Convenção Européia de Direitos Humanos

AuthorJosé Antonio Farah Lopes de Lima
ProfessionFuncionário do Estado de São Paulo
Pages25-37

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A Convenção de Salvaguarda de Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais ou Convenção Européia de Direitos Humanos (CEDH), assinada em Roma no dia 04 de novembro de 1950, em vigor a partir de 03 de setembro de 1953, fundamenta a proteção européia de direitos humanos. Inspirada na Declaração Universal de Direitos do Homem, adotada pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948, precursora do processo de proclamação internacional de direitos humanos, a Convenção Européia de Direitos Humanos fornece hoje o modelo mais aperfeiçoado de garantia efetiva dos direitos humanos proclamados no plano internacional: ela oferece aos indivíduos o benefício do controle jurisdicional quanto ao respeito de seus direitos1.

Lançado pelo Movimento Europeu, quando do Congresso de Haya de maio de 1948, o projeto de uma Convenção Européia de Direitos Humanos deveria se realizar no contexto do Conselho da Europa, donde seu Estatuto, adotado em Londres em 05 de maio de 1949, é totalmente impregnado pela vontade de defender e de promover a liberdade e a democracia. Segundo o Preâmbulo do Estatuto, os Estados signatários são “fortemente vinculados aos valores morais e espirituais que são o patrimônio comum de seus povos e que estão à origem dos princípios de liberdade individual, de liberdade política e de preeminência do direito, sobre os quais se fundamenta toda verdadeira democracia”. Primeiro tratado multilateral concluído no seio do Conselho da Europa, a Convenção Européia de Direitos Humanos é ligada tanto de forma ideológica quanto de forma institucional ao Conselho da Europa. Recordando que a salvaguarda e o desenvolvimento dos direitos humanos são um dos meios de se atingir o objetivo do Conselho da Europa, qual seja, aquele de “realizar

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uma união mais estreita entre seus membros”, seu Preâmbulo sublinha o vínculo dos Estados-partes ao “patrimônio comum” e afirma que a manutenção das liberdades fundamentais “repousa essencialmente sobre um regime político verdadeiramente democrático, de um lado, e de outro, sobre uma concepção comum e um comum respeito dos direitos humanos”. Exprime-se aqui o que há de fundamental nas regras formuladas na Convenção, para a comunidade dos Estados contratantes e, assim, a Corte Européia de Direitos Humanos pôde destacar que a democracia é “o único modelo político visado pela Convenção e, portanto, o único compatível com a mesma”. Reforçando a predominância do interesse comum, o Preâmbulo enfatiza que a matéria de direitos humanos “diz respeito aos interesses essenciais da comunidade”. Nesta direção, a Corte se exprime no julgado Loizidou contra a Turquia, de 23 de março de 1995: qualificando a Convenção Européia de Direitos Humanos de “instrumento constitucional da ordem pública européia”, a Corte apresenta o postulado da existência de uma ordem pública européia, isto é, de um conjunto de regras percebidas como fundamentais para a sociedade européia e que se impõem aos seus membros.

Eixo privilegiado da construção de uma Europa unida e democrática, a Convenção Européia representa de certa forma uma “Constituição” do Conselho da Europa. Concebido como um “clube” de democracias, esta entidade, após a queda do Império Soviético, alargou-se e acolheu 18 novos países da Europa central e oriental. Assim, a participação no Conselho da Europa determina a participação à Convenção. Somente o Estado-membro do Conselho da Europa pode tornar-se parte à Convenção, por assinatura e sucessiva ratificação (como qualquer outra convenção internacional): Portugal (1978), Espanha (1979), Hungria (1992), Rússia (1998) ou Geórgia (1999) são Estados-partes à Convenção, após terem se agregado ao Conselho da Europa. De modo inverso, o Estado que perde a qualidade de membro do Conselho da Europa cessa de ser parte à Convenção. Esta hipótese ocorreu somente uma vez, quando a Grécia “dos Coronéis” denunciou a Convenção ao mesmo tempo em que ela se retirava do Conselho da Europa, em 12 de dezembro de 1969; com a democracia restabelecida, a Grécia reintegrou o Conselho e a Convenção em 28 de novembro de 1974. Todavia, pertencer ao Conselho da Europa não acarreta a obrigação de ratificação da Convenção. Por exemplo, a França, membro signatário originário do Conselho esperou um quarto de século antes de ratificar a Convenção, em 03 de maio de 1974.

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Na prática, entretanto, os dois formam um par e, depois de 1989, a adesão dos Estados ex-comunistas foi subordinada à ratificação rápida da CEDH, verdadeira condição estatutária para o sucesso deste pleito. Em setembro de 2005, a Convenção vincula 46 Estados do Conselho da Europa, sendo
21 Estados da Europa central e oriental. A BieloRússia está em processo de adesão ao Conselho da Europa.

A Convenção é igualmente um instrumento de referência para a União Européia. O Tratado sobre a União Européia erige os três princípios – respeito aos direitos humanos, democracia e preeminência do direito – que formam o “patrimônio comum” dos valores enunciados pelo Estatuto do Conselho da Europa e pela Convenção Européia de Direitos Humanos em verdadeiros princípios constitucionais da União Européia, donde o respeito torna-se uma condição estatutária da adesão à União Européia, fazendo-se remissão à Convenção. A Corte de Justiça da Comunidade Européia aplica com frequência a Convenção Européia de Direitos Humanos, como princípio geral de direito comunitário. Enfim, a Carta de Direitos Fundamentais da União Européia, adotada em Nice no dia 07 de dezembro de 2000, faz remissão à Convenção e estabelece que o nível de proteção que ela oferece não pode ser inferior àquele da Convenção, considerado então como padrão mínimo de referência. Deste modo, a CEDH representa hoje a Carta Européia de Direitos Humanos.

Emendada pelo Protocolo n.11, em vigor em 1° de novembro de 1998, com cinco Protocolos Adicionais, a Convenção Européia de Direitos Humanos possui uma dupla dimensão, normativa e institucional.

Quanto à dimensão normativa, são a Convenção e seus Protocolos que enumeram os direitos humanos protegidos: trata-se de direitos individuais, tendo como fim essencial a preservação da integridade e da liberdade da pessoa humana. A inspiração da Convenção Européia é aqui idêntica àquela da Declaração Universal e procede do postulado da igualdade de todos os homens: “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos” (art. 1°, DUDH). Os direitos humanos fazem remissão à identidade da pessoa humana e transcendem sua proclamação pelos textos nacionais ou internacionais: como a Declaração Universal, a Convenção Européia não cria direitos humanos, mas reconhece “o direito de ser um Homem”, valor permanente e anterior a todo e qualquer ato político. Todavia, diferentemente da Declaração Universal que, simples Resolução oriunda da Assembléia Geral

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das Nações Unidas, não cria obrigações aos Estados e que se analisa como um instrumento pré-jurídico, a Convenção Européia tem força jurídica vinculativa aos Estados-partes: ela não se contenta em somente reconhecer direitos individuais, mas ela os erige em categoria jurídica e, pela primeira vez em direito internacional, lhes confere um regime protetor. Em matéria de direitos humanos, mais do que em qualquer outra área, a “jurisdicionalidade” da regra condiciona a eficácia de sua garantia e...

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