabalho, respeitadas as disposições convencionais e legais mínimas de proteção ao trabalho (art. 114, § 2º). Ressalve-se, a esse respeito, a limitação do poder normativo da Justiça do Trabalho para dirimir conflitos coletivos de natureza econômica, o que é condicionado a ajuizamento do dissídio de comum acordo pelas partes (inovação trazida, com a alteração desse dispsitivo, pela Emenda Constitucional n. 45/2004).

5.3. Argentina

A Constituição Federal, com a Reforma de 1994, regula os direitos sociais, estabelecendo as garantias básicas do trabalhador.

Num único artigo, o 14, declara, como direito de todos os habitantes da Nação, entre outros, o de trabalhar e exercer qualquer profissão lícita. Na parte nova (artículo nuevo) garante ao trabalho, em suas diversas formas, a proteção das leis e enuncia os direitos básicos que ao trabalhador deverão ser assegurados por elas: condições dignas e equitativas de trabalho; jornada limitada; repouso e férias remunerados; justa retribuição; salário mínimo vital móvel; igual remuneração por trabalho igual; participação nos lucros das empresas, com controle da produção e colaboração na direção; proteção contra a despedida arbitrária, estabilidade do empregado público; organização sindical livre e democrática, reconhecida pela simples inscrição em um registro especial.

No tocante aos direitos coletivos, garante aos sindicatos: celebrar convenções coletivas de trabalho; recorrer à conciliação e à arbitragem; o direito de greve; o gozo, pelos representantes sindicais, das garantias necessárias ao cumprimento de sua gestão sindical e as relacionadas com a estabilidade de seu emprego.

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A Justiça do Trabalho não tem poder normativo; porém, ao Ministério do Trabalho compete estender, por decisão administrativa, a uma categoria de trabalhadores, convenção coletiva firmada com outra categoria.

Declara aquele artigo, outrossim, que o Estado outorgará os benefícios da seguridade social, de caráter integral e irrenunciável, a serem estabelecidos...

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